sexta-feira, 4 de julho de 2014

Um “não” ao atual sistema econômico e muitos “sins” à diversidade de alternativas

Publicado em 22/04/2014
*por Anita Martins e Edu Cavalcanti

Poucos momentos na vida são capazes de mudar nossa visão de mundo. Mas eles são valiosos. Foi o que me aconteceu na conferência Economia da Felicidade, em Bangalore, na Índia, mês passado. Por cinco dias, cerca de 1000 especialistas e pessoas interessadas em economia, agricultura, psicologia, educação e tantas outras áreas, vindos de Brasil, Estados Unidos, Japão, Nigéria e tantos outros países, discutiram alternativas para o atual sistema econômico mundial, com foco na localização da economia.

Mas porque são necessárias alternativas? Porque esse sistema impõe uma única cultura consumista aos mais diversos cantos do planeta, incentiva o desenvolvimento a todo custo, destrói comunidades em favor de grandes empreendimentos, dá subsídio a empresas, cria dependência em torno de empregos escassos e, acima de tudo, torna as pessoas infelizes, pois as desconecta umas das outras e do ambiente que as rodeia.

E porque localizar atividades econômicas pode ser a solução? Porque, assim, a diversidade é respeitada, o poder de decisão é devolvido ao povo, o meio ambiente é protegido e a interdependência entre todos os seres vivos é reafirmada, fazendo com que todos se importem com todos. Isso sem voltar no tempo, sem precisar abrir mão de tudo que a vida moderna nos trouxe. Mas transformando a escala multinacional, na qual somente uma empresa gigante ganha, em escala regional, na qual os moradores de cada lugar retêm os benefícios. Talvez eu já soubesse algumas dessas coisas, mas aprendi muito, claro.

A grande virada de pensamento, no entanto, veio por meio do entendimento de que, dentre os componentes do sistema, a economia, que normalmente parece tão distante do nosso dia a dia, está na raiz de boa parte dos problemas que enfrentamos atualmente. Antes, via a destruição da natureza como obra de governos, empresas e pessoas sem informação suficiente para compreender a importância da preservação para o futuro da humanidade, e não estava errada. Mas agora também vejo que isso só acontece por causa da noção de crescimento econômico que todos seguimos, seja querendo ter um Produto Interno Bruto maior, um lucro maior ou um carro maior. O mesmo raciocínio se aplica a praticamente qualquer outra questão que possa ser levantada. Conversando com a representante da Aliança Indiana para Agricultura Sustentável e Holística Kavitha Kuruganti vê-se como a agricultura é uma das principais reféns da economia globalizada, com agricultores tendo de comprar até sementes patenteadas para poder plantar. “Cada vez mais, tudo está sendo colocado nas mãos das grandes corporações. Na Índia, em determinadas culturas, o mercado inteiro está sob o controle de empresas como a Monsanto”, afirmou. O resgate e o cultivo de sementes selvagens, a redescoberta de alimentos antigos, a adoção da agricultura orgânica para regenerar o ecossistema e não precisar de químicos, e a realização de feiras de agricultores locais, tudo em pequena escala, estão entre as alternativas adotadas por diferentes grupos para não depender do sistema hegemônico. “O que a gente precisa não é aumentar o tamanho dessas iniciativas, mas replica-las, em milhões”, incentivou, em tom inspirador.

A educação é outra área considerada chave. O formato atual das escolas foi criticado por condicionar indivíduos do mundo inteiro a pensarem igual e por formá-los exclusivamente para atender às necessidades do mercado, ao invés de prepara-los para a vida de maneira integral. Um dos projetos mais interessantes abordados no evento foi a Universidade Swaraj, no estado indiano do Rajastão. Coordenada por Manish Jain. Com foco em sustentabilidade e justiça social, a instituição oferece a jovens um programa de dois anos sem qualquer atividade estruturada. Cada estudante é ligado a um mentor, que o ajuda a descobrir o que deseja fazer e a desenvolver as habilidades e os contatos necessários para tal.
Há ainda o impacto psicológico da globalização, vindo, por exemplo, da necessidade da moda criar um novo padrão de beleza a cada seis meses para poder vender. A diretora da Sociedade Internacional para Ecologia e Cultura, Helena Norberg-Hodge, chamou a atenção para a epidemia de depressão no Ocidente, com crianças de seis anos de idade pedindo para fazer cirurgia plástica porque não estão felizes com a sua aparência. O psicólogo nigeriano Bayo Akomolafe defende a aceitação das nossas sombras como forma de nos livrarmos das imposições da sociedade. “Então uma característica sua que você não gosta é a preguiça? Pois pare de pensar que isso é um defeito. E comece a ver que, na verdade, é uma qualidade, pois você respeita os seus limites, aprecia a contemplação”, exemplificou em seu workshop.

A brasileira Camila Moreno, que trabalha com movimentos sociais na América Latina há 15 anos, atentou para as falsas alternativas, como a economia verde. “Não tem nada a ver com produção local de alimentos ou qualquer iniciativa local, mas sim com bancos de investimento. É simplesmente mais um componente do atual discurso hegemônico. Não podemos confundir isso com uma real transformação ecológica do sistema.”

Também foi convidado outro brasileiro, Adalberto Martins, mais conhecido como Pardal no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e na Via Campesina, ambas entidades claramente admiradas pelos participantes do evento. Pardal se animou em ver pessoas da cidade com o mesmo tipo de visão que o povo do campo e em vislumbrar os frutos que um esforço conjunto pode dar. Pois foi essa mesmo a ideia colocada ao final do evento: a formação de uma aliança internacional para a localização, o que ainda está em discussão. “A gente precisa de um coletivo ‘não’ à continuação desse sistema. E de muitos ‘sins’ à diversidade de ecossistemas, culturas e identidades”, clamou Helena. Por ora, o movimento está recebendo apoios através do site The Economic of Happiness ou pelo Facebook.
Articulistas Convidados:
Anita Martins é jornalista, natural de Florianópolis. Morou anos no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde trabalhou em grandes empresas como TV Globo e Editora Abril. Depois de uma viagem pela Austrália e pelo Sudeste Asiático que mudou sua forma de ver o mundo, passou a trabalhar por um mundo mais sustentável e simples.

Nascido em Brasília, Edu Cavalcanti tornou-se fotojornalista em Florianópolis. Trabalhou nos principais veículos de comunicação da cidade, como Diário Catarinense e Notícias do Dia. Há alguns anos, passou também a estudar narrativas multimídia. Atualmente, viaja pelo mundo, continuando sua busca por autoconhecimento e descobrindo novos significados para a fotografia em sua vida.

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