Prática agroflorestal fortalece assentamentos de Reforma Agrária
Com o objetivo de propagar as agroflorestas por todo o país, com maior ênfase nos Assentamentos de Reforma Agrária, a Cooperafloresta, por meio do Projeto Agroflorestar, realiza pesquisas científicas nos assentamentos Mário Lago (Ribeirão Preto/SP) e Contestado (Lapa/PR). Nestas regiões as diferenças ambientais em todos os âmbitos refletem em características agroflorestais ainda não estudadas.
Promover a irradiação das agroflorestas nos Assentamentos de Reforma Agrária em biomas diversos é a primordial proposta da segunda etapa da pesquisa científica do Projeto Agroflorestar, que está sendo realizado pela Cooperafloresta (Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo/SP e Adrianópolis/PR) e patrocinado pela Petrobras através do Programa Petrobras Socioambiental.
À partir das experiências agroflorestais desenvolvidas pela Cooperafloresta na Mata Atlântica no Vale do Ribeira e Litoral do Paraná, está sendo realizada a pesquisa ‘Estoques de carbono nas florestas’ em assentamentos localizados na Lapa/PR e Ribeirão Preto/SP, onde predominam outras condições de clima, solo e biodiversidade, inclusive áreas degradadas no Bioma Cerrado. O objetivo é subsidiar e orientar a prática agroflorestal, facilitando a sua adoção e multiplicação.
A grande sintonia do que prega e pratica o Projeto Agroflorestar em tornar a agroecologia a matriz produtiva nacionalmente hegemônica no âmbito da Reforma Agrária e da agricultura brasileira, potencializa imensamente sua capacidade de gerar impactos num cenário que extrapola em muito, os assentamentos e escolas nos quais o projeto atua diretamente.
O engenheiro agrônomo Nelson Eduardo Corrêa Netto, coordenador do Projeto Agroflorestar e técnico da Cooperafloresta, alia também a isto à força de atuação, em âmbito nacional, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. “O MST envolve, de forma orgânica, mais de meio milhão de famílias no maior e mais determinado movimento social do país. Neste universo, a afirmação prática científica e socialmente monitorada de um paradigma no qual a Conservação da Natureza e a cooperação das pessoas entre si e com os processos naturais são a base do sistema produtivo representa um grande avanço”.
O pesquisador deste tópico do Agroflorestar, o doutor Walter Steenbock, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMbio) ressalta a importância da agricultura familiar no processo de conservação ambiental, em todos os âmbitos, se comparada à agricultura convencional (Agronegócio). “Quando se tata de conservação ambiental, a agricultura familiar tem se mostrado mais eficiente que o agronegócio do ponto de vista social, econômico e ambiental”, aponta o pesquisador, que esteve à frente da primeira etapa da pesquisa inserida no Agroflorestar finalizada em dezembro de 2012.
Resultados científicos da primeira etapa da pesquisa endossam esta afirmação, como a diversidade de produtos para a subsistência, que ampliou em cerca de 95% se comparado a quando praticavam a agricultura convencional (monocultura), que também maximiza a renda com a redução de gastos externos. E o mais importante – já que não se trata apenas das famílias que atuam hoje nas agroflorestas, mas do futuro de novas gerações: a recuperação de 1.000 hectares (ha) dos recursos naturais na área de atuação das 120 famílias associadas à Cooperafloresta (100 alqueires).
OBJETIVOS PRIMORDIAIS
“Além de trabalharmos para a propagação das agroflorestas, consideramos fundamental buscar a geração, por parte das esferas Municipais, Estaduais e Federal, de políticas públicas de crédito, de assistência técnica, de pesquisa, de educação e de regulamentação ambiental adequadas”, frisa Steenbock.
“O investimento em conhecimento, pesquisa, desburocratização dos processos e regulamentação ambiental adequada são questões consideradas fundamentais para o desenvolvimento do setor. E este trabalho, somado aos que já obtivemos em âmbito global nos Sistemas Agroflorestais da Cooperafloresta com o balanço de carbono, e considerando os impactos positivos da agricultura agroflorestal produzindo bens e serviços mensuráveis, apontam o sucesso do trabalho realizado por toda a equipe da Cooperafloresta e de todas as famílias agricultoras”, avalia o pesquisador.
Primeira etapa
A primeira etapa do experimento foi desenvolvida em 16 agroflorestas para a caracterização da estrutura florestal. Foram incluídas agroflorestas de diferentes idades, em distintas condições de solo e relevo e conduzidas sob variações amplas de manejo. “O manejo agroflorestal reflete na dinâmica do carbono, apontando para a possibilidade de agregar carbono, produção de alimentos e biodiversidade nos mesmos espaços”, esclarece Steenbock.
Proposta da segunda etapa da pesquisa no Agroflorestar
A proposta do eixo de pesquisa, para o período de 2013/2014, é monitorar indicadores ambientais, de fertilidade do solo e produtivos, periodicamente, desde o início da implantação de agroflorestas. Considerando a analogia aos “retratos” das agroflorestas, realizados no período passado, a proposta atual é realizar “filmes” da dinâmica do carbono, da biodiversidade e da fertilidade do solo, de forma associada à descrição detalhada das práticas de manejo realizadas em cada agrofloresta sob análise.
Sucesso dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) da Cooperafloresta junto aos Assentamentos de Reforma Agrária
Atualmente, cerca de 180 famílias agriculturas assentadas, distribuídas nos municípios de Morretes, Antonina, Paranaguá, Serra Negra (Litoral do Paraná), Lapa (Região Metropolitana de Curitiba/PR), Ribeirão Preto e Apiaí (ambos em São Paulo) estão tornando seus lotes em um modelo viável de produção alternativa à monocultura e um exemplo de reforma agrária bem-sucedida.
Cada localidade com suas peculiaridades climáticas e comunidades diversas, estão se integrando em torno de um só objetivo: proteção e recuperação ambiental aliadas ao resgate da dignidade de vida das famílias. “Para tanto, o trabalho é detalhado, moroso, mas satisfatório.Apesar dos assentados já terem conhecimento sobre o respeito ao meio ambiente em razão do engajamento na causa da Reforma Agrária, na maioria dos lotes, a exemplo dos de Ribeirão Preto, as terras estão desgastadas pelo uso de agrotóxicos, heranças deixadas pelo cultivo da cana de açúcar. Diante disso, o processo, na sua íntegra, necessita do nosso apoio – do modelo de manejo, do apoio técnico nos processos de organização, formação e, principalmente, na capacitação das famílias agricultoras”, finaliza Nelson Eduardo Corrêa Netto.
PESQUISAS NOS ASSENTAMENTOS MÁRIO LAGO (SP) E LAPA (PR)
Em Ribeirão Preto, 90 famílias agricultoras do assentamento Mário Lago estão engajadas e a satisfação é evidente nas palavras de Zaquel Miguel de Carvalho, assentado oficialmente no município desde 2008. “Desde que estivemos em Barra do Turvo e pudemos ver o quanto nossa terra pode trazer felicidade, comprei a ideia. É disso que precisamos aqui no Mário Lago. Nossas terras foram destruídas e precisamos desfazer o mal que fizeram por aqui. Nossa água está contaminada pelo agrotóxico que aqui colocaram. Mas aprendi: agora estamos plantando água e terra”, comemora Zaquel Miguel de Carvalho.
“Percebemos que o êxito da agrofloresta em Ribeirão Preto será fundamental para o sucesso do próprio assentamento, potencializando sua proposta de reunir recuperação ambiental e produção. O que nos deixa exultante é perceber que as lideranças e famílias locais estão se apropriando, cada vez mais, do Projeto Agroflorestar e sua proposta”, comemora o engenheiro agrônomo Nelson Eduardo Corrêa Netto.
No assentamento Contestado, com 108 famílias do MST, na Lapa (PR), há outro exemplo da importante atuação do Projeto Agroflorestar. Os intercâmbios de conhecimento com as famílias agricultoras da Cooperafloresta socializando suas experiências de mais de 15 anos com agroflorestas, são de fundamental importância no processo de ampliação de referências de reforma agrária com agroflorestas. Na Lapa, 40 famílias implantaram áreas piloto de 750 m², em caráter experimental e demonstrativo.
No município, a parceria do Contestado com a Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA), que se localiza no Assentamento foi fundamental para a realização da pesquisa, já que a soma de esforços e respectivos conhecimentos, serão fundamentais para a disseminação do sucesso lá conferido.
Sobre a Cooperafloresta – http://cooperafloresta.com
A Cooperafloresta (Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do turvo/SP e Adrianópolis /PR) nasceu em 1996. Em 2003 foi formalizada e hoje atua diretamente com 120 famílias agricultoras e quilombolas de Adrianópolis (PR) e Barra do Turvo (SP). Também assessora 180 famílias agriculturas assentadas, distribuídas nos municípios de Morretes, Antonina, Paranaguá, Serra Negra (Litoral do Paraná), Lapa (grande Curitiba/PR), Ribeirão Preto e Apiaí (ambos em São Paulo).
Em todas as localidades promove o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa assessorando os processos de organização, formação e capacitação das famílias agricultoras, planejamento dos sistemas agroflorestais, além do beneficiamento, agroindustrialização, certificação participativa e comercialização da produção.
Em 2013, a prática agroflorestal desenvolvida pela Cooperafloresta classificou-se em segundo lugar no Prêmio Tecnologia Social promovido pela Fundação Banco do Brasil. A premiação teve 1.011 projetos inscritos em cinco categorias distintas, e apenas 15 projetos premiados. A tecnologia social em questão foi a ‘Agrofloresta baseada na estrutura, dinâmica e biodiversidade florestal’, da categoria “Comunidades Tradicionais, Agricultores Familiares e Assentados da Reforma Agrária”.
Colaboração de Josi Basso para o EcoDebate, 04/09/2014
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