09 de outubro de 2014
Pesquisadores da USP e da University of California em Berkeley constatam que a Xylella fastidiosa produz partículas nanométricas de lipídeo para transitar e espalhar-se mais facilmente na planta (imagem: Paulo Zaini)
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – A bactéria Xylella fastidiosa, causadora de uma série de doenças em citros, videiras e café, adota diferentes estratégias de adaptação para sobreviver ao ambiente em que vive.
A fim de colonizar o aparelho bucal dos insetos vetores e contaminar as plantas quando esses animais se alimentam da seiva das culturas agrícolas, a bactéria apresenta-se em um estado “grudento” ou adesivo. Ao ser inoculada na planta pelo inseto vetor, a bactéria passa para um estado antiaderente, de modo a transitar e espalhar-se mais facilmente no interior dos vasos do xilema (tecidos) das plantas.
“A Xylella fastidiosa tem um estilo de vida duplo. Ela precisa alternar essas duas estratégias de adaptação para sobreviver”, disse Aline Maria da Silva, professora do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), à Agência FAPESP.
Um estudo realizado por pesquisadores do grupo de Silva no Departamento de Bioquímica do IQ, em colaboração com colegas do Departamento de Plantas e Biologia Microbiana da University of California (UC) em Berkeley, nos Estados Unidos, demonstrou que a Xylella fastidiosa regula a transição dessas estratégias de adaptação por meio da produção de vesículas (bolhas) de lipídeos em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro).
Resultado de um projeto de pesquisa de pós-doutorado, orientado por Silva e realizado com apoio da FAPESP, a descoberta foi descrita em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
O artigo foi recomendado pelo Faculty of 1000, um site criado nos Estados Unidos que identifica e recomenda artigos considerados importantes em Biologia e Medicina, selecionados por um comitê composto por cientistas e médicos de diferentes países.
“Propomos no artigo que a produção das vesículas de membrana externa pela Xylella fastidiosa é uma espécie de ajuste fino realizado pela bactéria para aderir ou não ao ambiente que coloniza, dependendo da circunstância”, disse Silva.
O grupo de pesquisadores da UC Berkeley já havia identificado recentemente que a Xylella fastidiosa secretava um tipo de sustância que bloqueava a adesão da bactéria às paredes dos vasos do xilema das plantas. Não se sabia, contudo, qual era a substância exatamente.
Por meio de uma colaboração iniciada em 2011 com Steven Lindow, professor da universidade americana, os pesquisadores investigaram em conjunto a natureza dessa substância que confere à bactéria um efeito “teflon”.
A principal suspeita recaiu sobre as vesículas de membrana externa, uma vez que bactérias gram-negativas, como a Xylella fastidiosa, secretam o tempo todo essas pequenas bolhas de lipídeos, com tamanho que varia de 20 a 100 nanômetros, contou Silva.
“As funções dessas vesículas de membrana externa em outras bactérias já são bastante estudadas”, afirmou. “No caso dos patógenos humanos, elas desempenham as funções de carregar proteínas, fatores de virulência e antígenos durante as infecções. Mas em fitopatógenos [organismos causadores de doenças em plantas], como a Xylella fastidiosa, os estudos ainda eram muito incipientes.”
A fim de tentar preencher essa lacuna, os pesquisadores avaliaram por meio de um conjunto de diferentes técnicas de análise se a Xylella fastidiosa também produzia vesículas de membrana externa, o tamanho dessas bolhas em relação à bactéria e, principalmente, a função desempenhada por elas.
Os resultados das análises demonstraram que as vesículas de membrana externa, de fato, proporcionam um efeito antiaderente à bactéria.
Quando está no aparelho bucal dos insetos vetores, a Xylella fastidiosa produz uma quantidade de vesículas de membrana externa suficiente apenas para que possa se desprender do animal e infectar a planta, enquanto ele se alimenta da seiva.
Já ao infectar a planta, a bactéria passa a produzir maior quantidade dessas bolhas para invadir e movimentar-se pelos vasos do xilema.
Ao colonizar a planta suficientemente, a bactéria interrompe a produção das vesículas de membrana externa de modo a se juntar com outras bactérias semelhantes a ela e formar um biofilme no interior dos vasos do xilema da planta para aumentar sua virulência.
“A bactéria precisa encontrar uma forma de se espalhar pela planta após infectá-la. E as vesículas de membrana externa são uma das armas utilizadas por ela para atacar a planta”, avaliou Silva.
Mecanismo de ação
Os pesquisadores identificaram que um dos mecanismos utilizados pela Xylella fastidiosa para controlar a produção de vesículas de membrana externa e a transição da fase “grudenta” para a antiaderente é uma molécula chamada DSF.
O DSF faz a sinalização para a Xylella fastidiosa de quantas bactérias semelhantes a ela estão no ambiente. Ao adentrar um microambiente, como o intestino de um inseto vetor ou o xilema de uma planta, a bactéria produz e libera o DSF. Com base na quantidade do hormônio já existente no ambiente produzido por outras bactérias semelhantes a ela, a Xylella fastidiosa consegue estimar a densidade de sua população.
Se há muitas bactérias até então isoladas no ambiente, elas coletivamente diminuem a produção de vesículas de membrana externa e produzem moléculas de adesão de modo a formar um biofilme para sobreviver às intempéries do ambiente.
Da mesma forma, se percebem, por meio da liberação de DSF, que há poucos integrantes de seu grupo no ambiente elas aumentam a produção de vesículas de membrana externa para explorar melhor o lugar, explicou Silva.
“Constatamos que, quanto mais bactérias houver em um microambiente e quanto mais juntas estiverem, menor é a produção de vesículas de membrana externa”, disse a pesquisadora. “Por outro lado, quanto mais isoladas estiverem, maior é a produção de vesículas de membrana externa para poderem se espalhar mais facilmente”.
A constatação foi feita por meio de uma cepa de Xylella fastidiosa sem um gene fundamental para produção do DSF – o mutante ΔrpfF –, desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da UC Berkeley por meio de técnicas de engenharia genética.
Os pesquisadores observaram que essa cepa mutante da bactéria produzia uma quantidade de vesículas de membrana externa cinco vezes maior que as bactérias sem mutação genética.
“Quanto mais vesículas de membrana externa as bactérias mutantes produziam, mais virulentas eram. Elas grudavam menos e se espalhavam melhor e mais rapidamente pela planta, que ficava mais contaminada por elas”, afirmou Silva.
Técnicas analíticas inovadoras
A avaliação da produção de vesículas de membrana externa de Xylella fastidiosa foi feita por meio de análises da seiva de plantas contaminadas pelas bactérias selvagens e mutantes.
Para identificar e quantificar a produção de vesículas, os pesquisadores usaram o marcador proteico XadA1, que revela a existência das vesículas em uma solução, como a seiva da planta, por exemplo.
Por meio de microscopia eletrônica de varredura (capaz de produzir imagens de alta resolução da superfície de uma amostra) e de microscopia de fluorescência, os pesquisadores visualizaram diretamente as vesículas de membrana externa interagindo com superfícies e com as bactérias na seiva das plantas.
Além das técnicas analíticas mais convencionais, também utilizaram metodologias até então inéditas em estudos dessa natureza, como a Nanoparticle Tracking Analysis (NTA), contou Paulo Adriano Zaini, pós-doutorando orientado por Silva e que compartilha a primeira autoria do artigo com o também pós-doutorando na UC em Berkeley Michael Ionescu.
“Somos um dos primeiros grupos de pesquisadores a usar esse método de análise que possibilita fazer um rastreamento de nanopartículas em uma solução”, afirmou.
A metodologia era utilizada até então para estudar vesículas em células humanas, como as tumorais, que as produzem em grande quantidade para se deslocar mais facilmente, explicou Zaini. No estudo, os pesquisadores usaram um equipamento do A.C. Camargo Cancer Center.
“Essa é uma abordagem muito original para o estudo de bactérias. Acreditamos que influenciará outros grupos de pesquisa em bactérias”, estimou.
Os pesquisadores também utilizaram uma técnica denominada microfluídica, na qual Zaini é especializado. A técnica possibilita simular os vasos do xilema de uma planta em laboratório por meio de cânulas de vidro microscópicas, com diâmetro de 50 micrômetros.
Por meio dessa técnica, os pesquisadores mediram a força com que as bactérias são arrancadas da superfície das cânulas na ausência ou na presença de vesículas de membrana externa.
“Conseguimos demonstrar que as bactérias, na ausência de vesículas de membrana externa na superfície das cânulas, conseguem resistir a uma velocidade muito mais alta de fluxo da seiva e grudar no vidro”, disse Zaini. “Já nas cânulas recobertas com as vesículas de membranas as bactérias se desprendiam mais rapidamente.”
O artigo Xylella fastidiosa outer membrane vesicles modulate plant colonization by blocking attachment to surfaces (doi: 10.1073/pnas.1414944111), de Zaini e outros, pode ser lido na revista PNAS em www.pnas.org/content/111/37/E3910.abstract.
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