26 de maio de 2015
Karina Toledo | Agência FAPESP – Um composto natural isolado de árvores da espécie Nectandra leucantha, popularmente conhecida como canela-seca ou canela-branca, apresentou em experimentos in vitro atividade antiparasitária e anti-inflamatória com potencial aplicação no tratamento da leishmaniose visceral e da doença de Chagas.
A pesquisa está sendo desenvolvida com apoio da FAPESP por meio de uma colaboração entre Instituto Adolfo Lutz (IAL), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Ohio State University, nos Estados Unidos. Parte dos resultados foi divulgada em abril no Journal of Natural Products.
“Se a molécula demonstrar eficácia e segurança também nos ensaios pré-clínicos in vivo, poderá servir de protótipo para o desenvolvimento de um novo fármaco”, disse André Gustavo Tempone, pesquisador do IAL.
Pertencente ao grupo dos lignóides (dímeros de fenilpropanoides), o composto foi isolado durante o doutorado de Simone S. Grecco, realizado concomitantemente no Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e no Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp, sob orientação do professor Joao Henrique Ghilardi Lago.
O trabalho integrou o projeto “Uso sustentável da biodiversidade de áreas remanescentes da Mata Atlântica do Estado de São Paulo: avaliação, isolamento e caracterização molecular de metabólitos secundários bioativos em espécies vegetais”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Lago.
“Já de início o composto se mostrou interessante, pois foi possível isolar uma grande quantidade em laboratório. Em pesquisas de produtos naturais, o comum é obter alguns poucos miligramas da substância ativa, mas o grupo da Unifesp conseguiu obtê-la na escala de gramas, o que facilita muito a realização dos testes pré-clínicos”, contou Tempone.
Nos primeiros experimentos feitos no IAL sob a coordenação de Tempone, a substância se mostrou capaz de matar parasitas das espécies Leishmania infantum (causadora da leishmaniose visceral) e Trypanosoma cruzi (causadora da doença de Chagas), sem apresentar grande toxicidade para as células de mamífero.
Graças a uma parceria com o professor Abhay Satoskar, da Ohio State University, a estudante de pós-doutorado Thaís Alves da Costa-Silva foi para os Estados Unidos investigar o efeito do composto sobre células do sistema imunológico.
Costa-Silva infectou macrófagos de camundongos com parasitas da espécie Leishmania donovani, também causadora de leishmaniose visceral e comum em países da Ásia. Em seguida, tratou as culturas com o lignoide e avaliou a produção de moléculas inflamatórias que costumam ser liberadas pelas células de defesa durante o combate a patógenos.
“Além da atividade antiparasitária que já havíamos demonstrado aqui no Brasil contra a L. infantum e o T. cruzi, ela também observou nos macrófagos uma menor produção de duas diferentes citocinas inflamatórias: a interleucina-6 (IL6) e a interleucina-10 (IL10). Essas moléculas costumam exacerbar a doença, pois fazem com que o sistema imunológico ataque os tecidos do próprio organismo na tentativa de combater o parasita. O composto tem, portanto, uma dupla ação”, explicou Tempone.
Testes in vivo
O passo seguinte do processo de desenvolvimento de fármacos é avaliar a eficácia e a segurança da molécula candidata em estudos com animais. Para aumentar as chances de sucesso, porém, Tempone pretende antes realizar estudos de farmacocinética e farmacodinâmica.
Entre outros fatores, esses estudos têm o objetivo de descobrir como o composto é metabolizado no organismo, quanto tempo leva para ser degradado e quais as substâncias resultantes após sua metabolização.
“Esses resultados podem ajudar a planejar melhor os testes pré-clínicos, como determinar a dose mais adequada e quantas vezes ao dia o composto deve ser administrado. Dessa forma conseguiremos minimizar o uso de animais”, disse o pesquisador.
No momento, o grupo também realiza testes in vitro para descobrir por qual mecanismo de ação o lignoide mata os parasitas. No futuro, se o composto se mostrar eficaz também in vivo, eles pretendem desenvolver análogos sintéticos com uma ação potencializada.
“Outra grande vantagem da molécula isolada da Nectandra leucantha é possuir uma estrutura química relativamente simples, o que facilitaria a criação de uma versão sintética. Isso é desejável quando se pensa em escalonar a produção na indústria farmacêutica, pois torna o processo economicamente viável”, afirmou.
Tanto a leishmaniose quanto Chagas são consideradas doenças negligenciadas, ou seja, são endêmicas em populações de baixa renda, principalmente em regiões tropicais, e recebem pouco investimento em pesquisas voltadas a melhorar o tratamento ou a prevenção.
Segundo dados publicados no artigo, mais de 90% dos casos de leishmaniose visceral estão concentrados na Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão, Sudão do Sul e Brasil. Se não tratada, a doença causa a morte de praticamente todos os infectados. O tratamento atual é feito com drogas altamente tóxicas, como a anfotericina B e antimônio.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam a existência de 12 milhões de portadores da doença causada pelo T. cruzi nas Américas, sendo que entre 2 e 3 milhões estão no Brasil. O tratamento com benzonidazol também é considerado tóxico e pouco eficaz.
O artigo Immunomodulatory and Antileishmanial Activity of Phenylpropanoid Dimers Isolated from Nectandra leucantha (doi: 10.1021/np500809a) pode ser lido em pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/np500809a.
Substância isolada de árvores da espécie Nectandra leucantha, típica da Mata Atlântica, apresentou atividade antiparasitária e anti-inflamatória em ensaios in vitro (foto: divulgação)
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