[EcoDebate] Notícia do Correio Brasiliense, datada de 23/04/2014 e de autoria de Isabela de Oliveira, registra que a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia inaugurou, em Brasília, a expansão de seu banco de germoplasma. Esta denominação, é utilizada para toda e qualquer estrutura de um organismo vivo que possa dar origem a exemplares da mesma espécie, como sementes vegetais e bancos genéticos de sêmen de animais.
O banco de germoplasma da EMBRAPA passa a ter condições de abrigar 750 mil amostras vegetais, animais e microbianas, o que o torna o terceiro maior do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), atrás apenas do americano e do chinês. Temos que saudar esta efeméride com a devida importância que tem, pois coloca o órgão de pesquisa agropecuária do país na vanguarda da atividade no mundo.
A ênfase das necessidades dos bancos de germoplasma do país deve ser a preservação das chamadas sementes crioulas, que são as sementes que guardam adaptação histórica com as regiões, evoluindo junto com as populações tradicionais. São as sementes já existentes ou primitivamente trazidas e adaptadas pelos conquistadores portugueses. Antes do domínio das empresas transnacionais sobre as práticas de evolução principalmente sobre as cargas fenotípicas presentes em sementes híbridas ou modificadas, havia um método natural de aprimoramento genético aplicado pelas populações tradicionais.
Havia uma prática de troca de sementes ou animais reprodutores entre as famílias tradicionais, procedimento que era condição básica para o aprimoramento genético de todas espécies, tanto vegetais quanto animais. Este processo era muito importante e trazia satisfação para todas as populações envolvidas. Mas o modelo industrial, agroquímico e o controle tecnológico de sementes hibridizadas e posteriormente a evolução da transgenia, associada ao pagamento de “royalties” que determinaram descomunal lucratividade para poucos agentes multinacionais, e as consequências nefastas, principalmente no meio agrícola hegemonizado pela agricultura de subsistência ou agricultura familiar, acabou por determinar o resgate das bases genéticas tradicionais.
O professor Valdemar Arl do Curso de Desenvolvimento Rural Sustentável e Agroecologia da Universidade de Concórdia em Santa Catarina, registra no site “DoDesign”, que ao restringir as práticas das populações tradicionais, criou um efeito inibidor a processos locais de grande amplitude e dimensão. Ele cita que existem mais de 10.000 espécies de plantas comestíveis, e os povos primitivos faziam uso de 1.500 a 3.000 espécies. No entanto a agricultura em série ou industrializada restringiu a cerca de 9 a quantidade de espécies em função de interesses movidos por lucratividade. Como exemplo, trigo, arroz, soja e milho representam cerca de 85% do consumo de grãos no mundo.
Os bancos de germoplasma possibilitam a manutenção e recuperação de sementes, além de sua melhoria para uso dos agricultores tradicionais. Estas sementes é que são caracterizadas como crioulas, sendo fundamentais para garantir autonomia e soberania dos povos e bases para a formulação de políticas de segurança alimentar. Em ambiente de biodiversidade, elemento básico da sustentabilidade ecossistêmica de sistemas naturais ou cultivados.
A jornalista Isabela de Oliveira registra interessante passagem na sua matéria no Correio Brasiliense: “Em 1995, a Embrapa em Brasília recebeu a visita de representantes do povo indígena krahô, de Tocantins. Eles contaram que, havia algum tempo, as colheitas não garantiam a alimentação da tribo, e a causa parecia ser a substituição das espécies tradicionais de Milho e amendoim por novas sementes, que não se adaptaram ao sistema de produção indígena nem à terra. Os caciques lembraram, então, que alguns técnicos da Embrapa coletaram amostras dos tipos tradicionais na década de 1970, durante uma expedição ao território krahô. Na capital, encontraram o material preservado e puderam recuperar suas roças”. Desta forma fica bem caracterizado o que são sementes crioulas e sua importância na autonomia e segurança alimentar das populações.
O germoplasma pode ser definido como sendo o conjunto de genótipos de determinada espécie que, ao doarem os chamados gens, determinam as características dos indivíduos produzidos. Assim, está no germoplasma a variabilidade genética conhecida por biodiversidade, normalmente disponível para o melhoramento genético das plantas e dos seres vivos em geral, onde pode ser empregado também com funções terapêuticas.
Os bancos genéticos desse tipo são considerados fundamentais para garantir a segurança alimentar de uma região considerada. Em caso de catástrofes de qualquer natureza, que prejudiquem a produção agrícola, os germoplasmas armazenados nos bancos próprios podem servir para que espécies vulnerabilizadas da natureza ou até mesmo em processos de extinção, possam voltar a ser cultivadas.
No banco de germoplasma da EMBRAPA em Brasília, algumas das sementes, ficam guardadas na temperatura de -20ºC, enquanto outros conjuntos de germoplasmas, como os de espécimes de tubérculos como batatas, ou de variedades de mandiocas, precisam sofrer processos de criopreservação, sendo mantidas em temperaturas de -196ºC. Amostras também podem ser guardadas in vitro, em pequenos tubos de ensaio. Além disso, foi desenvolvido um novo sistema de informação para catalogar o material, denominado de “Alelo”.
A coleção conta com cerca de 120.000 espécies. Somente em tipos de feijão existem 14.000. A coleção começou a ser desenvolvida há 40 anos, e grande parte das amostras foi obtida com agricultores e por meio de intercâmbios com outros países. Saúda-se a iniciativa, que deve se somar a outras quebras de paradigmas, para elevar tanto a agricultura familiar quanto o chamado “agronegócio” a outro patamar de autonomia e desenvolvimento.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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in EcoDebate, 26/08/2015
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