Sim – se assegurarmos que o crescimento econômico, a justiça social e a agricultura são parte do quadro.
De 2005 a 2014, a taxa de desmatamento da floresta amazônica foi de 19.014 quilômetros quadrados para 5.012 km2: uma redução de cerca de 70%. É impressionante, mas a taxa ainda permanece alta. Além disso, quando os efeitos do desmatamento são combinados às mudanças no clima, a tendência em curto prazo é de degradação severa da Amazônia. É urgente que o desmatamento ainda corrente na região cesse completamente, a fim de interrompermos esse processo de empobrecimento biológico.
O desmatamento zero é vital para a manutenção dos serviços ambientais que a Amazônia gera: fornecimento de água, regulação climática, estoque de carbono, polinização, biodiversidade, controle natural de pestes, beleza cênica, turismo e muito mais. A floresta tem uma importante função em manter a chuva além das fronteiras da região amazônica: o vapor do Oceano Atlântico que chega ali é reciclado na floresta e é responsável pela chuva fora da bacia amazônica. E as florestas ainda atuam como um imenso ar condicionado para a região, cumprindo um importante papel na manutenção das temperaturas na área.
O governo brasileiro recentemente submeteu às negociações climáticas que culminaram na COP 21 sua intenção de reduzir 37% da emissão nacional de gases estufa até 2025, e 43% até 2030. As principais ações propostas são zerar o desmatamento ilegal até 2030, restaurar 12 milhões de hectares de floresta e recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas.
Ainda que essas ações sejam necessárias, o prazo proposto não é adequado. Secas severas nos últimos dez anos já causaram muitas alterações na Amazônia, como mortalidade de árvores, mudanças no padrão de chuvas e erosão do solo. Simplesmente não podemos esperar até 2030 para parar o desmatamento, legal ou ilegal.
O que seria necessário para zerar o desmatamento antes de 2025? O governo brasileiro deve lidar com as ameaças históricas que impulsionam a derrubada na região. O Programa de Aceleração do Crescimento, um plano para expansão da infraestrutura, e a crescente demanda nacional e internacional por carne e grãos continuam a ser ameaças importantes aos avanços conquistados pelo Brasil contra o desmatamento na Amazônia.
Para superar essas ameaçadas, o país deve primeiro impor protocolos ambientais robustos a qualquer investimento em infraestrutura. Segundo, mecanismos que promovam a participação da sociedade civil em decisões a respeito desses projetos devem ser melhorados – inclusive respeitando a história e a preservação da cultura de mais de 450 mil indígenas na Amazônia. Terceiro, os 80 milhões de hectares de terras devolutas na Amazônia devem ser definidas como áreas de conservação.
Contudo, nenhum desses protocolos foi ainda adotado pelo governo brasileiro, e a participação na mitigação de impactos de projetos de infraestrutura ainda é limitado.
Uma estratégia que foi implantada é a aplicação de um instrumento legal conhecido como Cadastro Ambiental Rural (CAR), um sistema de registro de propriedades rurais que mostra a quem elas pertencem e seus limites. Ele permite o monitoramento dessas áreas na Amazônia e é uma ferramenta importante para prevenir o desmatamento ilegal.
Porém, para realmente proteger a floresta e os serviços que ela fornece, o CAR não é suficiente, nem o objetivo apresentado pelo governo brasileiro na COP 21. O desmatamento zero antes de 2025 é possível, e nós sabemos o que é necessário para obtê-lo. O governo brasileiro deve estabelecer metas mais ambiciosas e, ainda mais importante, partir para um novo paradigma, no qual crescimento econômico, justiça social e agricultura não são considerados itens separados da manutenção florestal e dos serviços ambientais.
*Esse artigo foi originalmente publicado na revista eletrônica “Ensia”, em parceria com a revista acadêmica “Elementa”. Ele integra a edição especial “A extinção do desmatamento na Amazônia brasileira: é possível?”, editada pelo autor do artigo.
Clique para ler a versão em inglês: “Is zero deforestation possible for the Brazilian Amazon?”
Por Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM*
Fonte: IPAM
in EcoDebate, 05/02/2016
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