quinta-feira, 28 de julho de 2016

‘Agroecologia potencializa outros direitos humanos’, afirma pesquisador

O debate sobre um novo modelo agrícola, que garanta alimentação saudável para a população brasileira e respeito ao meio ambiente, tem se consolidado no meio acadêmico e influenciado discussões na sociedade.

O livro Direito à Agroecologia: a viabilidade e os entraves de uma prática agrícola sustentável, publicado recentemente, tem como objetivo analisar tal debate à luz da perspectiva jurídica.

O Brasil de Fato, 18-07-2016, conversou com o autor da obra, Gladstone Leonel Júnior, doutor em Direito pela Universidade de Brasília, assessor da Relatoria Nacional do Direito à Terra, Território e Alimentação Adequada da Plataforma DHESCA – Brasil em 2011 e advogado de movimentos populares.

De acordo com Gladstone, “a Agroecologia é promotora de direitos humanos”. “É importante chamar a atenção para a Agroecologia, que preza outros valores: a não exploração do homem e da mulher por outras pessoas, o alimento sustentável – sem agrotóxico e sem transgênicos -, o preço justo na comercialização. A partir do momento que apresenta esses elementos, ela vai materializando um número de direitos humanos”, comenta o advogado.

Eis a entrevista.

Da onde surgiu a ideia para o livro?

Eu busquei tratar desse tema porque quando a gente trabalha com direito agrário, o debate é muito levado pela perspectiva do agronegócio, como se fosse um aprofundamento irremediável nessa área. Como nas Ciências Agrárias o debate da Agroecologia é muito forte, enquanto prática agrícola diferenciada e de fato sustentável, eu achei importante trazer essa perspectiva para o campo do Direito. Então, o “Direito à Agroecologia”, na forma como eu cunhei, foi um pouco para chamar a atenção para a possibilidade de fazer essa interface. É para apontar que no Direito há condições de analisar o fenômeno da Agroecologia a partir de uma nova dinâmica que pode ser desenvolvida.

Esse perspectiva teórica baseada no agronegócio influencia a própria produção de leis?

Sem dúvidas. Primeiro, é uma questão de hegemonia de um projeto político no qual o agronegócio – baseado na monocultura, no latifúndio e voltado para exportação – é referência, sendo uma remodelagem daquilo que nós, enquanto país, fazemos há 520 anos. Isso é algo que fica muito claro e latente quando a gente observa essa questão.

Outra coisa é que o próprio agronegócio é estimulado na produção normativa uma vez que dentro do sistema político as pessoas são eleitas com essas bandeiras, o que a gente conhece como bancada ruralista. O poder econômico interfere no sistema político que vai, consequentemente, interferir no sistema normativo. Hoje, a gente tem, por exemplo, um Código Florestal extremamente precário e problemático em decorrência dos interesses dos ruralistas.

Por isso é importante chamar a atenção para a Agroecologia, que preza outros valores: a não exploração do homem e da mulher por outras pessoas, o alimento sustentável – sem agrotóxico e sem transgênicos -, o preço justo na comercialização. A partir do momento que apresenta esses elementos, ela vai materializando um número de direitos humanos. A gente observa a Agroecologia como uma promotora de direitos humanos: o direito à alimentação adequada, à terra rural, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Como a Agroecologia se relaciona com esses outros direitos?

A gente está falando de uma prática agrícola diferenciada que pode ser um contraponto ao que conhecemos como agronegócio. Essa dimensão potencializa outros direitos humanos que devem ser efetivados. O direito à alimentação adequada, por exemplo, para garantir segurança e soberania alimentar, dado que hoje se observa que boa parte das sementes está na mão de transnacionais, que detêm as patentes.

A gente trata também do direito à terra rural. Quando se fala em agroecologia e alimentação adequada, necessariamente deve-se falar da necessidade de se efetivar uma reforma agrária, uma vez que a agroecologia não é voltada ou baseada no latifúndio, mas sim na pequena propriedade. Então, é necessário se democratizar a terra. A gente começa a pensar e refletir sobre outros direitos.

Quais são os obstáculos para a efetivação do direito à Agroecologia?

O que a gente trás é uma bandeira. Não necessariamente, no curto prazo, ela resolve os problemas da agricultura e da sociedade brasileiras. Essa bandeira requer uma transição. Querendo ou não, os agricultores, de forma geral, são ensinados a usar agrotóxicos, adubação química e sementes transgênicas. Conseguir desconstruir isso e demonstrar que é possível fazer de uma forma diferente requer uma nova pedagogia. Óbvio que já existem povos que já praticam a Agroecologia: comunidades indígenas e comunidades tradicionais.

A gente observa inúmeros obstáculos, um dos grandes é a ausência de vontade política para se efetivar uma política de Agroecologia – voltada para alimentação do povo brasileiro – e que não priorize o agronegócio – destinado a exportação de commodities. É necessária uma vontade para colocar a Agroecologia como política pública.

Quais são as perspectivas em relação a esse tema?

Isso estava começando a engrenar no último período do governo Dilma através do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A gente via ações de estímulo nesse sentido, mas depois do golpe o ministério foi extinto. Isso prova que esse governo ilegítimo e golpista não tem o menor interesse em estimular a prática agroecológica enquanto política de Estado. A gente tem um longo trajeto de luta para efetivação desse direito, junto com os camponeses e os movimentos populares de luta pela terra.

Foto: Carlos Alberto/ Fotos Públicas.

(EcoDebate, 20/07/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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