23/04/2019
Associação entre inseticida e fungicida derruba em até 50% o tempo de vida destes insetos polinizadores
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Estudo mostrou que dose não letal de inseticida clotianidina reduz em até 50% o tempo de vida dos insetos; uso associado com o fungicida piraclostrobin altera comportamento das operárias e pode comprometer a colmeia – Foto: Raul Santana/Fiocruz Imagens – CC by-nc
Um novo estudo realizado por biólogos brasileiros sugere que o efeito dos agrotóxicos sobre as abelhas pode ser maior do que se imagina. Mesmo quando usado em doses consideradas não letais, um inseticida encurtou o tempo de vida dos insetos em até 50%. Além disso, os pesquisadores observaram que uma substância fungicida considerada inofensiva para abelhas alterou o comportamento das operárias, tornando-as letárgicas – fato que pode comprometer o funcionamento de toda a colônia. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
O trabalho foi coordenado por Elaine Cristina Mathias da Silva Zacarin, professora na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba. Também participaram pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. A investigação contou com apoio da Fapesp, da Capes e da Cooperativa dos Apicultores de Sorocaba e Região (Coapis).
É um fato conhecido que diversas espécies de abelhas estão desaparecendo em todo o mundo. Na Brasil, o fenômeno tem sido observado desde pelo menos 2005. E não estão desaparecendo apenas os indivíduos da espécie Apis mellifera, abelha de origem europeia e principal responsável pela produção comercial de mel. Nas matas brasileiras, há centenas de espécies selvagens possivelmente afetadas. O impacto econômico previsto é imenso, pois grande parte da agricultura depende do trabalho de polinização realizado por esses insetos. É o caso, por exemplo, de todas as frutas comestíveis.
A causa do sumiço repentino em massa também já é conhecida: a aplicação indevida e indiscriminada de defensivos agrícolas. “No Brasil, as monoculturas de soja, milho e cana dependem do uso intensivo de inseticidas. A contaminação das colônias de abelhas ocorre quando, por exemplo, os agricultores não respeitam uma margem de segurança mínima (são recomendados 250 metros) na aplicação de defensivos agrícolas entre as lavouras e as áreas florestais que as margeiam. Tem gente que aplica produtos químicos até o limite da floresta”, disse o professor Osmar Malaspina, da Unesp de Rio Claro.
“Na Europa e nos Estados Unidos, as colônias de abelhas morrem aos poucos. Desde a constatação inicial da morte das primeiras abelhas até a morte da colônia pode levar um mês ou até cinco meses. No Brasil não é assim. Aqui, as colmeias desaparecem em apenas 24 ou 48 horas. Não existe nenhuma doença capaz de matar uma colmeia inteira em 24 horas. Só inseticidas podem provocar isso”, contou o docente.
Uso associado de defensivos
Segundo Malaspina, testar em laboratório todos os mais de 600 tipos de ingredientes ativos em inseticidas, fungicidas, herbicidas e acaricidas usados no Brasil é impossível. Para contornar o problema, entre os anos de 2014 e 2017, foi realizado um estudo para identificar, dentre os 44 ingredientes ativos mais usados na agricultura paulista, quais poderiam estar relacionados à mortalidade das abelhas. Foram detectados oito ingredientes com ação comprovadamente letal para os apiários.
A equipe do projeto coletou material em 78 municípios paulistas. Trabalhando com os apicultores, os agricultores e a indústria de defensivos, os pesquisadores recomendaram uma série de ações para proteger apiários, como a observação de margens de mínima segurança na aplicação de agrotóxicos e de boas práticas agrícolas.
“Já descobrimos que um determinado tipo de fungicida, que quando aplicado de modo isolado no campo é inofensivo às colmeias, ao ser associado a um determinado inseticida se torna nocivo. Não chega a matar as abelhas como os inseticidas, mas altera o comportamento dos insetos, comprometendo a colônia”, disse Zacarin.
Os ingredientes ativos investigados foram a clotianidina, inseticida usado para controle de pragas nas culturas de algodão, feijão, milho e soja, e o fungicida piraclostrobina, aplicado nas folhas da maioria das culturas de grãos, frutas, legumes e vegetais.
Qualquer agrotóxico em grandes concentrações dizima colmeias quase imediatamente. Mas o que os pesquisadores estudam são os efeitos sutis e de médio a longo prazo sobre as colmeias, como as concentrações residuais encontradas no pólen das flores. “O que nos interessa é descobrir a ação residual dos agrotóxicos, mesmo em concentrações baixíssimas, sobre esses insetos”, disse Zacarin.
Mudança de comportamento
Os testes foram todos feitos in vitro, com insetos confinados dentro de laboratórios para não ocorrer contaminação ambiental. Nessas condições, larvas de Apis mellifera foram separadas em grupos diferentes e alimentadas entre o terceiro e o sexto dia de vida com uma dieta composta de açúcar e geleia real. O que variou foi o tipo de ingrediente tóxico presente no alimento, sempre em concentrações diminutas, na faixa de nanogramas (bilionésimos de grama).
A dieta do grupo controle não continha agrotóxico. No segundo grupo, a dieta foi contaminada com o inseticida clotianidina. No terceiro grupo, a contaminação foi por fungicida (piraclostrobina). E, no quarto grupo, havia uma associação do inseticida com o fungicida.
“Depois do sexto dia de vida, as larvas se tornam pupas e entram em metamorfose, de onde emergem como operárias adultas. No campo, uma abelha operária vive em média 45 dias. Em laboratório, confinada, vive menos. Mas os insetos alimentados com a dieta contaminada pelo inseticida clotianidina em baixíssima concentração apresentaram tempo de vida drasticamente menor, de até 50%”, disse Zacarin.
Já entre as larvas alimentadas com a dieta contaminada apenas pelo fungicida piraclostrobina não se observou nenhum efeito sobre o tempo de vida das operárias. Isso não significa que a substância seja inofensiva às abelhas. Nenhuma morreu na fase de larva e de pupa. Porém, verificou-se que, na fase adulta, as operárias sofreram modificação em seu comportamento. Elas se tornaram mais lentas do que os insetos do grupo controle – o que, no meio ambiente, poderia prejudicar o funcionamento de toda a colônia.
“As operárias jovens fazem inspeções diárias na colmeia, o que as leva a percorrer certa distância. Elas se movimentam bastante dentro da colônia. Verificamos que, no caso das abelhas contaminadas tanto pelo fungicida sozinho ou associado ao inseticida, a distância percorrida e a velocidade foram muito menores”, disse Zacarin.
Ainda não se sabe de que forma o fungicida age para comprometer o comportamento das abelhas. “Nossa hipótese é que a piraclostrobina, quando associada a um inseticida, diminuiria o metabolismo energético das abelhas. Novos estudos em andamento podem vir a elucidar esse mecanismo”, disse Zacarin.
Peter Moon /Agência Fapesp
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