quinta-feira, 2 de maio de 2019

Cientistas de quatro instituições obtêm molécula que pode agir contra a vassoura-de-bruxa


TER, 02 ABR 2019 | 09:46



EDIÇÃO DE IMAGEM LUIS PAULO SILVA

O desenvolvimento de uma molécula fungicida contra a vassoura-de-bruxa reuniu, sob a coordenação do professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, uma equipe interdisciplinar de cientistas dos Institutos de Biologia (IB) e Química (IQ) da Unicamp, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade de Warwick, do Reino Unido.

O trabalho, parte da tese “Desenvolvimento direcionado de inibidores da enzima mitocondrial Oxidase Alternativa (AOX) com ação antifúngica contra Moniliophthora perniciosa, fungo causador da vassoura-de-bruxa do cacaueiro”, de Mario Ramos de Oliveira Barsottini, é considerado um marco no conceito e consolidação de uma equipe de cientistas brasileiros com know-how para produzir e avaliar novos químicos de interesse comercial. Os resultados, publicados na revista Pest Management Science,em outubro de 2018, prometem uma nova fase para a cacauicultura nacional.

A vassoura-de-bruxa causa prejuízos ao cacau nacional desde 1989 (leia mais no texto abaixo). Sem formas de erradicar a doença, os cacauais sentem, ainda hoje, os efeitos da vassoura-de-bruxa: são cada dia menos produtivos e competitivos frente às plantações da África e da Ásia.

“Os fungicidas mais usados contra fungos atacam geralmente a respiração ou a estabilidade da membrana celular. Os que atacam a respiração, não funcionam contra a vassoura-de-bruxa. Já os que atacam a membrana celular, funcionam em laboratório, mas não no campo, de acordo com os produtores”, explica Mario Barsottini, primeiro autor do artigo.

O alvo das novas moléculas é a inibição de uma enzima muito peculiar do fungo, a oxidase alternativa (AOX). “A AOX confere à vassoura-de-bruxa resistência a fungicidas na primeira fase da infecção”, conta Barsottini. “Nossa hipótese era de que, inibindo essa via, a gente conseguiria matar o fungo. Mas achar uma molécula capaz de inativar AOX é como montar um quebra-cabeça sem saber direito o formato das peças”, acrescenta. 

O grupo descreveu essa enzima e seu papel na sobrevivência do fungo em artigo publicado na revista New Phytologist em 2012. “Observamos que, quando a respiração principal é bloqueada pela azoxistrobina, uma via alternativa da respiração mantém o fungo na fase biotrófica. Mas, quando combinamos essa droga com um inibidor da oxidase alternativa, o fungo cessa completamente seu crescimento”, explicou Pereira, na época, à Agência FAPESP.

Na primeira fase da infecção, chamada biotrófica, o sistema de defesa da planta consegue bloquear a respiração do fungo. A AOX cria um atalho, que permite ao fungo manter suas funções vitais e resistir ao ataque. Após meses de manipulação da distribuição de nutrientes entre os vários tecidos vegetais, o fungo consegue energia suficiente para sofrer metamorfose e entrar na fase necrotrófica, quando se multiplica rapidamente e mata o seu hospedeiro.

Folhas, ramos e frutos secos com cogumelos (basidiomata), facilitam a disseminação dos esporos pela plantação, que permanecem viáveis por meses antes que um novo ciclo de infecção recomece. Portanto, o controle químico do fungo deve ocorrer antes dessa transição.
O professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira (à esquerda), coordenador da pesquisa, e Mario Barsottini, primeiro autor do artigo, em estufa no Instituto de Biologia

Essa via alternativa da respiração não é exclusiva da vassoura-de-bruxa. O parasito humano Trypanosoma brucei, causador da doença do sono e transmitido pela mosca tsé-tsé, também utiliza essa artimanha.

“Fármacos usados para o controle dessa doença humana, como o ácido salicilhidroxâmico (SHAM) e galato de n-propila, são instáveis e pouco permeáveis às membranas do fungo”, comenta Silvana Rocco, pesquisadora do CNPEM, que participou do estudo.

Rocco desenvolveu novas moléculas a partir de derivados de N-fenilbenzamidas (NPD), uma droga mais fácil de sintetizar e alterar quimicamente. No artigo, Barsottini e colegas testaram 74 dessas moléculas e encontraram uma delas capaz de inibir a via alternativa da respiração e o crescimento do fungo modelo, Pichia pastoris. A molécula nomeada a NPD 7j-41 também foi eficiente contra a vassoura-de-bruxa; evitou a germinação dos esporos e o aparecimento dos sintomas em planta infectadas de tomate, em ensaios realizados em laboratório.

“A NPD 7j-41 nos ajuda a entender quais partes da molécula são mais importantes para estabilidade, permeabilidade na membrana e interação para inibição da AOX. Alterando a estrutura dela, nós podemos desenvolver um químico eficaz para matar o fungo, sem causar danos à planta ou ao meio ambiente”, explica Rocco. “Além das barreiras impostas pela célula do fungo, a nova molécula tem que vencer outros desafios até chegarmos a um fármaco com produção em escala industrial”, completa.
Silvana Rocco, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), durante análise dos novos químicos em reator de ressonância magnética. Foto: Fellipe Mello | CNPEM

“A classe das ascofuranonas usada no combate do T. brucei é promissora, mas difícil de sintetizar. Esses compostos são mil vezes mais potentes que os nossos derivados da NPD”, relata Barsottini. “Nós pretendemos usar o conhecimento adquirido e partir para compostos mais potentes. Queremos trazer o conhecimento da área médica para a agricultura”, finaliza. 

Multifatorial, doença chegou à Bahia em 1989

O fungo vassoura-de-bruxa (Moniliophthora perniciosa) chegou à Bahia em 1989, quando a produção de cacau estava no auge. Plantas deformadas com folhas secas e frutos enegrecidos, sem boas amêndoas, prejudicaram a região cacaueira. Fatores climáticos, estruturais e conjunturais da cadeia produtiva ajudaram na disseminação da doença, que levou ao abandono de fazendas, êxodo rural e miséria.

Hoje, plantas tolerantes e manejo adequado da cultura permitem a convivência entre praga e atividade produtiva, que marca a identidade e a cultura do povo imortalizado nas obras de Jorge Amado. Mesmo assim, a produção vem caindo: de 390 mil toneladas na década de 1980 para 83,9 mil toneladas de amêndoas em 2017.

Muitos especialistas já preveem o colapso na produção mundial de chocolate, caso a doença se espalhe para outras regiões produtoras na África e Ásia. Há ainda outra ameaça, a introdução do fungo patogênico aparentado, a Moniliophthora roreri, que pode causar estragos ainda maiores. Sem agroquímicos eficientes disponíveis para o seu controle, a vassoura-de-bruxa permanece o maior desafio da cacauicultura nacional.

O estudo de Barsottini e colegas é o primeiro passo para o desenvolvimento de um fungicida para garantir a viabilidade dos produtores de cacau e manutenção de economias locais e dos serviços ambientais do cultivo “cabruca”, feito na sombra da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica.

O artigo:

Para ler o artigo “Synthesis and testing of novel alternative oxidase (AOX) inhibitors with antifungal activity against Moniliophthora perniciosa (Stahel), the causal agent of witches’ broom disease of cocoa, and other phytopathogens” (doi: 10.1002/ps.5243) de Mario R. O. Barsottini e colegas, acesse https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ps.5243

Link do artigo:



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