Feira livre em São Paulo. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
[EcoDebate] Ao defender outro modelo de agricultura e de alimentação, pensamos sempre no papel chave dos que trabalham a terra e dos que consumimos; porém, esquecemos que nessa cadeia, cada dia mais longa, que vai do campo ao prato, encontram-se também outros atores que jogam importante papel na hora de apostar em práticas de produção, distribuição e consumo mais justas: cozinheiras e cozinheiros à frente de fogões e de restaurantes vários têm muito a dizer sobre o que cozinham e o que comemos.
O movimento Slow Food lhes deu um nome: Slow Food Km0. E sob essa “etiqueta” agrupam-se cozinheiras e cozinheiros comprometidos com uma agricultura local, ecológica camponesa e de temporada. Como eles mesmos afirmam, apostam em alimentos “bons, limpos e justos”, o que significa comida de qualidade, sem transgênicos e que defendem um mundo rural vivo. Desse modo, em ditos restaurantes Km0, encontramos produtos adquiridos de agricultores locais -com os quais se estabelece uma relação direta e de confiança-, variedades antigas e em risco de desaparecimento, alimentos elaborados num raio de até 100 km; pesca sustentável etc.
Há alguns dias, foram entregues na Catalunha, as placas que acreditam os restaurantes Slow Food Km0 (leia em espanhol) de Barcelona, Tarragona, Lleida y Girona. Chefs comprometidos com o que cozinham, em geral de restaurantes pequenos distribuídos pelo território, porém, também alguns em Barcelona, recolheram os galardões das mãos do camponês Josep Pàmies e do cozinheiro Joan Roca, que esta semana foi notícia porque seu restaurante, El Celler de Can Roca, converteu-se no número um, em âmbito mundial. Agricultores locais acompanharam a cerimônia, com uma exibição de seus produtos. Campo e cozinha unidos, como não poderia ser de outra maneira, por uma alimentação a serviço das pessoas.
Trata-se de apostar na justiça social e ecológica não só em nossas cozinhas, mas em todas as cozinhas. E levar os princípios da soberania alimentar além da produção e do consumo, sendo a gastronomia uma frente a mais da batalha contra um modelo de agricultura industrial, transgênica, intensiva, quilométrica, sem camponeses, “petrodependente”, homogênea e que nos adoece. Como diz a diretora do restaurante Km0 Espai Tomata, Neus Monlor, necessitamos de uma “cozinha comprometida” com “nosso entorno, com quem está mais próximo de nós, com os ciclos naturais, com as condições dignas de trabalho e com a qualidade do que chega à mesa”.
Temos que apostar em uma cozinha “slow” boa e acessível a todos, não só para os que possam. Por esse motivo, é primordial trabalhar para mudar as políticas públicas que subordinam a alimentação aos interesses de um punhado de empresas de agronegócio. E levar os alimentos “bons, limpos e justos” a restaurantes escolares e a quem mais o necessitam. Uma cozinha ‘slow’ que defenda, sem cair em chauvinismos, os produtos locais aqui e em qualquer parte do mundo e os direitos dos que trabalham a terra, sejam autóctones ou venham de fora.
Quando o movimento 15M emergiu, em 2011, se dizia: “Vamos lentos, porque vamos longe”. Tomo emprestada essa consigna, com uma pequena modificação: “Cozinha ‘slow’ para chegar longe”.
*Original em espanhol: Público.es. Tradução: ADITAL.
**Esther Vivas, Colaboradora Internacional do Portal EcoDebate, é ativista e pesquisadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares, autora de vários livros, entre os quais “Planeta Indignado”. Esther Vivas é licenciada em jornalismo e mestre em Sociologia. Seus principais campos de pesquisa passam por analisar as alternativas apresentadas por movimentos sociais (globalização, fóruns sociais, revolta), os impactos da agricultura industrial e as alternativas que surgem a partir da soberania alimentar e do consumo crítico. +info: http://esthervivas.com/portugues
EcoDebate, 18/09/2013
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