quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Apesar de redução, uma em cada oito pessoas ainda sofre de fome crônica no mundo, diz ONU

Programas escolares e de transferência de renda brasileiros são apontados como estratégias interdisciplinares bem-sucedidas. América Latina e Caribe é a região que mais avançou na luta contra a fome nos últimos 20 anos.
Crianças no Distrito Federal atendidas pelo programa brasileiro de alimentação escolar, o segundo maior do mundo. Foto: Wilson Dias/ABr

Cerca de 842 milhões de pessoas – aproximadamente uma em cada oito – sofreram de fome crônica no período de 2011 a 2013, não obtendo alimento suficiente para levar vidas ativas e saudáveis, de acordo com um relatório lançado pelas agências das Nações Unidas ligadas à alimentação e à agricultura.

O número é menor do que os 868 milhões reportados para o período 2010-2012, de acordo com o estudo “Situação de Insegurança Alimentar no Mundo” (SOFI 2013), publicado todos os anos pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Programa Mundial de Alimentação (PMA). A vasta maioria das pessoas famintas vive em regiões em desenvolvimento, enquanto 15,7 milhões vivem nos países desenvolvidos.

O crescimento econômico continuado nos países em desenvolvimento melhorou a renda e o acesso à comida. Recentes dados de crescimento na produtividade agrícola, favorecidos pelo aumento do investimento público e renovado interesse de investidores privados na agricultura, aumentaram a disponibilidade de alimentos.

Além disso, em alguns países a remessa de dinheiro por migrantes tem tido um papel fundamental na redução da pobreza, levando a melhores dietas e progresso na segurança alimentar. Eles também podem contribuir para impulsionar investimentos produtivos por pequenos produtores.

Brasil acerta ao adotar estratégia interdisciplinar, diz estudo

O documento aponta que, no Brasil, a Campanha Contra a Fome e o programa ‘Fome Zero’, que deu continuidade à campanha, foram criados dentro de uma estratégia de redução da pobreza e da fome, tornando assim o programa não apenas uma questão setorial da área de saúde.

O estudo cita o país para afirmar que experiências em países com estratégias de nutrição bem-sucedidas – como Brasil, Peru e Senegal – mostram que a liderança política forte e comprometida é essencial para o sucesso. “Uma forte liderança política, como pode ser visto no Brasil, é essencial para a construção de coalizões e forte compromisso político. Isto também se dá porque a nutrição, normalmente, não tem um âmbito institucional, como um ministério de nutrição”, diz o documento da FAO.

O estudo também cita incentivos de uma maior “cooperação intersetorial e vertical” que ocorrem, em parte, através de “modalidades de financiamento específicas”. O documento da ONU cita, por exemplo, o programa brasileiro “Bolsa Família”, vinculando pagamentos para as famílias mais pobres à frequência escolar e a exames regulares de saúde.

Segundo a ONU, esta estratégia cria “um incentivo para a coordenação entre os ministérios da Saúde e da Educação”. O estudo cita ainda o programa de merenda escolar brasileiro, que no país foi vinculado à compra de alimentos de produtores locais.

Outro aspecto importante no caso brasileiro, destacou o estudo, foi a importância da transparência no repasse dos recursos. “O governo brasileiro também forneceu apoio adicional para os municípios mais pobres para implementar o programa Bolsa Família. Em geral, a transparência na alocação do orçamento é um fator crítico para a continuidade da colaboração intersetorial.”

América Latina e Caribe: 2 milhões de pessoas com fome crônica a menos

São notáveis os números da América Latina e Caribe, região que registrou uma diminuição de mais de 2 milhões de famintos desde o último informe em 2012.

Raul Benítez, representante regional da FAO para a América Latina e Caribe, destaca que “embora seja um número que alegra a todos, não podemos nos conformar enquanto não tenhamos em nossa região Fome Zero”.

Os números mostram que a região está conseguindo alcançar o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) número um – erradicar a extrema pobreza e a fome –, já que 20 países reduziram pela metade a prevalência de desnutrição.

A esta conquista contribuiu uma combinação de fatores, como o sólido crescimento econômico durante décadas, uma maior abertura ao comércio e, como no caso da Nicarágua, a estabilidade política e as favoráveis condições do mercado internacional.

Grandes diferenças

Apesar do progresso feito em todo o mundo, diferenças marcantes na redução da fome ainda persistem. A África Subsaariana teve apenas um progresso modesto nos anos recentes e continua sendo a região com a mais alta prevalência de subnutrição com a estimativa de que um em 4 africanos (24,8%) passam fome.

Nenhum progresso recente foi observado na Ásia Ocidental, enquanto nas regiões do Sul da Ásia e Norte da África testemunharam um lento progresso. Reduções mais substanciais tanto no número de famintos como na prevalência de subnutrição ocorreram na maioria dos países da Ásia Oriental e Sudeste da Ásia, assim como na América Latina.

Desde o período 1990-1992, o número total de subnutridos nos países em desenvolvimento caiu em 17%, de 995,5 a 826,6 milhões.

Metas de redução da fome
Apesar de desigual, o relatório reforça que as regiões em desenvolvimento como um todo fizeram significantes progressos no sentido de alcançar as metas de reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome até 2015. Esta meta foi acordada internacionalmente como parte dos ODM.

Se a média de declínio anual desde 1990 continuar até 2015, a prevalência de subnutrição atingirá um nível próximo ao proposto na meta de combate à fome dos ODM.

Um meta mais ambiciosa estabelecida em 1996 na Cúpula Mundial de Alimentação (CMA), de reduzir o número de pessoas famintas pela metade até 2015, ainda está fora de alcance em nível global, apesar de 22 países já terem a atingido no final de 2012.

A FAO, o FIDA e PMA pediram enfaticamente aos países “que façam esforços adicionais consideráveis e imediatos” para atingir tanto o ODM quanto a meta da Cúpula Mundial.

“Com um impulso final nos próximos anos, nós ainda podemos atingir as metas dos ODM”, escreveram os diretores da FAO, FIDA e PMA, José Graziano da Silva, Kanayo F. Nwanze e Ertharin Cousin no prefácio de relatório. Eles clamaram por intervenções sensíveis à nutrição na agricultura e sistemas alimentares como um todo, assim como na saúde pública e educação, especialmente de mulheres.

“Políticas voltadas para a melhoria da produtividade agrícola e aumento da disponibilidade de alimentos, especialmente quando os pequenos produtores são o foco das ações, podem promover a redução da fome até mesmo onde a pobreza está espalhada. Quando são combinadas com proteção social e outras medidas que aumentam a renda de famílias pobres, podem ter um efeito ainda mais positivo e induzir o desenvolvimento rural, por meio da criação de mercados vibrantes e oportunidades de emprego, resultando em crescimento econômico equitativo”, disseram os chefes das agências.

Políticas em prol dos mais pobres são necessárias

O relatório destaca que o crescimento econômico é essencial para o progresso na redução da fome. Mas o crescimento pode não levar a mais e melhores empregos e renda para todos, a menos que as políticas enfoquem especialmente os pobres, particularmente nas áreas rurais.

“Nos países pobres, a redução da fome e da pobreza somente será obtida com o crescimento que seja não apenas sustentável, mas também amplamente compartilhado”, destaca o relatório.

O relatório das Nações Unidas sobre a fome não somente mede a fome crônica, mas apresenta um novo conjunto de indicadores para todos os países com o objetivo de capturar as múltiplas dimensões da insegurança alimentar.

Esses indicadores dão um quadro mais detalhado da insegurança alimentar em um país. Em alguns países, por exemplo, a prevalência da fome pode ser baixa, enquanto ao mesmo tempo as taxas de subnutrição podem ser bem altas, como exemplificado pela proporção de crianças desnutridas (baixo peso para a idade) ou com peso abaixo da média, cuja saúde futura e desenvolvimento estão em risco.

Tais distinções são importantes para melhorar a efetividade de medidas para a redução da fome e da insegurança alimentar em todas as suas dimensões.

Os resultados e recomendações do SOFI 2013 serão discutidos por governos, sociedade civil e representantes do setor privado na reunião de 7 a 11 de outubro do Comitê de Segurança Alimentar da FAO, na sede da Organização em Roma.

Acesse o relatório, em inglês e resumo nas seis línguas oficiais da ONU, clicando aqui.

Data: 01.10.2013

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