quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Especial: culinária típica do Estado de São Paulo

Conhecer a culinária típica de uma região é conhecer um pouco de sua cultura e seu modo de viver. As receitas passadas de geração em geração; os ingredientes mais recorrentes; o jeitinho certo de se preparar os pratos; as delícias feitas especialmente para festas tradicionais, enfim... tudo isso revela os saberes e os fazeres locais.


A cidade de São Paulo é conhecida pela riqueza e diversidade de sua gastronomia, onde é possível encontrar exemplares da culinária de vários cantos do mundo, resultado da influência dos imigrantes que aqui se fixaram. Mas, e o restante do Estado de São Paulo?

Todos conhecem a cozinha baiana, a cozinha mineira, por exemplo, mas o que caracteriza a típica cozinha paulista, aquela culinária de raiz, típica do Interior e do Litoral e que difere do cosmopolitismo da Capital? Se você disser que só conhece o virado à paulista, saiba que o repertório vai além disso! É o que você vai comprovar neste especial! Trazemos as receitas atuais de alguns dos pratos mais representativos, além das histórias de suas origens.

Uma pitada de história

Já abordamos a história da culinária paulista na seção Cultura e Folclore do Estado de São Paulo. A típica comida de São Paulo tem suas raízes na mistura das influências dos índios, portugueses e africanos. Depois, principalmente do final do século 19 para frente, o caldeirão paulista foi ganhando e se apropriando de ingredientes e pratos trazidos pelos diversos imigrantes que foram se fixando por aqui.

Nos séculos 16 e 17 - ao contrário das capitanias do litoral nordestino, enriquecidas com a produção do então valorizado açúcar - São Paulo era muito pobre. A vida era muito difícil e a pouca variedade de alimentos forçava os primeiros colonizadores a serem criativos e flexíveis com o que havia disponível. Por essa razão, os hábitos alimentares indígenas foram fortemente absorvidos pelos portugueses e pelos primeiros paulistas nativos. Eles consumiam carne de caça, peixes, legumes, raízes (como a mandioca), pinhão, frutas nativas e milho, muito milho! Ele virou base para muitos preparados que continuam sendo consumidos até hoje, como: canjica, curau, pamonha e farinha de milho. Para se ter uma ideia do fascínio por este alimento, o historiador Sérgio Buarque de Holanda chegou a chamar São Paulo de “civilização do milho”.

Os portugueses, a medida em que foram se estabelecendo, introduziram as carnes de animais domesticado (os bovinos e as aves) e os usos do acúcar (com a rapadura, a cachaça, etc.). Pelo seu lado, os escravos africanos trouxeram as pimentas, o dendê e os usos do leite de coco.

O período de expansão, de abertura de caminhos no Interior e no Litoral, pelos bandeirantes e tropeiros possibilitou o surgimento do que seria a base da alimentação paulista. Para eles, era fundamental que a comida pudesse ser facilmente preparada nos acampamentos e transportada nas viagens, sem estragar. Ingredientes como farinha de mandioca e de milho, carne-seca ou carne-de-sol eram constantes. Desses tempos, surgiram as iguarias que nós apreciamos até hoje: o virado à paulista, a paçoca de carne-seca, o feijão tropeiro, entre outras. Os viajantes também plantavam milho, feijão e abóbora ao longo do caminho, a fim de garantir a sua alimentação.

É interessante notar que muitos aspectos da antiga cozinha paulista são frequentes na atual cozinha mineira. Por exemplo, se compararmos o virado à paulista e o tutu à mineira, vemos que são, praticamente, a mesma coisa (o tutu é um pouco mais pastoso). Isso se deve ao movimento dos bandeirantes e tropeiros que acabaram difundindo esse jeito típico de comer aos recantos de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

No Litoral de São Paulo, uma outra forte vertente da culinária paulista foi se formando ao longo dos tempos: a cozinha caiçara, bastante baseada na própria produção dos caiçaras, habitantes do litoral, através da pesca, da pequena agricultura e da extração dos produtos da mata. A pesca é a atividade mais importante dos caiçaras e o peixe está sempre presente na comida do dia-a-dia, seja preparado com farinha ou com pirão.

A partir do século 19, com o crescimento da produção do café e o consequente enriquecimento a partir dela, os hábitos alimentares dos paulistas foram se modificando. Além do próprio café que passou a frequentar as xícaras, canecas e bules das casas paulistas, outras iguarias (como embutidos e vinhos) e ingredientes (como molhos) foram sendo trazidos da Europa pelos mais abastados. Foi nesse momento que o modo de comer de São Paulo foi começando a ganhar sabores mais internacionais.

O uso e plantio dos chás também começou a ser estimulado a partir desse período. Ao lado do chá mate, que já era consumido antes, juntou-se o chá preto, cuja produção se acentuou mais tarde com a chegada dos japoneses, em 1908.

Aliás, foi com a chegada dos imigrantes que os hábitos alimentares dos paulistas se diversificou ao extremo. Os italianos trouxeram as diversas massas, polentas, pizzas, mortadelas, broas, etc.; assim como estimularam a produção de tomate, pimentão e rúcula. Os japoneses estimularam a produção e consumo de chá, arroz e hortifrutigranjeiros; além de pratos à base de soja (tofu, shoyu, por exemplo) e pratos como sushi e sashimi (que se tornaram populares mesmo, fora da comunidade japonesa, em fins do século 20). Os sírios e libaneses popularizaram iguarias como esfihas, quibes e doces diversos (com mel, pistaches, nozes e amêndoas), entre outras. Cada povo que aqui se fixou, foi trazendo influências e novos jeitos de se alimentar e degustar novos sabores!

Iguarias curiosas que ficaram no passado

É claro que, em quase 500 anos de história, muitos hábitos alimentares brasileiros foram se modificando. No caso do Estado de São Paulo, por exemplo, muita coisa acabou ficando no passado. É o caso das carnes consumidas pelos primeiros paulistas, nos tempos do início da colonização: jacarés, cobras, lagartos e outras caças que estavam disponíveis na região. Com o tempo elas cederam lugar às carnes de animais criados, como bovinos e galinhas. E, também, esses animais silvestres foram diminuindo em razão do crescimento urbano e da diminuição dos seus habitats naturais.

Já viu ouviu falar de jacuba? É possível que não... Mas ela já foi a bebida mais popular entre os tropeiros. Era preparada, basicamente, com água fria, farinha de mandioca ou milho e adoçada com rapadura ou mel.

Insetos já foram, também, amplamente consumidos pelos primeiros habitantes de São Paulo. Herança dos hábitos indígenas, o consumo de insetos foi muito importante numa época em que não se tinha tanta variedade disponível de alimentos. Consumia-se um pouco de tudo: gafanhotos, lagartas de borboletas, bichos de taquara (larvas brancas de insetos) e formigas.

O que ainda resistiu ao tempo, em alguns poucos locais do Interior, foi o consumo das gordinhas formigas içás (fêmeas aladas das saúvas vermelhas), que revoam dos fomigueiros após as primeiras chuvas da primavera. Servidas fritas ou torradas como tira-gosto ou misturadas à uma farofa, com farinha de mandioca, as içás conseguiram chegar ao século 20 sendo bem consumidas no Vale do Paraíba. A içá foi até chamada de “o caviar da gente taubateana” pelo escritor Monteiro Lobato.

A cidade de Silveiras (localizada no Vale do Paraíba) é prova de que o consumo de içá continua firme e forte; tanto que, anualmente, promove o Festival das Içás.

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