Data: 10.12.2013
Emile Conceição*
Agência de Ciência e Cultura da UFBA
Cerca de 76% dos medicamentos existentes para o tratamento do câncer utilizam substâncias derivadas de produtos naturais. A grande maioria deles foi produzida por norte-americanos. Apesar de muitas dessas substâncias serem encontradas em plantas oriundas da flora nacional, nenhum dos remédios foi produzido por cientistas brasileiros, ainda.
Daniel Pereira Bezerra, pesquisador da Fiocruz Bahia, está no comando da pesquisa Óleos essenciais de Plantas da Flora Brasileira: Biodiversidade e Potencial Biotecnológico no Tratamento do Câncer, que tem por finalidade a experimentação de óleos extraídos de plantas brasileiras para a produção de medicamentos de combate ao câncer.
Daniel Bezerra (Foto: Emile Conceição)
O estudo teve início em 2009 quando o professor trabalhava na Universidade Federal de Sergipe (UFS), em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC). A partir de 2013 o pesquisador dá continuidade a esses estudos na Fiocruz Bahia, onde trabalha atualmente.
Em entrevista à Agência de Notícias Ciência e Cultura da Ufba, Bezerra informa que os estudos são recentes e as análises são pré-clínicas feitas in vitro e com animais. No entanto, ele afirma que os primeiros resultados obtidos são animadores. “Como é um estudo pré-clínico, estamos realizando uma triagem em diversos tipos de tumores”, explica. Segundo ele, foi alcançado êxito em experimentos com cânceres de “mama, próstata, leucemia, melanoma, glioblastoma, carcinoma de fígado, ovário e cólon”, diz.
“Apesar disso, ainda há um longo caminho a ser percorrido até os testes em pessoas e a comercialização dos remédios”, esclarece. “Em média uma pesquisa dessa natureza dura por volta de 10 a 15 anos. Estima-se que a cada 10 mil compostos estudados, cerca de 250 apresentam algum tipo de atividade promissora, 5 chegam aos estudos clínicos e apenas 1 é registrado como medicamento”, informa.
Foto: Emile Conceição
Questionado se durante as análises foi identificado algum efeito tóxico com a utilização das substâncias em teste, o professor respondeu: “No nível em que estamos e com as doses que foram avaliadas, até o momento, não foi identificado nenhum risco. Mas ainda são necessários muitos outros testes”.
As plantas que estão sob análise são Guatteria blepharophylla, Guatteria hispida, Guatteria friesiana, Lippia gracilis, Xylopia laevigata, Xylopia frutescens, Guatteria pogonopus, Annona pickelii, Annona salzmannii, Hancornia speciosa, Jatropha curcas, Kielmeyera rugosa e Hyptis cálida, todas nacionais.
O pesquisador credita a escolha dessas espécies para a realização dos experimentos ao fato delas já serem reconhecidas por outros estudiosos da área, mas também à utilização popular delas no combate a problemas de saúde, inclusive do câncer. “Essas plantas já vinham sendo estudadas por grupos de química da Universidade Federal de Sergipe e também por outros grupos”, esclarece.
“Nós já tínhamos um estudo etnofarmacológico, onde selecionamos plantas que já possuem utilização popular para o tratamento do câncer ou para outros tipos de terapia e avaliamos se elas, realmente, têm esse efeito através de modelos experimentais”, complementa.
De acordo com Daniel, chás e garrafadas feitas com várias espécies de plantas são amplamente usadas pela população nordestina para o tratamento do câncer. A Hancornia speciosa, por exemplo, tem seu látex extraído e comercializado em feiras da cidade de Santa Luzia do Itanhy, interior de Sergipe. “Normalmente, as pessoas associam o tratamento popular com o médico. Até por esse motivo não dá para avaliar se a utilização dessas plantas contribuiu para a cura. Por isso, as experimentações que fazemos são importantes”, finaliza.
O médico e pesquisador do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal da Bahia, Ramon El-Bachá, que também trabalha com testes para identificar substâncias extraídas de plantas com potencial anticancerígeno para o tratamento de tumores cerebrais, é ainda mais cauteloso ao falar sobre o assunto.
El-Bachá alerta para o risco de se divulgar nomes de plantas que possuem componentes eficazes para o tratamento de doenças. “Quando divulgamos informações positivas sobre a possibilidade curativa de uma planta o indivíduo leigo pode pensar que aquilo já está comprovado e que o consumo humano já foi liberado. Antes, precisamos fazer a sociedade entender o longo caminho de estudos até a chegada de um medicamento às farmácias”, explica.
Em vez de apontar os espécimes utilizados nas experiências, ele prefere falar os nomes de algumas famílias de substâncias estudadas nas quais se encontraram potencialidade para o tratamento do câncer. “Flavonoides, xantonas, cumarinas, terpenos, são alguns dos componentes que extraímos de plantas e que obtiveram resultado interessante”, cita.
“Ainda não temos nenhuma substância que eu possa dizer que um dia se tornará um bom remédio para tratar tumores cerebrais. Mas, temos que continuar garimpando, pois se ninguém o fizer não encontraremos nada”, esclarece.
De acordo com o professor, a maior parte das substâncias testadas in vitro não passam pelos testes em animais. “Muitas vezes o efeito positivo identificado anteriormente não ocorre ou pode ser identificado que o componente é tóxico para a cobaia. Então temos que abandoná-la no meio do caminho”, finaliza.
Medicina Popular
O Brasil, país cuja população em grande parte descende dos povos africanos e indígenas, cultiva uma tradição na medicina popular. A utilização de chás, emplastros, garrafadas e uma série de medicamentos produzidos de forma artesanal e a partir de plantas é um hábito bastante praticado pela população brasileira, sobretudo nas regiões norte e nordeste.
Pessoas que buscam alternativas aos remédios farmacêuticos ou que querem complementar um tratamento da medicina tradicional são alguns dos adeptos. Porém, é necessário dizer que, em caso de doença, a avaliação médica é extremamente necessária. Inclusive, já existe uma prática regulamentada para uma utilização segura das plantas medicinais: a fitoterapia.
Algumas plantas da pesquisa mencionada também são utilizadas pela população para o tratamento de doenças, na alimentação e para o combate ou alívio de diversos males relacionados à saúde. Conheça um pouco sobre essas espécies e como elas são utilizadas:
Ilustração: Carlos Reis
Xylopia laevigata (Meiu ou Pindaíba) – Planta pertence à família Annonaceae, que inclui cerca de 150 espécies entre árvores e arvoretas aromáticas das quais 40 espécies são encontradas na América Tropical. Conhecida popularmente como Meiu ou Pindaíba, é utilizada na medicina popular nordestina para vários propósitos. Suas folhas e flores são usadas para dores em geral, doença do coração e para combater inflamações. É amplamente encontrada em áreas remanescentes de Mata Atlântica.
Xylopia frutescens (Embira, embira-vermelha ou pau carne) – Planta medicinal encontrada nas Américas Central e do Sul, África e Ásia. No Brasil, é popularmente conhecida como embira, embira-vermelha ou pau carne. Suas sementes são utilizadas na medicina popular como estimulante da bexiga, para provocar a menstruação, e para combater o reumatismo, halitose, cárie dentária e doenças intestinais. Na Guiana as sementes são utilizadas no lugar da pimenta e no Panamá, as folhas são utilizadas para tratar a febre.
Annona salzmannii (Araticum-bravo, araticum-da-mata e araticum-apé) – Popularmente conhecida como araticum-bravo, araticum-da-mata e araticum-apé. Predominante na restinga arbórea e na zona da mata da costa do nordeste brasileiro, além de ocorrer do sudeste da Bahia até São Paulo. Em Sergipe é considerada uma espécie típica da flora sergipana e várias de suas partes, caule, folhas e raiz, apresentam uso na medicina popular para o tratamento de doenças, como verminoses, disenteria, úlceras e inflamações. O araticum possui também um fruto em formato de coração e polpa doce que é muito apreciado pelos nordestinos.
Hancornia speciosa Gomes (mangabeira, mangabinha-do-norte) – Árvore frutífera pertencente à família Apocynaceae e nativa das Regiões Centro-Oeste, Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil. Ocorre com maior abundância nas áreas de tabuleiros costeiros e baixadas litorâneas do Nordeste, onde seu fruto é bastante apreciado. Além do consumo in natura, o fruto é utilizado na fabricação de xaropes, doces, compotas, vinhos, vinagre, sucos e sorvetes. Na medicina popular, as cascas de Hancornia speciosa são usadas em infusões para o tratamento de hipertensão, úlcera gástrica e doenças inflamatórias. É utilizada também para tratar doenças pulmonares, tuberculose, dor de barriga, diabetes, perda de peso e dermatoses.
Ilustração: Carlos Reis
Jatropha curcas (Pinhão branco, pinhão manso, pinhão-paraguaio, pinhão-de-purga, pinhão-de-cerca, purgante-de-cavalo, mandubiguaçú, figo-do-inferno, purgueira e pinhão croá) – A espécie pertence à família Euphorbiaceae, a mesma da mamona e da mandioca. Sua utilização na medicina popular é relatada em vários países, principalmente para o tratamento de infecções e inflamações, como por exemplo: tratamento de artrite, gota, icterícia, alergias, entre outros. O pinhão manso é encontrado em quase todas as regiões intertropicais, estendendo-se à América Central, Índia e Filipinas, até mesmo às zonas temperadas, em menor proporção. No Brasil, ocorre praticamente em todas as regiões, mas é encontrada principalmente nos estados do Nordeste, em Goiás e em Minas Gerais.
Lippia gracilis Schauer (Alecrim-da-chapada, alecrim-de-serrote e candeia-de-queimar) – Espécie típica do nordeste brasileiro, própria do semi-árido. É encontrada predominantemente nos estados da Bahia, Sergipe e Piauí. É usada para diversos fins medicinais como tratamento de doenças da pele, infecções da garganta e boca, problemas vaginais, tratamento da acne, panos brancos, impigens, caspa, queimaduras, feridas, úlceras, gripe, tosse, sinusite, bronquite, congestão nasal, dores de cabeça, icterícia e paralisia. Normalmente, suas folhas são usadas para preparar infusão, decocção ou chá, também é feito um macerado em álcool para aplicação tópica.
Sobre o câncer
Não é novidade para ninguém que o câncer é uma doença muito perigosa que mata milhões de pessoas por ano em todo o mundo. Em pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde vários tipos de câncer foram incluídos na lista das 20 doenças que mais levaram seus portadores a óbito no Brasil, entre os anos 2000 e 2010. Entre eles, o câncer de pulmão (8ª posição), o câncer de estômago (11ª posição), o câncer de mama (14ª posição), o câncer de próstata (15ª posição), o câncer de cólon, reto e ânus (19ª posição).
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer é uma doença provocada pelo aumento desordenado das células que invadem órgãos e tecidos e, que pode se espalhar por diversas partes do corpo. As células cancerígenas se multiplicam formando tumores que podem ser malignos ou benignos. O que diferencia as duas formas é a velocidade com que suas células se multiplicam. Nos tumores malignos há maior velocidade de multiplicação, quanto que nos benignos essa é menor.
As causas da doença são variadas, podendo ser de caráter interno ou externo ao organismo do doente. As de caráter interno são as congênitas, ou seja, são atribuídas a questões genéticas. As de caráter externo são causadas por hábitos culturais ou sociais do doente, a exemplo do tabagismo, maus hábitos alimentares, alcoolismo, excesso de radiação solar, uso indiscriminado de medicamentos, entre outros.
De acordo com a estimativa divulgada pelo Ministério da Saúde, no dia 27 de novembro, os cálculos para 2014 apontam a ocorrência de 576.580 mil casos novos da doença entre brasileiros e, destes 52% acometerão homens.
Estima-se que o câncer da pele do tipo não melanoma continuará sendo o mais incidente na população brasileira afetando cerca de 182 mil pessoas, seguido pelos tumores de próstata, mama feminina, cólon e reto, pulmão, estômago e colo do útero.
* Estudante de Jornalismo da Ufba e estagiária da Agência de Notícias em Ciência, Tecnologia e Inovação
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