Revista Cubana de Plantas Medicinales, v.18, n.4, 2013
MSc. Nylza Maria Tavares Gonçalves, (I) Prof. Marta Maria Duarte Carvalho Vila, (I) Prof. Marli Gerenutti, (I) Prof. Douglas Siqueira de Almeida Chaves (II)
I Universidade de Sorocaba. Sorocaba, SP, Brasil.
II Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seropédica, RJ, Brasil.
RESUMO
Introdução: o aumento no consumo de plantas medicinais em todo o mundo tem sido atribuído a fatores como o alto custo dos medicamentos industrializados, a falta de acesso da população às assistências médica e farmacêutica e a tendência dos consumidores em utilizar produtos de origem natural. No Brasil, a inserção da fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, vem ao encontro da estratégia mundial de incentivo ao emprego de plantas medicinais e fitoterápicos no tratamento dos distúrbios da saúde.
Objetivo: este trabalho pretende apresentar um breve histórico da legislação brasileira referente à fitoterapia e discutir a eficácia destas diretrizes na implantação da fitoterapia no SUS.
Métodos: a pesquisa focou-se na análise da legislação brasileira em relação às plantas medicinais e aos fitoterápicos.
Resultados: Verificou-se que, apesar de existir um direcionamento do governo às políticas relacionadas às plantas medicinais e aos fitoterápicos, a legislação decorrente do processo não assegura, por si só, instrumentos para a melhoria da qualidade nos produtos.
Conclusão: ainda existe a necessidade de se estabelecer processos bem definidos para a implantação da fitoterapia no atendimento à população como uma alternativa mais acessível aos cuidados da saúde.
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que nos países em desenvolvimento, de 70 % a 95 % da população depende de terapias tradicionais, como o emprego de plantas medicinais, na atenção básica de saúde.1 Segundo Tomazzon et al.2 entre os fatores atuais relacionados ao uso de plantas medicinais estão os altos custos dos medicamentos industrializados, a falta de acesso da população às assistências médica e farmacêutica e à tendência atual dos consumidores em utilizar produtos de origem natural.
A OMS, no final da década de 70, criou o Programa de Medicina Tradicional, objetivando a formulação de políticas na área da medicina tradicional e da medicina complementar/alternativa, na qual se inclui a fitoterapia.3 Na Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde realizada em Alma-Ata, em 1978, a OMS passou a reconhecer oficialmente o uso de fitoterápicos com finalidade profilática, curativa e paliativa ou fins de diagnóstico, recomendando aos Estados Membros a difusão dos conhecimentos necessários ao seu uso.
No Brasil, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos constitui parte essencial das Políticas Públicas de Saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico e social, atuando como um dos elementos fundamentais de transversalidade na implementação de ações capazes de promover melhorias na qualidade de vida da população. Esta política estabelece diretrizes e linhas prioritárias para o desenvolvimento de ações, pelos diversos parceiros, em torno de finalidades comuns. Os objetivos são voltados à garantia do acesso seguro e ao uso racional de plantas medicinais e de fitoterápicos; ao desenvolvimento de tecnologias e inovações; ao fortalecimento das cadeias e dos arranjos produtivos; ao uso sustentável da biodiversidade brasileira e ao desenvolvimento do complexo produtivo da saúde.4
No país, a inserção da fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, em 2006, vem ao encontro à estratégia mundial de incentivo do emprego de plantas medicinais e fitoterápicos para o tratamento de diversos distúrbios da saúde (Brasil, 2006a). A utilização da fitoterapia pela rede pública de saúde no Brasil visa o resgate da cultura tradicional do uso das plantas medicinais pela população; a ampliação do seu acesso; a prevenção de agravos; a promoção, manutenção e recuperação da saúde, contribuindo para o fortalecimento dos princípios fundamentais do SUS.5
Neste sentido, cabe discutir se a legislação brasileira atual, referente às plantas medicinais e aos fitoterápicos, é capaz de atender as necessidades de implantação da fitoterapia no SUS. Além disto, é fundamental a discussão dos possíveis entraves para o sucesso da fitoterapia como parte integrante das ações públicas para a saúde. Neste sentido, este trabalho teve como objetivo apresentar um breve histórico da legislação brasileira referente às plantas medicinais e aos fitoterápicos e discutir a eficácia destas diretrizes na implantação da fitoterapia no SUS.
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos buscou, em 2007, por meio da aprovação do Programa de Plantas Medicinais,6 atingir seus objetivos com o propósito de permitir a execução de suas diretrizes e, consequente, melhoria de acesso às plantas medicinais e aos fitoterápicos pela população.7
Em consonância com as iniciativas para a inclusão da fitoterapia no SUS, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em 1991, reconheceu a atividade de fitoterapia, desde que, desenvolvida sob a supervisão de profissional médico. Em 1992, formalizou essa prática como método terapêutico, o que exigiu supervisão do Estado, e apresentou a necessidade de regulamentação para a formação de recursos humanos especializados. Por sua vez, a então Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde instituiu e normatizou o registro de produtos fitoterápicos no ano de 1995.4 A legislação para medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais vem, desde então, sofrendo diversas modificações.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem elaborado normas para a regulamentação dos medicamentos fitoterápicos, desde a Portaria nº 6, de 1995, passando pelas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) nº 17, de 2000; nº 48, de 16 de março de 2004, nº10, de 9 de março de 2010, e nº 14, de 31 de março de 2010, atualmente em vigor, que dispõem sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. A preocupação das autoridades regulatórias com a normatização dos medicamentos fitoterápicos, plantas medicinais e derivados vegetais, propiciam a avaliação de aspectos importantes, como a eficácia e segurança no uso destes produtos.8-11
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS preconiza a ampliação das opções terapêuticas ofertadas aos seus usuários, com garantia de acesso às plantas medicinais, aos fitoterápicos e aos serviços relacionados à fitoterapia, consolidando uma importante estratégia com vistas à melhoria da atenção à saúde da população e à inclusão social. Essa política traz dentre suas diretrizes a elaboração da Relação Nacional de Plantas Medicinais e de Fitoterápicos.11
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos contribuiu para pautar a utilização adequada de plantas medicinais e fitoterápicos e assistência farmacêutica no país, sendo uma conquista e um avanço do movimento popular pela fitoterapia. No entanto, a política pública representa um conjunto de intenções, nem sempre convergentes. Para o aperfeiçoamento e concretização de suas diretrizes se faz necessário a integração dos segmentos envolvidos, destacando-se a indústria nacional, a academia e o estado. Embora, a política de plantas medicinais e fitoterápicos exerça um papel direcionador, a legislação decorrente deste processo, por si só, não assegura instrumentos para a melhoria da qualidade dos produtos. Verifica-se, por exemplo, a ausência de uma política comprometida com o desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional de fitoterápicos e falta de incentivo à interação entre a indústria e a academia.12 Deve-se destacar ainda, a necessidade de fortalecimento dos órgãos de fiscalização visando à promoção do uso racional das plantas medicinais e fitoterápicos no país.13
Apesar das recentes iniciativas do governo federal em reconhecer a fitoterapia como de interesse popular e institucional, não se verifica no país, a inclusão da fitoterapia como prática cotidiana nos serviços de saúde disponibilizados pelo estado. No entanto, a fitoterapia como parte integrante e cotidiana da população e, sendo o Brasil um país com rica biodiversidade tem condições de integrar a fitoterapia nos serviços de saúde de modo consistente. Pode-se observar que as iniciativas de implantação da fitoterapia no Brasil, ocorrem de forma desigual e, inúmeras vezes, de forma descontínua.14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fitoterapia como prática no Sistema Único de Saúde deve ser alicerçada em aspectos da qualidade, eficácia e segurança. Neste sentido, embora haja regulamentação para a manipulação de plantas medicinais e para o processamento de fitoterápicos, em várias políticas no âmbito federal e, algumas em nível estadual, verificam-se a necessidade de padronização da forma de trabalho. Como exemplo, pode-se destacar a ausência de padronização dos procedimentos operacionais para produção e controle de qualidade de insumos vegetais e fitoterápicos. A normatização da fitoterapia também exige a ampliação das monografias de plantas medicinais na farmacopeia brasileira complementada, não somente com a elaboração da relação nacional de plantas medicinais, mas com a padronização de fitoterápicos a serem empregados pelo SUS.
Além disto, para a institucionalização da fitoterapia na atenção básica de saúde, é necessário maior divulgação de estudos científicos de comprovação da eficácia terapêutica e segurança, disponibilização de recursos financeiros específicos e investimentos na capacitação dos profissionais da área da saúde como farmacêuticos, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas, fisioterapeutas e nutricionistas. Cada profissional, no âmbito de suas atividades, deve buscar garantir a promoção do acesso às plantas medicinais e aos fitoterápicos com segurança e eficácia. Os profissionais médicos, enfermeiros e farmacêuticos devem exercer atividades em conjunto, buscando a seleção das plantas medicinais e dos fitoterápicos mais apropriados e a implantação, organização e estruturação dos serviços de assistência farmacêutica voltados ao uso racional dos fitoterápicos.
REFERÊNCIAS
1. Robinson MM, Zhang X. The world medicines situation 2011 traditional medicines: global situation, issues and challenges. Geneva: World Health Organization; 2011 [cited 2012 Dic 15]. Available at: http://www.who.int/medicines/areas/policy/world_medicines_situation /WMS_ch6_wPricing_v6.pdf
2. Tomazzoni MI, Negrelle RR, Centa ML. Fitoterapia popular: a busca instrumental enquanto prática terapêutica. Texto Contexto Enferm. 2006;15(1):115-121.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS-PNPIC-SUS. Brasília. DF. 2006 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnpic.pdf
4. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília. DF. 2006 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_fitoterapicos.pdf
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. A fitoterapia no SUS e o programa de pesquisa de plantas medicinais da Central de Medicamentos / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica. Brasília. DF. 2006 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/fitoterapia_no_sus.pdf
6. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília. DF. 2007 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_plantas_medicinais_fitoterapia.pdf
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Brasília. DF.: Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos; 2009.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº6, de 31 de janeiro de 1995. Dispõe sobre a regulamentação do registro de fitoterápicos. Diário Oficial da União, 02 de fevereiro de 1995. Brasília. DF.1995 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://www.fitoterapia.com.br/portal/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=51
9. Brasil Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada nº 17, 24 de fevereiro de 2000. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. Diário Oficial da União, 25 de fevereiro de 2000. Brasília. DF. 2000 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em:http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucao_sanitaria/17.pdf
10. Brasil, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada No. 48, 16 de março de 2004. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. Diário Oficial da União, 18 de março de 2004. Brasília. DF. 2004 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf /rdc_48_16_03_04_registro_fitoterapicos.pdf
11. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução Diretoria Colegiada nº 14, 31 de março de 2010. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. Diário Oficial da União, 5 de abril de 2010. Brasília. DF. 2010 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal /cao_consumidor/legislacao/leg_saude/leg_sau_anvs/RESOLUCAO-RDC-N-14-DE-31 -DE-MARCO-DE-2010.pdf
12. Czermainski SBC. A política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos: um estudo a partir da analise de políticas públicas [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009 [Acesso 2012 Dic 18]. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/19068
13. Balbino E E, Dias M F. Farmacovigilância: um passo em direção ao uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos. Rev Bras Farmacogn. 2010;20(6):992-1000 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-695X2010000600027&script=sci_arttext
14. Rosa C, Câmara SG, Béria JU. Representações e intenção de uso da fitoterapia na atenção básica à saúde. Cienc Saúde Coletiva. 2011;16(1):311-8 [Acesso 2012 Oct 20]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011000100033
Nylza Maria Tavares Gonçalves. Universidade de Sorocaba, Rodovia Raposo Tavares, Km 92,5, 13023-000. Sorocaba, SP, Brasil. E-mail: nylzamtg@yahoo.com.br
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