Agricultores orgânicos procuram compensar a falta de equipamentos específicos para o setor (Feagri/Unicamp)
17/01/2014
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – A agricultura orgânica tem crescido a taxas elevadas no Brasil. Segundo dados divulgados em 2013 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o mercado de produtos orgânicos se expande de 15% a 20% ao ano, abastecido por cerca de 90 mil produtores, dos quais aproximadamente 85% são agricultores familiares.
Uma pesquisa, conduzida por Mauro José Andrade Tereso, professor associado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investigou as condições de trabalho e a inovação tecnológica no setor.
O estudo, apoiado pela FAPESP, contou com a participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Unicamp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
No período de vigência da pesquisa, que se estendeu de maio de 2010 a maio de 2013, foram investigadas 33 Unidades de Produção de Agricultura Orgânica (UPAO) dedicadas prioritariamente ao cultivo de hortaliças. Esse montante representava um terço das UPAOs dedicadas à horticultura certificadas no Estado de São Paulo na data inicial da pesquisa.
Aproximadamente dois terços das UPAOs visitadas eram propriedades familiares, com áreas totais não superiores a 20 hectares e nenhuma dedicando à horticultura mais do que 15 hectares. A maioria contava com área de proteção ambiental e se caracterizava pela grande diversidade de itens produzidos.
Os pesquisadores buscaram mapear as tecnologias empregadas e as demandas, adaptações e inovações tecnológicas, destinadas a minimizar a carga de trabalho e as dificuldades na execução das tarefas e a aumentar a produtividade.
“Como a tecnologia disponível no mercado foi desenvolvida para o modelo convencional de agricultura, os produtores orgânicos são obrigados a adaptar ferramentas e equipamentos e a realizar outras inovações a fim de aumentar a produtividade de seu trabalho”, disse Tereso àAgência FAPESP.
A agricultura convencional, que se difundiu em escala planetária a partir da chamada “revolução verde”, durante as décadas de 1960 e 1970, baseia-se, grosso modo, em: monocultura; uso intensivo de compostos químicos sintéticos para recuperação do solo e controle de pragas; uso de maquinário no processo de produção, do preparo do solo à pós-colheita; uso de sementes geneticamente adaptadas ao modelo de produção; uso de fontes exógenas de energia em relação ao espaço produtivo.
Já a agricultura orgânica, segundo definição do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, é um sistema de produção que exclui amplamente o uso de fertilizantes, pesticidas, reguladores de crescimento e aditivos para a alimentação animal compostos sinteticamente.
Baseia-se também, tanto quanto possível, na rotação de culturas e na utilização de estercos animais, leguminosas, adubação verde, reaproveitamento de materiais orgânicos vindos de fora das propriedades, minerais naturais e controle biológico de pragas para manter a estrutura e a produtividade do solo, fornecer nutrientes para as plantas e controlar insetos, ervas daninhas e outras pragas.
A agricultura orgânica geralmente emprega o cultivo mecânico, retomando antigas práticas agrícolas, porém adaptando-as às modernas tecnologias de produção agropecuária, com o objetivo de aumentar a produtividade com o mínimo de interferência nos ecossistemas.
“Os agricultores orgânicos compensam a ausência de equipamentos concebidos diretamente para eles com a inovação dos processos produtivos e a adoção de novos métodos organizacionais. São também comuns adaptações muito engenhosas dos equipamentos convencionais”, afirmou Tereso.
A diversidade de produtos e de alternativas de vendas também constituem estratégias importantes para os agricultores orgânicos competirem no mercado.
“Nossa pesquisa mostrou que esses agricultores são altamente qualificados, com uma impressionante quantidade de conhecimentos acerca das plantas, do solo, da relação solo-água e de outros tópicos agronômicos. Além disso, trabalham com uma grande diversidade de produtos”, informou Tereso.
“Na agricultura convencional, o agricultor lida muitas vezes com um único tipo de produto, por exemplo, alface ou tomate. Já na agricultura orgânica, é comum os agricultores lidarem com 15, 20, às vezes 60 itens diferentes. Encontramos uma propriedade com mais de 100 itens hortícolas produzidos”, prosseguiu o pesquisador.
Metade dos gestores entrevistados na pesquisa estava na faixa etária dos 40 aos 60 anos. Dois terços tinham mais de dez anos de experiência na atividade agrícola e na própria agricultura orgânica. Vários acumulavam mais de vinte anos de certificação.
Além dos gestores, a maioria dos trabalhadores das UPAOs familiares executava todas as tarefas que compõem os diferentes sistemas de trabalho. As exceções eram as poucas tarefas que requerem muita força física, como a colheita de raízes e tubérculos, realizada apenas por homens, ou atividades que requeriam habilidades específicas, como a preparação de mudas. As especializações laborais surgiram nas operações de máquinas e equipamentos, como tratores e pulverizadores.
Com tal qualificação e diante da ausência de ofertas tecnológicas no mercado, esses agricultores buscam soluções criativas e promovem a inovação no sentido mais estrito da palavra, não apenas trazendo novos aportes tecnológicos para dentro da propriedade, mas desenvolvendo tecnologias muito específicas lá mesmo. “Essa foi uma das conclusões mais interessantes de nossa pesquisa”, comentou Tereso.
Outro diferencial entre os agricultores orgânicos e os agricultores convencionais é que os primeiros buscam diversos nichos de mercado. “Normalmente, o produtor convencional vende para um atravessador e se contenta com isso. Já o produtor orgânico procura explorar várias possibilidades: cooperativas, vendas pela internet, vendas de cestas de produtos, pontos de venda próprios, convênios com restaurantes ou supermercados, enfim, uma gama muito grande de alternativas para escapar dos atravessadores”, disse Tereso.
Muitos desses produtores já criaram embalagens diferenciadas e marcas. E vários também promovem algum tipo de processamento, agregando valor aos seus produtos.
Soluções tecnológicas
Depois do levantamento geral de dados, em uma segunda fase, a pesquisa estudou em profundidade as UPAOs que se destacaram nas várias modalidades da inovação tecnológica. Os pesquisadores observaram o dia-a-dia dos gestores destas propriedades, procurando compreender como a inovação ocorria no interior das UPAOs que administravam. Cada gestor foi acompanhado por pelo menos 40 horas. No total, os pesquisadores somaram quase 400 horas de trabalho de campo nesta segunda fase.
Os produtores orgânicos compensam a ausência de tecnologia disponível na forma de máquinas e equipamentos com o desenvolvimento de soluções tecnológicas na forma de processos, de organização do trabalho e de comercialização de seus produtos.
“O que mais chamou nossa atenção foi a capacidade de os produtores orgânicos encontrarem saídas para driblar a falta de oferta de equipamentos que enfrentam hoje no mercado brasileiro. Quando o mercado passar a oferecer equipamentos específicos para esses profissionais, eles poderão superar em muito a produtividade da agricultura convencional”, disse Tereso.
“O Brasil é hoje o maior produtor de açúcar orgânico do mundo. Em meados da década de 1980, quando iniciou suas atividades, a produtividade da maior empresa do setor era inferior à metade da média nacional. De lá para cá, essa empresa desenvolveu tecnologias próprias (maquinários, equipamentos, novos processos agronômicos, controle biológico de pragas etc.). Hoje, sua produtividade é 80% superior à média nacional. Isso mostra que, quando se conjugam conhecimentos tão abrangentes dos processos produtivos com recursos tecnológicos, a produtividade pode alcançar níveis surpreendentes”, afirmou o pesquisador.
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