Lilia Aparecida Salgado de Morais, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente
O termo agrotóxico passou a ser oficialmente utilizado no Brasil a partir de 1989 (Lei 7.802/89) para substituir o termo defensivo agrícola, usado para designar os venenos empregados na agricultura, porém, em alguns Estados como o Rio Grande do Sul este termo já era adotado oficialmente desde 1982 (Lei 7.747/82).
Esta mudança ocorreu após uma grande mobilização da sociedade, evidenciando o efeito tóxico que estes produtos causam ao ambiente e à saúde, tanto animal quanto humana, ocasionada pela aplicação contínua, abusiva, muitas vezes não recomendada e desnecessária.
Nos dias atuais, novamente a sociedade vem exercendo seu papel, buscando alimentos mais seguros, livres de contaminantes químicos, pressionando o mercado, gerando a necessidade de um resgate da pesquisa para buscar outras formas de controle de pragas e doenças de plantas que sejam mais seguras que os agrotóxicos. Mas porque resgate?
Anteriormente à descoberta e desenvolvimento dos agrotóxicos para proteção das lavouras, os agricultores utilizavam espécies vegetais obtidas dentro de suas propriedades ou nas proximidades, como por exemplo o crisântemo (piretro), usado para o controle de pulgões, alguns coleópteros, percevejo do cafeeiro e lagartas desfolhadoras, bem como o timbó (rotenona), utilizado para controlar de besouros e lagartas mastigadoras, além de outros produtos e técnicas (cinzas, água quente, dentre outros).
Alguns países se destacavam na produção destas espécies e estas eram exportadas em grande quantidade, não apenas para proteção de culturas, mas também para controle de vetores de doenças humanas. Com a popularização do uso dos agrotóxicos, pela praticidade e efeito mais rápido, essas técnicas foram quase que totalmente abandonadas e hoje, muitas delas são chamadas “alternativas”. Dessa forma, a pesquisa vem testando os mais diversos produtos para uso agrícola, sendo que muitos já foram utilizados pelos agricultores em décadas passadas. Há uma tendência mundial em explorar novos métodos de controle, dando-se prioridade a substâncias naturais, biologicamente ativas, contra os diferentes patógenos, conhecidos como defensivos naturais.
Defensivos naturais são produtos biológicos, orgânicos ou naturais (provenientes de plantas), pouco tóxicos, de baixa ou nenhuma agressividade ao homem e à natureza, eficientes no controle de insetos e micro-organismos nocivos e manejo simplificado.
Diversos estudos utilizando óleos essenciais e extratos provenientes de plantas medicinais, condimentares e aromáticas vem sendo realizados no controle de insetos e doenças de plantas, visando o desenvolvimento destes defensivos, o que representa mais uma opção na proteção das lavouras, principalmente no intuito de suprir as necessidades dos produtores de base ecológica e o desejo da sociedade em reduzir o uso/consumo de agrotóxicos.
Resultados promissores são relatados no manejo de doenças e pragas em plantas cultivadas, tratamento de sementes, pós-colheita e armazenamento de grãos e sementes.
Folhas de louro (Laurus nobilis) e eucalipto (Eucaliptus spp.) são utilizadas para controlar caruncho (Callosobruchus sp.) em grãos e sementes de feijão, armazenados em recipientes fechados, como por exemplo garrafas PET. O pó das folhas e talos de alecrim-pimenta (Lippia sidoides) apresentam ação inibidora da oviposição do caruncho em feijão caupi. O óleo essencial de capim limão (Cymbopogon citratus) inibe a incidência de fungo de armazenamento (Aspergillus flavus) em sementes de milho, sendo esta atividade atribuída ao seu composto majoritário (citral), permanecendo ativo por até 210 dias após a aplicação.
Louro
Já é possível encontrar alguns produtos comerciais à base de produtos naturais. Dentre estes, encontram-se o óleo de alho e o nim (Azadirachta indica). O óleo de alho tem aplicabilidade no controle do míldio, brusone, mancha de Alternaria, ferrugem, mancha de Helminthosporium. O nim tem como principal ingrediente ativo a azadiractina, que possui ação repelente, ovicida, larvicida, inibe a alimentação causando atraso no crescimento, dentre outros. Seu extrato tem ação nematicida, bactericida e fungicida.
Além do uso de extratos e óleos essenciais, relatos da literatura vem comprovando que o uso de plantas medicinais como espécies companheiras em consorciação com outras culturas também pode auxiliar no controle fitossanitário das lavouras. O plantio do tomate juntamente com cravo-de-defunto (Tagetes erecta) reduz significativamente os danos causados pela pinta-preta (Alternaria solani) na cultura. O cravo-de-defunto também é muito utilizado para o controle de nematóides, mosca-branca e afídeos. O consórcio do manjericão (Ocimum basilicum) com o tomate auxilia na repelência de pragas. A urtiga (Urtica spp.) é repelente do percevejo-do-tomate (Phthia picta).
A mucuna-preta (Mucuna sp.), em consórcio com o milho, reduz em mais de 90% a instalação dos gorgulhos nas espigas. O alecrim (Rosmarinus officinalis) é utilizado como repelente para o curuquerê-da-couve (Ascia monuste orseis) e moscas da cenoura; a hortelã (Mentha spp.) é utilizada como repelente de formigas e curuquerê-da-couve. Já o consórcio com a Erva-de-Santa-Maria (Chenopodium ambrosioides) repele pulgões e outros insetos. O coentro atrai as joaninhas, que são inimigas naturais de vários insetos predadores e de alguns ácaros de relevância agronômica.
A pesquisa na área de plantas medicinais em geral, como defensivos naturais, é promissora, vislumbrando possibilidades de novas e relevantes descobertas, porém, deve ser alicerçada em estudos interdisciplinares, para que se obtenham resultados conclusivos. Soma-se a necessidade de implantação de ensaios nas condições ecológicas de uso do produto (que ainda são em número reduzido quando comparado com a quantidade de ensaios in vitro publicados anualmente.
Os vegetais são uma fonte inesgotável de moléculas, muitas destas desconhecidas, que podem servir de modelo para síntese química, gerando produtos de baixo custo, eficazes, ambientalmente seguros, padronizados, registrados, com controle de qualidade visando à reprodutibilidade e constância de componentes químicos, e, principalmente, que atendam às necessidades dos produtores.
É importante ressaltar que os defensivos naturais, apesar de serem provenientes de princípios ativos de plantas, devem ser utilizados com critério, não devendo ser usados meramente como substituto aos agrotóxicos. Não é isto que se busca. A incidência de insetos e patógenos nas culturas é indicativo de desequilíbrio ecológico e/ou nutricional. Deve-se procurar corrigir as causas dos problemas fitossanitários das lavouras, utilizando-se destes produtos, quando realmente forem necessários.
A observação da presença de plantas indicadoras no ambiente de cultivo, a correção do solo com adubos orgânicos, a preservação dos inimigos naturais e diversificação da cultura devem ser práticas constantes para termos realmente um controle fitossanitário eficiente e alimentos saudáveis.
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