[EcoDebate] Os combustíveis fósseis são uma fonte de energia não renovável e, necessariamente, vão se esgotar algum dia. Enquanto não acabam, vão poluindo o ar, as águas e o solo e aumentando os efeitos negativos do aquecimento global. Portanto, quanto mais cedo o mundo eliminar a dependência dos combustíveis fósseis, melhor. Cresce a consciência de que é preciso construir uma sociedade livre do petróleo, carvão e gás. Para tanto, a alternativa é ter 100% de energia renovável e com baixa emissão de carbono, construída com o menor impacto ambiental possível (embora o caminho não seja tão tranquilo segundo ZEHNER, 2012 e TVERBERG, 2014).
O preço da energia eólica e solar tem caído tanto que já atingiu a paridade com outras formas de energia fóssil e brevemente poderá ter vantagem significativa. A perspectiva é que o preço do petróleo suba nas próximas décadas enquanto acontece o contrário com o preço das renováveis. Com vantagem nos preços, cresce a possibilidade de o mundo ter 100% de energia renovável no futuro.
Países como a Alemanha e a Dinamarca estão se movendo no sentido de obter 100% de energia renovável e, até certo ponto, buscam fazer isto de forma descentralizada e fortalecendo o desenvolvimento local e o empoderamento das pessoas e das comunidades (“power to the people”). Na Alemanha, a implantação de energias renováveis já resultou em mais de 380 mil postos de trabalho e isto tem ocorrido de forma descentralizada. Quanto maior é a cadeia de criação de valor nos municípios, mais receitas fiscais são obtidas e menos custos para os consumidores.
Outro exemplo de produção de energia controlada pela comunidade vem da Dinamarca. A ilha de Samso iniciou os esforços para se tornar auto suficiente em termos energéticos, em 1997, dependendo apenas das energias renováveis. Hoje está perto de o conseguir e os habitantes não só cobrem as suas próprias necessidades energéticas como vendem energia à rede pública. Embora tenha havido alguma resistência inicial por parte da população, majoritariamente dedicada à agricultura, hoje os habitantes de Samso são entusiastas da causa das energias renováveis, dispondo a nível doméstico de painéis fotovoltaicos ou pequenos aerogeradores que não só suprem as suas necessidades como ainda lhes dão lucro através da venda do excesso de energia produzido. Samso dispõe de 11 cataventos que podem fornecer a energia elétrica necessária a toda a ilha, a par de quatro estações de biomassa e 2500m2 de coletores solares que cobrem 70% dos gastos associados ao aquecimento. A estes há ainda que adicionar os aerogeradores situados 3,5 km da costa. A ilha de Samso continua ligada à rede elétrica da Dinamarca, mas a energia que chega à ilha é muito menor do que a energia que sai, sendo que o valor da exportação de energia superou o das batatas.
Mesmo países pequenos podem atingir 100% de renováveis, desde que haja vontade política e apoio internacional. A pequena Cabo Verde tem buscado apoio Europeu para atingir os 100% de utilização de energias renováveis. Para tanto conta com o apoio da União Europeia via Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental – CEDEAO – que considera a energia eólica e solar uma grande prioridade. A Índia tem avançado com projetos de mini-redes de energia solar fotovoltaica, buscando incluir 300 milhões de pessoas que não tem acesso a eletricidade.
Para o caso latinoamericano, a Costa Rica é um exemplo de país que sempre teve uma tradição democrática e que tem uma política de desenvolvimento sustentável avançada, pois dissolveu o exército e não possui Forças Armadas (apenas uma guarda nacional de segurança) e já planejou ser o primeiro país das Américas “Carbono-neutro” até 2030.
A produção em pequena escala e descentralizada deve ser combinada com a construção de redes inteligentes de energia (smart grids). Nestas redes, o fluxo de energia ocorre nos dois sentidos e o superavit de uma casa, por exemplo, pode ser vendido para outras casas ou estabelecimentos, possibilitando o desenvolvimento do fenômeno do “prosumidor”, aquele que é produtor e consumidor ao mesmo tempo.
Mas o país que tem mais investido nas energias renováveis e em redes inteligentes é a China. O “Império do Meio” já compreendeu que o mundo está passando por um “ponto de inflexão” e que é preciso superar a dependência da queima de carbono e investir em um novo ciclo de desenvolvimento sustentável alternativo para superar a era do petróleo, gás e do carvão. Compreendeu também que existem mais oportunidade do que constrangimentos neste novo ciclo de mudança de paradigma, pois se trata não somente de criação de empregos verdes e da saúde ambiental, mas também, na lógica de um regime autoritário, de uma questão de “segurança enérgica”. Os planos do governo para a segunda década do século XXI são marcados pela busca da expansão da energia solar e eólica e pela maior eficiência energética e menor emissão de carbono. Como na China as pessoas têm dificuldades para respirar devido à poluição, ou se faz uma grande transformação na matriz energética, ou haverá o aprofundamento da degradação ambiental e um crescimento das doenças humanas.
A China já é líder na construção de painéis fotovoltaicos e em turbinas eólicas. Com suas altas taxas de investimento e com seus mais de três trilhões de dólares de reservas internacionais, o país tem recurso suficiente para investir em novas tecnologias e no domínio do mercado mundial. Assim, não é de se surpreender que a China tenha duplicado, a cada ano, a sua capacidade instalada de geração de energia renovável. Não é somente uma questão de disputa pela liderança mundial, mas principalmente pela necessidade estratégica e geopolítica, assim como da urgência diante da alta poluição do ar (fenômeno chamado de “arpocalipse”). Sem mudar o atual modelo energético e de produção, não só a China, como o mundo todo, sofrerá as consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas extremas.
Descarbornizar a economia e produzir energia limpa e renovável é uma necessidade que não pode ser procrastinada, pois a emissão de CO2 é o principal componente da pegada ecológica. Mas não são apenas os governos que buscam investir em energias limpas. Companhias como Google e Apple fazem planos para se tornarem totalmente “verdes” e utilizarem 100% de energia renovável no mais breve espaço de tempo. Estas empresas buscam não só a independência energética e lucros crescentes, mas também cuidam de transmitir uma imagem moderna e amiga do meio ambiente.
Já o Brasil está muito atrasado na produção da energia do futuro. A despeito de projetos como o de energia eólica na Chapada do Araripe, no Piauí, o país não tem conseguido acompanhar o ritmo da produção internacional de energias alternativas. Em vez de investir no pré-sal, no gás de xisto, nos caças supersônicos e em aposentadorias milionárias para uma minoria de privilegiados, o Brasil poderia incentivar o investimento na produção de energia limpa e utilizar o enorme potencial que o país possui em termos de vento e sol para descarbonizar nossa economia e avançar na democratização e na descentralização da utilização das forças energéticas que a natureza nos deu de forma abundante. Com o esforço correto, o Brasil tem tudo para avançar rumo à meta 100% energia renovável.
Evidentemente, a produção de qualquer tipo de energia é cara e tem efeitos nocivos para o meio ambiente. Portanto, investir em energia eólica e solar não é uma panaceia para manter o modelo de produção e consumo que degrada a natureza e aumenta a pegada ecológica. O mundo precisa se livrar dos combustíveis fósseis, mas também precisa caminhar rumo ao decrescimento demoeconômico com redução da pegada antrópica. Como afirmou Herman Daly, “Precisamos decrescer até chegar a uma escala sustentável que, então, procuramos manter num estado estacionário. O decrescimento, assim como o crescimento, não pode ser um processo permanente” (Daily, 2011). A energia renovável pode ajudar, sem dúvida, mas será preciso renovar todo o estilo de desenvolvimento.
Referências:
Anna Leidreiter. 100% Renewable Energy – The Only Way Forward. January 8, 2013
John Aziz . Can Google go 100 percent renewable? November 15, 2013
Lisa Jackson: The road to 100% renewable. October 17, 2013
UE vai ajudar Cabo Verde a ter 100% de energias renováveis. 28 Novembro 2013
RMI. Bringing Clean Competitive Solar Power to Scale. Rocky Mountain Institute, 2013
FERRIS, David. Indian Microgrids Aim to Bring Millions Out of Darkness, e360 Yale, 16/01/2014
ZEHNER, Ozzie. Green Illusions: The Dirty Secrets of Clean Energy and the Future of Environmentalism (Our Sustainable Future), EUA, 2012
TVERBERG, Gail. Ten Reasons Intermittent Renewables (Wind and Solar PV) are a Problem, 21/01/2014
DOLAN, Ed . Green Illusions: The Limits of Alternative Energy. December 10th, 2012
DOLAN, Ed. The Myth of Affordable Energy — Interview with Ed Dolan. October 17th, 2012
WAGNER, Gernot But Will the Planet Notice?: How Smart Economics Can Save the World, Hill and Wang, September 4, 2012
DAILY, Herman. Guru da economia ecológica defende decrescimento, IHU, São Leopoldo, 2011
Robert Wilson. Can You Make a Wind Turbine Without Fossil Fuels? February 25, 2014
http://theenergycollective.com/robertwilson190/344771/can-you-make-wind-turbine-without-fossil-fuels
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 26/03/2014
Link:
Nenhum comentário:
Postar um comentário