Jornal da Universidade Federal do Pará. Ano XXVIII Nº 120. Agosto e Setembro de 2014.
por Marcus Passos / Agosto e Setembro de 2014
foto Adolfo Lemos
Camundongos receberam pré-tratamento com solução equivalente a duas castanhas por dia.
Ela ajuda no combate aos radicais livres, fortalece o sistema imunológico e diminui o colesterol ruim. O que parece ser a atuação de um medicamento são apenas os benefícios proporcionados pela castanha-do-pará. Essa semente esférica, marrom, originada da castanheira, uma árvore nativa da Floresta Amazônica.
Recentemente, um estudo da Universidade Federal do Pará, por meio do Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular, agregou mais um benefício a essa lista. Sob a autoria de Layse Martins Gama e orientação da professora Maria Elena Crespo López, o estudo “Malária e medicina popular: efeito da Castanha-do-Pará em camundongos infectados com Plasmodium berghei” comprovou que o consumo da semente influencia também no quadro da malária.
A malária é uma doença infecciosa, com alta incidência em regiões de climas tropical e subtropical. Sua transmissão ocorre por meio da picada do mosquito Anopheles fêmea, infectada pelo protozoário do gênero Plasmodium.
A escolha pelo estudo da castanha ocorreu em razão da sua composição rica em agentes capazes de combater alguns quadros de intoxicação e auxiliar em quadros de infecção. “A malária entrou nesse contexto quando vimos que havia indicação positiva em localidades paraenses sobre o uso da castanha. A população afirma que basta comer duas castanhas por dia ou tomar a água do ouriço para os sintomas da doença diminuirem”, revela Layse. A metodologia do estudo foi baseada nessa experiência popular. Outras referências afirmam que a cada grama de castanha são ingeridas 128 microgramas de Selênio – um mineral importante para o organismo. Para o estudo, as castanhas foram compradas no mercado do Ver-o-Peso, em Belém, em barracas aleatórias, vindas de diversas regiões do Estado.
Pré-tratamento garante maior resistência
O estudo resolveu comprovar, experimentalmente, a eficácia nutritiva da castanha-do-pará no combate aos sintomas clínicos causados pela malária. Para isso, foram realizados testes em camundongos para a comprovação dessas hipóteses. Foram três grupos experimentais: Controle – que não tinha nenhum tratamento, ou seja, um grupo normal; Plasmodium berghei, que foram apenas infectados com o parasita; e o Grupo Plasmodium berghei e castanha-do-pará – que receberam um pré-tratamento à base de castanha e, depois, foram infectados.
Dentro das várias linhagens de camundongos, a pesquisa utilizou a espécie Balb/C, infectada pelo Plasmodium berghei, por desenvolver um ciclo biológico equivalente às espécies que infectam humanos, sendo semelhante ao quadro de malária comum na Amazônia.
“É um modelo experimental, bem definido nas pesquisas científicas. Para essa análise, propusemos criar uma relação de semelhança entre a malária humana, de acordo com os sintomas clínicos, características patológicas e o que acomete essa espécie”, explica Layse Gama.
A pesquisa avaliou: o nível de parasitemia – quantidade de hemácias que contém o parasita; a massa corporal do animal – para ver se a castanha conseguia manter o peso do camundongo que estava infectado; a sobrevida, a pesagem dos órgãos, além das enzimas hepáticas no sangue. Para facilitar a ingestão pelo animal, a semente foi diluída em uma solução equivalente a duas castanhas por dia.
A castanha-do-pará foi administrada como um pré-tratamento, ou seja, antes da inoculação com o Plasmodium berghei para o grupo ‘Castanha + Plasmodium’. “Foram 11 dias de pré-tratamento e, depois, a infecção. Analisamos se o tratamento conseguia fazer com que o animal resistisse melhor aos efeitos do parasita. E a castanha fez com que os animais ficassem mais resistentes!”, comemora a pesquisadora.
Resultados são significativos
Em quase 30 dias de análise, o experimento chegou aos seguintes resultados: o nível de parasitemia do animal que consumiu a castanha-do-pará apresentava-se menor em suas células. Em relação ao peso dos animais, o grupo que foi infectado com Plasmodium berghei perdeu mais peso em relação ao grupo que fez o pré-tratamento à base da semente amazônica.
Em relação à inflamação, na pesagem dos órgãos, o tamanho do fígado foi maior nos camundongos infectados com Plasmodium berghei do que nos animais dos outros grupos. A alteração das enzimas hepáticas foi maior no grupo que não ingeriu a castanha. Em relação à sobrevivência dos animais, o último camundongo do grupo sem castanha morreu com 25 dias depois da infecção, enquanto o último animal que consumiu o fruto morreu dois dias depois, com 27 dias.
Por meio desses resultados, “verificamos que os aspectos clínicos dos animais melhoraram. A castanha não destruiu o parasita da doença, porque ela não tem propriedade antibiótica, mas os sintomas clínicos agressivos da malária foram reduzidos nos camundongos. Nesse caso, ela pode ser entendida como um reforço nutricional. Assim, esse consumo evidenciou uma boa diferença entre o animal que tinha consumido a castanha e o animal que não tinha”, analisa Layse Gama.
Em comparação ao medicamento usado para matar o parasita, o qual traz vários efeitos colaterais para o paciente – dor de cabeça, náuseas e vômitos, por ser um medicamento forte, a castanha-do-pará poderia ser um suplemento alimentar que atuaria na diminuição dessa toxicidade. Ela funcionaria como uma colaboradora nesse tratamento.
Essa pesquisa pioneira confirma a relação que possuímos com as frutas da Amazônia. “A castanha pode funcionar como base de suplementos que possam melhorar a condição do paciente, principalmente na nossa região, onde muitas pessoas não têm acesso ao medicamento ou não conseguem chegar ao posto de saúde. O reforço com a castanha poderia ajudar essa população”, enfatiza Layse Gama.
Dentro do corpo científico, o estudo tem uma dimensão abrangente, pois a utilização da castanha-do-pará está sendo usada para outras pesquisas. Para Layse Gama, mesmo sendo um trabalho experimental e não realizado em humanos, o resultado é extremamente significativo. É o primeiro trabalho que comprova, cientificamente, que a castanha pode ter um papel importante no tratamento da malária e os resultados apoiam o uso popular desse fruto como um agente protetor.
Análise
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