segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Técnicas potencializam absorção de compostos bioativos da soja


Campinas, 31 de agosto de 2015 a 06 de setembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 635

Pesquisadora da FEA obtém ingrediente alimentício com grande teor de equol

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Uma pesquisa com resultados potencialmente benéficos para a saúde humana sempre desperta grande interesse. É o que se depreende da dissertação de mestrado desenvolvida no Laboratório de Bioquímica de Alimentos e apresentada junto à área de Ciência de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp pela nutricionista Lívia Dias de Queirós. O trabalho recebeu orientação da professora Gabriela Alves Macedo e consistiu na biotransformação de compostos fenólicos de extrato hidrossolúvel de soja, popularmente conhecido no Brasil como leite de soja, para a obtenção de produto rico em compostos bioativos, assim chamados os que desempenham alguma função benéfica à saúde humana. Embora, segundo a Anvisa, devam ser considerados leites produtos que contenham certa porcentagem mínima de lactose, neste texto o extrato solúvel de soja será denominado simplesmente de leite de soja, como usualmente conhecido.

Os processos de biotransformação desenvolvidos pelas pesquisadoras mostraram-se de alto potencial e levaram à obtenção de um ingrediente alimentício com grande teor de isoflavonas bioativas e equol na forma biodisponível, substância com atividade muito superior às próprias isoflavonas. O produto obtido encontra aplicação na área biotecnológica, principalmente como ingrediente para a indústria alimentícia e/ou nutracêutica. Outra aplicação é o seu uso como anti-inflamatório e quimiopreventivo. O ineditismo do trabalho motivou o pedido de patente dos processos desenvolvidos. 
UMA EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

As isoflavonas, também chamadas de flavonoides, encontradas em níveis elevados na soja, têm sido extensivamente estudadas devido aos seus efeitos benéficos na prevenção de muitas doenças hormônio-dependentes, incluindo cânceres como os da mama, cólon e próstata, doenças cardiovasculares, osteoporose, além de ação no controle dos níveis de colesterol e diminuição de alguns sintomas da menopausa. Contudo, pesquisas têm revelado que a eficácia clínica destes compostos fenólicos está relacionada à capacidade do indivíduo transformar as isoflavonas em equol que, segundo a literatura, é produzido exclusivamente pela ação da microbiota intestinal.

Estabelecida a relação entre as isoflavonas de soja e o equol, estudos clínicos verificaram que nem todos os adultos saudáveis são capazes de produzir equol, mesmo com o consumo diário de alimentos à base de soja. Embora as razões dessas diferenças não estejam totalmente esclarecidas, elas são associadas à composição da microflora intestinal, etnia, idade, hábitos alimentares, entre outros. Pesquisas evidenciam que vegetarianos e indivíduos de origem asiática apresentam maior capacidade para a produção de equol e consideram que tal fato está relacionado, provavelmente, a diferenças significativas da macrocomposição das dietas bem como ao consumo regular de alimentos à base de soja, como ocorre nas culturas orientais. Corroborando estes fatos, as pesquisas mostram que em torno de 50% dos orientais são capazes de produzir equol contra apenas cerca de 30% da população ocidental.

A eficiência biológica do equol, que chega a ser dez vezes maior que as isoflavonas, decorre de seus efeitos anticarciongênicos, propriedades anti-inflamatórias, maior atividade por receptores estrogênicos e atividade antioxidantes superiores aos demais isoflavonóides. Portanto, a ação benéfica e mais eficaz dos alimentos à base de soja depende da capacidade do indivíduo produzir equol. 

Mas outro fato importante que deve ser considerado é o da absorção e a biodisponibilidade das isoflavonas. Com efeito, nos alimentos as isoflavonas encontram-se, predominantemente, na forma conjugada com açúcares, conhecidas como formas glicosiladas. O organismo humano não absorve com eficiência estas formas glicosídicas. Somente as isoflavonas livres da molécula de açúcar, as agliconas, são capazes de atravessar a membrana plasmática sendo, então, necessárias as transformações das formas glicosiladas em agliconas, estas sim bioativas. Estas transformações podem ser conseguidas através de processos fermentativos e enzimáticos. Utilizando estes recursos in vitro no leite de soja a pesquisadora detectou modificações no perfil fenólico das amostras desse leite biotransformado, decorrente de um aumento na concentração das isoflavonas agliconas em relação às glicosiladas. Ela constatou ainda um significativo aumento na concentração de equol, no teor fenólico total e na capacidade antioxidante, quando comparados com os do leite de soja sem tratamento.

Frise-se que na dieta oriental a proporção do consumo de isoflavonas na forma aglicona é mais elevada do que na forma glicosilada uma vez que os alimentos de soja fermentados, que apresentam maior teor de agliconas, correspondem a cerca de um terço do total de alimentos à base de soja consumidos por esses povos.

Nesse contexto, os produtos à base de soja constituem uma forma de aumentar as formas bioativas das isoflavonas na dieta, com potencial de serem transformadas em equol. É o caso do leite de soja, substrato com potencial para produção de novos alimentos com apelo saudável e de baixo custo de produção.

Com base nos conhecimentos disponíveis e nos resultados obtidos na pesquisa, Lívia afirma: “A hidrólise de isoflavonoides glicosilados pela enzima tanase, que utilizamos em nossa pesquisa, e que leva à formação das moléculas agliconas, bem como a formação de equol, independentemente da ação da microbiota intestinal, constitui relato inédito na literatura, pois demonstramos que é possível desenvolver um processo in vitro para obtenção deste composto bioativo sem a presença de bactérias intestinais, utilizando apenas uma biotransformação enzimática”.

AS PATENTES

Com a ideia de produzir um produto com o equol já biodisponível, de forma que os indivíduos pudessem usar de seus benefícios independentemente da sua microbiota ser capaz ou não de metabolizar as isoflavonas do leite de soja, a pesquisadora desenvolveu três diferentes processos. No primeiro, utilizando microrganismos que são próprios da microbiota humana, fermentou o leite de soja com bactérias lácticas probióticas, normalmente utilizadas na produção de iogurte, pois pretendia um produto final que, além do equol, fosse rico em outros compostos que fazem bem à saúde. Nesse procedimento ela imitou o que acontece no organismo humano provido de microrganismos intestinais.

No segundo processo, ela utilizou uma enzima, já produzida há vários anos no próprio laboratório, a tanase, obtida através do fungo Paecelomyces variotti. A respeito, diz: “Foi um tiro no escuro porque não sabíamos se essa enzima levaria as agliconas a equol. Neste caso, partimos do leite de soja fermentado de acordo com o processo anterior e aplicamos a enzima, com a ideia de potencializar a transformação. No terceiro processo utilizamos apenas a enzima”.

Nos três processos ocorreram transformações das isoflavonas em suas formas ativas e delas formou-se o equol. Ela comparou os resultados com base nos dados obtidos na cromatografia líquida de alta eficiência. Os resultados mostraram que em decorrência dos três processos de biotransformação propostos a quantidade de equol produzida foi superior quando comparado ao extrato inicial, o leite de soja in natura, e que, com a utilização apenas da enzima, o aumento na quantidade de equol foi superior ao constatado nos demais processos. Isto significa que a ação isolada da enzima se mostrou mais eficiente na biotransformação das isoflavonas de soja. Ela constatou, ainda, que em relação ao leite originalmente produzido e o tratado apenas com a enzima, a diferença é dez vezes maior. Frise-se que o leite de soja inicial já tem uma fração de equol, que não exerce efeito significativo no organismo.

Além das análises cromatográficas, ela mediu no produto obtido a capacidade antioxidante, importante no combate aos radicais livres. Determinou também a quantidade de fenóis totais e quantificou as isoflavonas nas amostras, o que lhe permitiu caracterizar o método mais eficiente.

Sobre o diferencial do trabalho, a autora esclarece: “Os estudos já realizados afirmam que o equol só pode ser obtido pela fermentação através da microbiota intestinal. Nunca tinha sido proposto um processo que utilizasse apenas uma enzima para chegar a ele. Nosso estudo foi o primeiro a fazê-lo a partir de um processo biológico in vitro, que levou ao registro da patente, pois até hoje somente biotransformações fermentativas com microrganismos haviam sido propostas”. O trabalho revela uma nova forma de biotransformação dos compostos fenólicos do leite de soja para obtenção de um produto rico em compostos antioxidantes, principalmente o equol, sugerindo sua utilização como ingrediente para bebidas funcionais, opção para indivíduos não produtores deste composto bioativo.

A pesquisa terá continuidade no novo laboratório da equipe da professora Gabriela Alves Macedo, no Departamento de Alimentos e Nutrição, como parte da tese de doutorado de Lívia. Serão então realizados estudos in vitro e in vivopara otimização do processo desenvolvido e comprovação dos efeitos fisiológicos inclusive em células animais.

Publicação

Dissertação: “Biotransformação de compostos fenólicos do extrato de soja para obtenção de produto rico em compostos bioativos”

Autora: Lívia Dias de Queiros

Orientadora: Gabriela Alves Macedo

Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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