quarta-feira, 22 de junho de 2016

Estudo com células mensura toxicidade em achocolatados


Campinas, 04 de março de 2016 a 11 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 648

Método pioneiro consiste em simulação in vitro que avalia riscos e benefícios de ingestão de alimentos



Edição de Imagens: André Vieira
Nem sempre o teor total de elementos presentes em um alimento, seja ele essencial ou tóxico para a saúde, é absorvido pelo organismo humano. Um achocolatado à base de cacau, por exemplo, pode conter um teor total de determinado elemento metálico, como o níquel e o bário, capaz de causar, em princípio, eventual preocupação do consumidor, embora isso não represente, de fato, que aquela quantidade do elemento será assimilada pelo organismo humano. 

Uma pesquisa inédita e pioneira no Brasil desenvolvida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp conseguiu simular, em um ambiente fechado e controlado de laboratório, elementos metálicos encontrados em 34 marcas de achocolatados em pó que poderiam ser efetivamente absorvidos pelo organismo. A simulação in vitro utilizou-se de células epiteliais do intestino humano para realizar uma avaliação mais realística do risco e do benefício associado à ingestão destes elementos.

O trabalho foi conduzido pela química Rafaella Regina Alves Peixoto, como parte de sua tese de doutorado defendida em agosto deste ano junto ao Programa de Pós-Graduação em Química do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. O estudo foi orientado pela professora Solange Cadore, que atua no Departamento de Química Analítica do IQ. A docente trabalha junto ao Grupo de Espectrometria Atômica (GEAtom) da unidade e coordena linha de pesquisa sobre o tema.

A pesquisadora Rafaella Peixoto explica que o emprego de células epiteliais no estudo considerou a função do intestino delgado no organismo humano, responsável por 90% de todo o processo de absorção de nutrientes provenientes da alimentação. O órgão funciona como uma barreira às enzimas digestivas e substâncias não utilizadas pelo organismo, controlando seletivamente a entrada de nutrientes e de xenobióticos, compostos químicos estranhos ao corpo.

Embora constatada a presença de elementos metálicos que poderiam representar toxicidade ao organismo nos seus teores totais, sobretudo em achocolatados do tipo diet e light, o estudo demonstrou que, do ponto de vista da absorção destes elementos, não há qualquer risco à saúde. Os resultados mostraram que, em geral, uma pequena fração dos elementos bário (Ba), boro (B), manganês (Mn), níquel (Ni), selênio (Se) e cobalto (Co) foi capaz de atravessar as camadas celulares. Isto sugere, conforme Rafaella Peixoto, que tais elementos seriam absorvidos em uma extensão de fraca à moderada pelo epitélio intestinal humano.

“O achocolato pode sim contribuir para a ingestão de alguns elementos essenciais e, do ponto de vista toxicológico, dos contaminantes, este alimento é totalmente seguro. Com relação a esses elementos que nós avaliamos a possível absorção pelo organismo, os resultados mostraram que eles seriam absorvidos em uma extensão de fraca à moderada. Do ponto de vista toxicológico, portanto, isso não representa nenhum perigo”, garante a estudiosa da Unicamp.

Outros trabalhos coordenados pela professora Solange Cadore vêm sendo desenvolvidos para avaliar a efetiva absorção de elementos presentes em amostras de carnes bovinas cruas e processadas, no café solúvel, chá e em hortaliças utilizadas na dieta do brasileiro, como a alface e a couve. Todos os estudos recebem aporte financeiro da Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), tanto para a compra de equipamentos quanto para a concessão de bolsas de estudos.

“Este método desenvolvido pela Rafaella pode ser aplicado a todo tipo de alimento. Por enquanto estamos trabalhando com os alimentos separadamente, mas o objetivo, no futuro, é agregar, por exemplo, o achocolatado e o leite e o café com o leite, para analisar como estas interações entre os próprios alimentos podem ou não afetar a absorção de elementos metálicos pelo organismo”, antecipa a orientadora Solange Cadore. A docente da Unicamp desenvolve estudos nesta área desde 2011.
Pioneirismo

A química Rafaella Peixoto ressalta que a maioria dos estudos nutricionais e toxicológicos com relação à presença de elementos metálicos em alimentos ainda é feita baseando-se nos teores totais dos elementos, desconsiderando suas interações no organismo.

O estudo constitui-se, portanto, de acordo com ela, no primeiro do país, na área de química, a trabalhar com células do tipo Caco-2, oriundas do intestino humano, e aplicá-las para avaliação do que é denominado de biodisponibilidade e bioacessibilidade de elementos metálicos. Os conceitos consideraram, a partir de determinado alimento, as transformações que ocorrem nos componentes alimentares no trato gastrointestinal e sua absorção através do epitélio intestinal humano.

“Nós fomos o primeiro grupo que se tem conhecimento no Brasil, da área de química, a trabalhar com este tipo de células e aplicá-las para avaliação da biodisponibilidade de elementos metálicos. Esse método é muito usado na área farmacológica, mas na área de alimentos ainda é pouco explorado. Esta foi a maior relevância da nossa pesquisa, ou seja, avaliar o teor total, a fração digerida, que é a fração bioacessível, e chegar até a fração biodisponível, que se refere à quantidade de elementos que seriam absorvidos pelo epitélio intestinal.”

A estudiosa da Unicamp explica que o termo bioacessibilidade, na área nutricional, é um parâmetro usado como indicativo da quantidade máxima do composto ingerido que pode ser absorvido pelo epitélio intestinal. Já a biodisponibilidade refere-se à fração do elemento que é absorvido pelo organismo humano, alcança a circulação sistêmica e é utilizado para desempenhar funções vitais em seus tecidos alvos.

“O teor total é uma informação importante. A maioria dos trabalhos considera os teores totais. Mas uma avaliação mais adequada, tanto do ponto de vista nutricional quanto da segurança alimentar, precisa considerar que, quando nós ingerimos um alimento, ele tem todo o sistema digestivo para passar. Portanto, neste sistema digestivo vão ocorrer reações químicas de natureza enzimática capazes de influenciar no quanto desse elemento ingerido estará disponível para ser absorvido pelo corpo humano e no quanto efetivamente ele é absorvido”, esclarece Rafaella Peixoto.

“Atualmente os órgãos internacionais que regularizam a presença de elementos metálicos em alimentos estão começando a considerar estes dados de modo a estabelecer os níveis seguros de ingestão ou os níveis recomendados para os elementos essenciais. O ‘Codex Alimentarius’, uma comissão que regula mundialmente os padrões sobre alimentos, tem solicitado dados de bioacessibilidade e de biodisponibilidade para estabelecer os limites aceitáveis. Só que os dados ainda são escassos. Portanto, é um trabalho de grande contribuição”, completa a pesquisadora.

Ela informa que os estudos de bioacessibilidade foram conduzidos em parceria com o Grupo de Elementos Traza, do Instituto de Agroquímica y Tecnología de Alimentos (IATA) de Valência, na Espanha. O Instituto espanhol, um dos principais nesta área de pesquisa no mundo, pertence ao Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC) da Espanha. A química graduada na Unicamp permaneceu seis meses em Valência. O estudo também contou com a colaboração do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

No momento, Rafaella Peixoto se planeja para dar sequência aos estudos com uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Oviedo, também na Espanha, sobre a especiação, fortificação com nanopartículas, biodisponibilidade e bioacessibilidade dos elementos presentes no leite materno.

Desafios

O desenvolvimento do estudo, que simula os processos digestivos que ocorrem na boca e no intestino, foi bastante desafiante do ponto de vista da pesquisa científica, reconhece a professora Solange Cadore. “No teor total há um número razoável de elementos num determinado alimento. À medida que vai passando para a etapa bioacessível, este número diminui. E quando chegamos à etapa da biodisponibilidade, com o uso das células, a concentração de elementos se torna muito pequena. E aí reside o grande desafio analítico, ou seja, desenvolver métodos para determinar estes valores.” 

Publicações

PEIXOTO, R. R. A.; OLIVEIRA, A.; CADORE, S. Multielemental determinations in chocolate drink powder using multivariate optimization and ICP OES. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 60, p. 8117-8122, 2012.

PEIXOTO, R. R. A.; MAZON, E. A. M.; CADORE, S. Estimation of the bioaccessibility of metallic elements in chocolate drink powder using an digestion method and spectrometric techniques. Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 24, p. 884-890, 2013.

Tese: “Elementos metálicos em achocolatados: teores totais e frações bioacessíveis e biodisponíveis”
Autora: Rafaella Regina Alves Peixoto
Orientadora: Solange Cadore
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamento: Fapesp, INCTAA

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