Campinas, 25 de abril de 2016 a 01 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 653
Estudo do Instituto de Biologia está fundamentado em informações de história natural
Texto: Luiz Sugimoto
Fotos: Jesper Sonne Antonio Scarpinetti
Edição de Imagens: André Vieira
A interação entre plantas e um importante grupo de polinizadores nas Américas, os beija-flores, é o objeto de estudo de Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça, em tese de doutorado orientada pela professora Marlies Sazima e defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biologia (IB). Estima-se que os beija-flores chegaram ao continente sul-americano há 22 milhões de anos, dando início a uma associação mutualística (em benefício das duas partes) com plantas nectaríferas, que provavelmente foi responsável pela diversificação de alguns destes grupos de plantas. O estudo enfoca bastante a abordagem de redes de interações e traz o diferencial de estar fortemente baseado em informações de história natural, demonstrando como a melhor compreensão das partes (espécies) pode levar a um melhor entendimento do conjunto (comunidades de espécies que interagem).
Pietro Maruyama investigou como as características das espécies – morfologia, comportamento, distribuição espaço-temporal – estão associadas à maneira como os organismos interagem entre si nas comunidades ecológicas. “O entendimento sobre as interações mutualísticas entre plantas e animais tem avançado com o uso crescente da abordagem de redes complexas, revelando alguns padrões constantes na organização da ‘teia da vida’. E o conhecimento acerca da história natural das espécies também tem importância crescente em estudos com redes de interações”, afirma na tese.
Segundo o autor, o estudo considerou diferentes tipos de comportamentos exibidos pelos polinizadores ao visitarem uma flor e, também, como os atributos das espécies podem estar associados à incorporação de plantas exóticas nas redes de polinização. “Utilizamos abordagens que vão desde o estudo focado em uma espécie de planta ou de polinizador, até estudos em ampla escala geográfica, englobando várias comunidades espalhadas pelas Américas. Conhecer os atributos das espécies e a estrutura das interações poderá ser uma estratégia interessante para entender, predizer e mitigar os efeitos das mudanças ambientais globais sobre os sistemas ecológicos.”
O pesquisador conta que em seu mestrado focou plantas associadas a beija-flores no Cerrado e que recebeu da orientadora Marlies Sazima a proposta de realizar sua pesquisa de doutorado na mata Atlântica, em sintonia com colegas do laboratório que estudam a biologia da polinização nesta região. “A floresta atlântica foi um componente importante no momento inicial da tese, pois possui grande diversidade de plantas e também de beija-flores. Os beija-flores são animais muito carismáticos e, embora exclusivos do continente americano, são estudados por pesquisadores do mundo inteiro, com os quais a professora Marlies mantém colaboração.”
Um desses colaboradores internacionais, acrescenta Maruyama, é o professor Bo Dalsgaard, da Universidade de Copenhagen, que acabou se tornando seu coorientador. “Ampliamos a pesquisa com um conjunto de dados reunidos pelo grupo do professor na Dinamarca, englobando desde a América Central até o sul do Brasil. A tese traz informações de cerca de 60 espécies de beija-flores e de mais de 300 plantas. Parece que fiz muita coisa, mas na verdade resgatei um conhecimento acumulado da história natural para me auxiliar a compreender mais intimamente as características dos organismos, combinando com trabalhos numéricos e estatísticos, a fim de chegar a uma visão das interações na comunidade como um todo.”
Ladrão de néctar
O autor informa que os dois primeiros capítulos da tese focam a interação entre plantas e beija-flores na floresta Atlântica do sudeste do Brasil, especialmente um beija-flor bem pequeno, Phaethornis ruber, conhecido como besourinho-da-mata. “Temos em nosso imaginário que os beija-flores prestam um serviço às plantas, polinizando-as, mas eles estão interessados apenas no néctar – tanto é que são atraídos por bebedouros artificiais. O besourinho, particularmente, atua como um ladrãozinho de néctar: ao invés de polinizar a planta entrando pela abertura da flor, ele faz um furo na base para extrair o que lhe interessa. É um comportamento observado frequentemente, principalmente em plantas que possuem flores mais longas; em outras, essa ave atua realmente como polinizadora, provendo o serviço em troca do néctar.”
Uma consequência desta pilhagem feita pelo P. ruber, constatada na pesquisa, é que outras espécies de beija-flores, polinizadores legítimos de tais plantas, deixam de visitá-las, comprometendo a reprodução das mesmas. “Realizamos um experimento de campo sobre esta pilhagem com uma espécie de cana, a Canna paniculata. Um aspecto da história natural que podemos importar para essas interações é a morfologia das espécies, como tamanho da flor ou comprimento do bico do beija-flor – aquele de bico mais longo tenderia a polinizar flores mais longas, dentro de um encaixe morfológico.”
No terceiro capítulo, que mereceu um prêmio internacional da revista Biotropica (da Associação para Biologia Tropical e Conservação, ATBC), Pietro Maruyama contraria estudos sugerindo que a abundância de espécies ou a oferta de néctar seriam determinantes para as interações entre plantas e beija-flores. “Isso nem sempre é o caso. Um aspecto importante é a sincronia da floração das plantas com a presença dos beija-flores na área para que ocorra a polinização. Mostramos que a sobreposição espaço-temporal, bem como a morfologia das espécies (o acoplamento de bicos e corolas), são determinantes para a formação de módulos de interação na rede. Nesse estudo, alguns padrões observados primeiramente para uma comunidade de plantas e beija-flores da Mata Atlântica, foram estendidas a comunidades do Cerrado brasileiro.”
Plantas exóticas
O pesquisador reservou o último capítulo para expor um conjunto de dados sobre interações entre plantas e beija-flores nas Américas, destacando a presença de plantas exóticas ou invasoras introduzidas por humanos em comunidades – uma das ameaças globais à biodiversidade mais discutidas atualmente. “Essas plantas são uma ameaça quando se tornam dominantes ou superabundantes, passando a competir com plantas nativas, que muitas vezes se extinguem por não conseguirem sobrepujar as invasoras. Como uma característica conhecida dos beija-flores é a de visitar plantas exóticas, nós procuramos saber, por exemplo, o quanto essas espécies servem como fonte de néctar.”
A constatação do estudo é de que as plantas exóticas são realmente uma rica fonte de recursos e interagem de forma prevalente com os beija-flores. “Isso significa que, embora ameacem a biodiversidade nativa, é complicado pensar na simples erradicação de espécies invasoras; deve haver um controle planejado, visto que as aves podem depender destas fontes de néctar para continuarem nas comunidades. Observamos ainda que alguns atributos das plantas exóticas estão relacionados com sua maior importância nas comunidades, como por exemplo, as árvores em relação aos arbustos e, ao que parece, espécies que ocorrem em ilhas (no caso, as do Caribe).”
Um próximo passo, na opinião do autor da tese, é pensar como as mudanças climáticas globais podem levar a possíveis alterações na composição das espécies e, talvez, predizer como tais interações vão ser reorganizadas, o que está diretamente ligado à preservação das comunidades naturais. “É isso que eu e meus colegas do laboratório estamos investigando no momento. As mudanças climáticas são um fato e terão consequências em espécies que hoje ocorrem em determinados locais. O conhecimento e consideração dos atributos das espécies de plantas e beija-flores podem ser úteis no cenário de mudanças ambientais, auxiliando nas predições de como estas espécies rearranjarão suas interações em ambientes cambiáveis.”
Publicação
Tese: “Interações entre plantas e beija-flores: história natural e redes ecológicas”
Autor: Pietro Kiyoshi Maruyama Mendonça
Orientadora: Marlies Sazima
Coorientador: Bo Dalsgaard
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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