Campinas, 16 de maio de 2016 a 29 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 656
Texto: Silvio Anunciação
Fotos: Antoninho Perri
Edição de Imagens: André Vieira
Uma pesquisa do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, em parceria com a Universidade de Brasília (UNB) e a University of New Orleans (EUA), traz relevantes descobertas sobre as estratégias de sobrevivência das borboletas.
A pesquisa, publicada em fevereiro deste ano na revista Neotropical Entomology, da Sociedade Entomológica do Brasil, foi coordenada pelo professor André Lucci Freitas, do IB; e pelo docente Carlos Eduardo Guimarães Pinheiro, da UNB. Houve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no âmbito do programa Biota. O artigo também é assinado pelos pesquisadores Vitor César de Campos, da UNB; Philip James de Vries e Carla Maria Penz, da University of New Orleans.
O docente André Freitas explica que o estudo traz nova complexidade à temática, quebrando o paradigma clássico de mimetismo das borboletas. O mimetismo é empregado por determinadas espécies animais e vegetais como uma estratégia de sobrevivência, situação em que imitam outras espécies para confundir os predadores.
A pesquisa se baseou, principalmente, em duas espécies de borboletas: Parides anchises nephalion e Heraclidesanchisiades capys. A primeira é uma espécie conhecida por acumular toxinas, se tornando impalatável (de gosto desagradável) para o predador. Por meio de sua coloração chamativa e característica, o predador, geralmente um pássaro, sabe que esta espécie não pode ser comida ou caçada. Por isso, borboletas impalatáveis como a Paridesanchises nephalion, possuem voo lento, já que não precisam fugir dos predadores.
Já a outra espécie estudada, a Heraclides anchisiades capys, também conhecida como borboleta Rosa-deluto, desenvolveu o comportamento de voar rapidamente porque ela é uma presa palatável, ou seja, não possui toxinas e pode ser comida por um pássaro, macaco ou outro predador qualquer. Diversas espécies de borboleta palatáveis (de gosto bom), como esta, imitam as cores das borboletas tóxicas (impalatáveis) para tentar sobreviver. Deste modo, elas ganham proteção contra os predadores visualmente orientados.
“Este é o mimetismo clássico, conhecido há décadas. Na natureza, normalmente, animais e plantas se utilizam de formas, cores e comportamentos como estratégia de sobrevivência diante dos predadores. No mimetismo, o animal aparece para o predador, só que ele aparece parecendo algo que ele não é. Assim, uma borboleta palatável, por exemplo, mimetiza outra impalatável para evitar que se torne presa”, explica André Freitas, atualmente chefe do Departamento de Biologia Animal do IB.
Conforme o docente, existe, entre borboletas, outro tipo de mimetismo, também conhecido como mimetismo de escape. Trata-se de um tipo de imitação baseada na capacidade que as borboletas têm em escapar dos predadores. Neste caso, o que interessa como modelo a ser imitado não é a liberação da toxina ou gosto para a presa (ou seja, se é palatável ou impalatável), mas sim a velocidade do voo.
O professor da Unicamp esclarece que há borboletas que têm voo lento, como é o caso da Parides anchisesnephalion, uma espécie impalatável, de gosto ruim para o predador. Já há outras, com voo muito rápido, difíceis de serem predadas, como a Heraclides anchisiades capys (estas são palatáveis).
Neste tipo de mimetismo, a velocidade do voo passa a ser entendida como um mecanismo de fuga eficiente aos predadores. Por isso, as espécies com voos rápidos se tornam modelos para aquelas que possuem voos lentos. André Freitas acrescenta que, um pássaro, por exemplo, não vai gastar energia para tentar pegar uma borboleta que voa rápido. Uma espécie com voo rápido também tem uma coloração que chama a atenção, de modo a sinalizar, já do alto, ao pássaro que tentar predá-la.
De acordo com o professor da Unicamp, o predador ‘aprende’ que aquela coloração da borboleta é um indicativo de que ela voa rápido. Assim, se ele visualizar aquela espécie com aquele padrão de cor, ele não vai dispender esforços para tentar capturá-la. No mimetismo de escape, uma espécie que pode ou não ter o voo muito rápido imita a outra que tem, pelo padrão de cor, independentemente se é palatável ou não, acrescenta o pesquisador.
“Na teoria clássica de mimetismo, se o mimetismo é baseado no gosto da presa, ou seja, se é palatável ou impalatável, sempre o de gosto bom imita o de gosto ruim e nunca o contrário. O que propomos neste trabalho é que no mimetismo de escape, neste segundo caso, às vezes, pode acontecer o contrário”, revela André Freitas.
Ele esclarece que o artigo aponta que, em alguns casos de mimetismo de escape como no caso do par mimético Heraclides anchisiades capys e Parides anchises nephalion, pode ocorrer uma situação diferente da prevista pela teoria clássica. “No caso acima, mostramos evidências de que a primeira, que voa rápido e têm o gosto bom ao predador, é imitada pela segunda, de voo lento e gosto desagradável. Ou seja, pela primeira vez foi sugerido que uma espécie impalatável pode mimetizar uma palatável. É o chamado mímico impalatável. Isso nunca existiu na literatura científica. Essa é a novidade do trabalho. Ela quebra o paradigma do mimetismo. Entretanto, a espécie impalatável continua sendo modelo para outras espécies palatáveis”, considera.
O professor considera que os resultados são relevantes e contribuem para repensar as teorias clássicas do mimetismo como estão nos livros e manuais de biologia animal. “Isso não invalida o que foi feito antes, mas mostra que essa questão envolvendo a sobrevivência tem mais complexidade do que nós imaginávamos”, reconhece André Freitas. Ele ressalta que o artigo é fruto de 20 anos de dados e pesquisas, envolvendo a participação do professor Carlos Pinheiro e dele sobre o assunto, além da colaboração dos pesquisadores Vitor César de Campos, Philip James de Vries e Carla Maria Penz.
“É um trabalho que envolve linhas de pesquisa diferentes. O professor Carlos Pinheiro trabalha com ecologia no campo, predação por aves e mimetismo de escape, enquanto que eu me dedico mais à evolução das espécies miméticas e estudos de biologia de populações.”
Publicação
PINHEIRO, C E G; FREITAS, A V L ; CAMPOS, V C ; DEVRIES, P J ; PENZ, C M . Both Palatable and Unpalatable Butterflies Use Bright Colors to Signal Difficulty of Capture to Predators. Neotropical Entomology (Impresso), v. 45, p. 107-113, 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário