Produção de pinhão cai 40% e araucária está na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas. Entrevista especial com Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez
“A invisibilidade do mercado do pinhão também é um empecilho para mensurar seus impactos socioeconômicos, pois a comercialização clandestina e a falta de controle fiscal impedem dimensionar a magnitude da comercialização e seus impactos”, afirmam as pesquisadoras.
Foto: mreugenio.files.wordpress.com
Entre os fenômenos ambientais que explicam a redução de 30 a 40% na safra do pinhão no Rio Grande do Sul neste ano, destacam-se o acúmulo de chuvas e os invernos menos frios, mas outros aspectos devem ser considerados na análise, afirmam Patrícia Binkowski eAline Reis Calvo Hernandez, entre eles, “o incremento do setor turístico”, “o contexto socioeconômico e a precarização do trabalho” na região de São Francisco de Paula, uma das maiores produtoras de pinhão no Rio Grande do Sul, “o êxodo rural” e “as dificuldades de acesso à terra”. Além desses fatores, outro ponto importante a ser considerado “é o ciclo vegetativo da própria araucária”, afirmam.
Integrantes do grupo de pesquisa “Fortalecimento do Desenvolvimento do Território Rural dos Campos de Cima da Serra: a cadeia extrativista do pinhão em São Francisco de Paula/RS”, as pesquisadoras da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul –UERGSinformam que, segundo produtores do município de São Francisco de Paula, “a grande safra virá em 2018”, visto que em 2015 e 2016 houve queda na produção de pinhão, e o mesmo deve ocorrer em 2017. É comum escutar destes produtores que a araucária tem um ciclo de três anos de baixas produções, para no quarto ano apresentar alta produção”, dizem.
Apesar de o ciclo vegetativo da araucária variar, as pesquisadoras alertam para o “risco de extinção” da planta, que está na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas de 2014, organizada pela Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. “A Araucaria angustifoliaencontra-se dentro da categoria ‘ameaçada–vulnerável’. Tais listas apenas divulgam o que as populações locais já vinham percebendo em seu dia a dia. É fato, a araucária está desaparecendo da paisagem dos Campos de Cima da Serra e da Serra e, com ela, uma tradição centenária de utilização do pinhão na alimentação humana. Basta ver que as receitas à base de pinhão estão mais difíceis de serem encontradas na culinária sulina”, alertam.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, as pesquisadores dizem ainda que “o que mais tem chamado a atenção” na elaboração da pesquisa que desenvolvem “é a pouca ou quase nula motivação/intervenção do poder público municipal e estadual em relação à preservação e cultivo de araucárias. Parece-nos simples – não existe produção de pinhão sem os cuidados necessários ao manejo das araucárias!”.
Outro ponto a ser investigado, frisam, “é a da não flexibilização da normatização oficial, pois se sabe, por meio dos catadores/coletores/produtores, que o pinhão está amadurecendo cada vez mais cedo, como informa o agricultor da feira de São Chico: ‘o pinhão amadurece cada vez mais cedo, é possível ter pinhão já no final de fevereiro’”. Segundo elas, é “urgente, para uma produção mais sustentável do pinhão”, “rediscutir a Portaria 20/1976”, a qual determina que “a coleta e venda do pinhão só pode ser efetivada a partir de 15 de abril”.
Patrícia Binkowski é doutora em Desenvolvimento Rural e Aline Reis Calvo Hernandez é doutora em Metodologia e Psicologia Social. As professoras lecionam na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, na Unidade Universitária em São Francisco de Paula, onde desenvolvem a pesquisa “Fortalecimento do Desenvolvimento do Território Rural dos Campos de Cima da Serra: a cadeia extrativista do pinhão em São Francisco de Paula/RS”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Evidenciam uma queda na safra do pinhão nos últimos anos? É possível identificar quais são as razões? Desde quando isso vem ocorrendo?
Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Sim, conforme a pesquisa “Características do Extrativismo do Pinhão e Situações de Conflito no Nordeste do Rio Grande do Sul, Brasil”, realizada no município de São Francisco de Paula e região, é possível identificar uma queda na safra do pinhão nos últimos anos (VIEIRA-DA-SILVA et. al., 2012). As variáveis são múltiplas e vamos comentar algumas delas. Uma variável importante é o incremento do setor turístico e, consequentemente, o aumento na procura pelo pinhão e produtos derivados. O contexto socioeconômico e a precarização do trabalho em São Francisco de Paula e região, além do êxodo rural e das dificuldades de acesso à terra, também contribuíram para um incremento no número de catadores de pinhão, que nem sempre extraem as pinhas ou coletam as sementes de forma correta. Em muitas ocasiões a pinha é colhida ainda verde, não respeitando as práticas tradicionais (de subida no pinheiro e coleta no chão após debulha natural). A colheita prematura reduz as possibilidades de reprodução da árvore, pois diminui a dispersão natural das sementes, além de impedir que sirvam como fonte alimentar à fauna nativa.
No imaginário serrano há uma forte tendência em defender que a gralha azul é a responsável por dispersar as sementes, após se alimentar delas, mas há controvérsias quanto a essa afirmação. Alguns biólogos afirmam que são os pequenos roedores terrestres os principais vetores, pois enterram grande quantidade de sementes no solo, sendo esquecidas e assim gerando novas árvores.
Segundo a legislação vigente, Portaria 20/1976, a coleta e venda do pinhão só pode ser efetivada a partir de 15 de abril, no entanto é comum encontrar pinhão antes dessa data. Por outro lado, existem aqueles catadores que preferem estocar o produto para ser vendido em momentos de ápice turístico para que assim a venda atinja valores elevados. Esse último aspecto reduz a oferta do produto na região, pois há muita demanda e pouca oferta. No período próximo à Festa Municipal do Pinhão em São Francisco de Paula, o preço de R$ 5,50 cobrado em feiras locais pode dobrar. Cabe considerar, ainda, que a cada três ou quatro anos o pinheiro tem vasta produção, depois a planta fica exaurida e a produção fica menos extensa, havendo uma oscilação na produtividade. As chuvas em excesso e condições climatológicas atípicas também interferiram na safra.
“O pinhão pode gerar mais renda que a madeira da araucária, desde que sejam utilizadas as técnicas adequadas de manejo.”
IHU On-Line – Como se dá o cultivo do pinhão no estado hoje?
Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Entre 1930 e 1970 a madeira da araucária teve grande importância econômica no Brasil, ocasionando seu desmatamento. Atualmente, a árvore está ameaçada de extinção. Alguns referenciais teóricos (DANNER et. al. 2012) indicam que o pinhão pode gerar mais renda que a madeira da araucária, desde que sejam utilizadas as técnicas adequadas de manejo. A invisibilidade do mercado do pinhão também é um empecilho para mensurar seus impactos socioeconômicos, pois a comercialização clandestina e a falta de controle fiscal impedem dimensionar a magnitude da comercialização e seus impactos (SANTOS et al., 2002; SILVA e REIS, 2009).
Para Floriani (2007) seria interessante um sistema de certificação do pinhão, organizando a cadeia de comercialização em associações, cooperativas etc., ampliando a comercialização para os mercados institucionais como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) favorecendo a geração de renda aos agricultores e, ainda, fortalecendo a valorização de um produto com identidade regional e de relevância ecológica, cultural e econômica.
O fomento para a produção de pinhões exige conjugar forças entre diferentes segmentos: agricultores familiares, extratores, comerciantes, universidades e órgãos governamentais. A produção de pinhão está vinculada ao correto manejo da araucária, ao melhoramento das sementes e à elaboração de normas e controles de mercado do pinhão e dos plantios comerciais de araucária. Para Vieira-da-Silva et. al. (2012), é preciso considerar os fatores biológicos e ecológicos da araucária, valorizando os saberes locais. Ainda, a prática de coleta deveria considerar a estimativa de produção para a safra seguinte.
IHU On-Line – Em quais locais do estado do Rio Grande do Sul a produção tem diminuído significativamente?
Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Tipicamente no RS a maior produção de pinhão se dá na região dos Campos de Cima da Serra e da Serra. Dados de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, nos mostram que os maiores produtores de pinhão do RS são: São Francisco de Paula com 72 toneladas; Bom Jesuscom 41 toneladas; Ilópolis com 32 toneladas; São José do Herval com 30 toneladas; Cambará do Sul com 28 toneladas; Carlos Barbosa com 27 toneladas; e Gramado com 26 toneladas. Estes sete municípios totalizam 256 toneladas, representando um terço da produção do estado, que no ano de 2013 foi de 823 toneladas.
Dados da Emater-RS/ASCAR, afirmam que houve uma queda de 30 a 40% na safra de 2016 (PÁGINA RURAL, 2016), atingindo os municípios citados anteriormente. Nos últimos anos o acúmulo de chuva foi muito alto e os invernos menos frios, tais aspectos são causadores da diminuição da safra. Outro ponto que cabe ressaltar é o ciclo vegetativo da própria araucária.
Os revendedores/produtores de pinhão da feirinha de agricultores de São Francisco de Paula comentam que a grande safra virá em 2018, já que em 2015, 2016, e possivelmente 2017, a produção de pinhão reduziu. É comum escutar destes produtores que a araucária tem um ciclo de três anos de baixas produções, para no quarto ano apresentar alta produção. Alguns pesquisadores irão dizer que a araucária necessita de uma “recuperação fisiológica das suas energias” e que por isso alterna baixas e altas produções.
IHU On-Line – A qualidade do pinhão também tem diminuído?
Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – O pinhão é fonte de proteínas, vitaminas e minerais e a qualidade do pinhão guarda relação com a safra e com as formas de armazenamento. Na Festa do Pinhão de São Francisco de Paula, em 2015, foram poucos os pontos de venda do produto e somente duas bancas venderam produtos derivados (pães, cucas, bolos, paçoca, doces de pinhão). Além disso, algumas bancas venderam pinhões pequenos e ainda verdes (de difícil cozimento). Freccia et. al. (2013) realizaram pesquisa sobre condições de armazenamento do pinhão, analisando fatores relacionados à desidratação, peso, comprimento, diâmetro, cor da epiderme, incidência de fungos.
Os resultados indicam que pinhões armazenados em redes plásticas e pinhões armazenados a granel desidrataram mais que aqueles acondicionados em bolsas plásticas, os congelados e os a vácuo. A armazenagem em bolsas, na pinha, congelados e a vácuo indicaram melhor aparência, pois conservaram melhor a cor da epiderme. Os pinhões embalados em bolsas plásticas mantiveram textura e sabor semelhantes aos observados na colheita.
Os pinhões congelados se esfarelavam mais facilmente. Como já comentamos anteriormente, é comum a estocagem do pinhão como uma estratégia de mercado, pois há maior demanda nos meses turísticos e nos períodos próximos às festas. Assim, a qualidade do pinhão dependerá substancialmente do período da colheita (a semente não pode estar verde) e também das formas de armazenamento utilizadas na estocagem.
“A araucária está desaparecendo da paisagem dos Campos de Cima da Serra e da Serra”
IHU On-Line – Qual é a atual situação das araucárias e do cultivo de araucárias no estado?
Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Segundo dados do Livro Vermelho da Flora do Brasil (MARTINELLI e MORAES, 2013), a araucária está em “risco de extinção”; já naLista Vermelha das Espécies Ameaçadas de 2014, organizado pela Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul – FZB/RS, a Araucaria angustifolia encontra-se dentro da categoria “ameaçada–vulnerável”. Tais listas apenas divulgam o que as populações locais já vinham percebendo em seu dia a dia. É fato, a araucária está desaparecendo da paisagem dos Campos de Cima da Serra e da Serra e, com ela, uma tradição centenária de utilização do pinhão na alimentação humana. Basta ver que as receitas à base de pinhão estão mais difíceis de serem encontradas na culinária sulina. Nos estados do Paraná e Santa Catarina, a araucária vem sendo alvo de pesquisas com foco na conservação da espécie.
No Paraná, o professor Flávio Zanette, do Laboratório de Micropropagação Vegetal, da Universidade Federal do Paraná – UFPR, pesquisa técnicas de enxertia da araucária. O professor comenta que esta pode ser a solução para estimular o plantio econômico da espécie e que a vantagem da araucária enxertada está no início de produção dos pinhões que se dá em média em 10 anos (sem essa técnica, a produção só começa entre 12 e 15 anos).
No Rio Grande do Sul, temos alguns pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, de São Leopoldo, que trabalham principalmente com pesquisas relacionadas à importância ecológica da araucária. Temos ainda a iniciativa de conservação da biodiversidade e da identidade cultural dos Campos de Cima da Serra, do Centro de Tecnologias Alternativas Populares – CETAP, com sede em Passo Fundo.
Na publicação “Frutas Nativas: alimentos locais, sabores e ingredientes especiais”, um dos produtos resgatados é o pinhão. Na pesquisa “Fortalecimento do Desenvolvimento do Território Rural dos Campos de Cima da Serra: a cadeia extrativista do pinhão em São Francisco de Paula/RS”, que está sendo realizada por professores da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, o que mais tem chamado a atenção é a pouca ou quase nula motivação/intervenção do poder público municipal e estadual em relação à preservação e cultivo de araucárias. Parece-nos simples – não existe produção de pinhão sem os cuidados necessários ao manejo das araucárias!
Na região de São Francisco de Paula, não é realizado qualquer tipo de educação ambiental em relação ao plantio, ao manejo e tampouco à extração dos pinhões das árvores. Por exemplo, na Festa do Pinhão, realizada anualmente, não encontramos nenhum material de divulgação e conscientização sobre o histórico do pinhão, seu valor ecológico, social e cultural, divulgação de receitas, distribuição de mudas ou outras ações que valorizem e multipliquem iniciativas de conservação.
Outro ponto que chama a atenção é a da não flexibilização da normatização oficial, pois se sabe, por meio dos catadores/coletores/produtores, que o pinhão está amadurecendo cada vez mais cedo, como informa o agricultor da feira de São Chico: “o pinhão amadurece cada vez mais cedo, é possível ter pinhão já no final de fevereiro”. Isto se deve às diferentes etnovariedades de pinhão já encontradas nessa região, entre elas o pinhão-macaco, o caiuvá e o pinhão de março (VIEIRA-DA-SILVA et. al., 2012). Ou seja, rediscutir a Portaria 20/1976 nos parece urgente para uma produção mais sustentável do pinhão.
Por Patricia Fachin
Referências
DANNER, M. A.; ZANETTE, F.; RIBEIRO, J. Z. O cultivo da araucária para produção de pinhões como ferramenta para a conservação.Pesq. flor. bras., Colombo, v. 32, n. 72, p. 441-451, out./nov. 2012. Disponível aqui.”>. Acesso em: 25 Mai. 2016.
FLORIANI, G. S. Debulhando pinha, semeando pinhão: propostas de uso e conservação para a araucária. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 1803-1806, 2007.
FRECCIA, C. F. et. al. Conservação de Pinhões em diferentes tipos de Acondicionamento e seus efeitos sobre a qualidade pós-colheita. Revista Técnico-Científica do IF SC, 2013. Disponível aqui. Acesso em: 25 Mai. 2016.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura 2013. Disponívelaqui.”>. Acesso em: 25 Mai. 2016.
MARTINELLI, G.; MORAES, M. A. Livro vermelho da flora do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2013.
PÁGINA RURAL. Dados EMATER-RS-ASCAR sobre a safra do pinhão. Disponível aqui.”>.Acesso em: 25 Mai. 2016.
SILVA, C. V.; REIS, M. S. Produção de pinhão na região de Caçador, SC: aspectos da obtenção e sua importância para comunidades locais. Ciência Florestal, Santa Maria, RS, v. 19, n. 4, p. 363-374, 2009.
VIEIRA-DA-SILVA, C. et. al. Características do extrativismo do pinhão e situações de conflito no Nordeste do Rio Grande do Sul, Brasil. In: PRINTES, R. C. (Org). Gestão Ambiental e negociação de conflitos em unidades de conservação do nordeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, 2012.
(EcoDebate, 09/06/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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