sábado, 6 de outubro de 2012

Eric Hobsbawm - 1917-2012


Veja a repercussão da morte de um dos maiores historiadores do século XX.


O historiador britânico Eric Hobsbawm morreu de pneumonia nesta segunda-feira (1º) aos 95 anos em Londres. O intelectual marxista é considerado um dos maiores historiadores do século XX. Ele também era um entusiasta e crítico do jazz, escrevendo resenhas para jornais sobre o gênero musical e publicando o livro "História social do jazz".

Sua filha, Julia Hobsbawm, disse: "Ele morreu de pneumonia nas primeiras horas da manhã em Londres. Ele fará falta não apenas para sua esposa há 50 anos, Marlene, e seus três filhos, sete netos e um bisneto, mas também por seus milhares de leitores e estudantes ao redor do mundo". "Até o fim, ele estava se esforçando ao máximo, ele estava se atualizando, havia uma pilha de jornais em sua cama", completou a filha.

Trajetória - Eric John Ernest Hobsbawm nasceu de uma família judia em Alexandria, no Egito, em 9 de junho de 1917. Seu pai era britânico, descendente de artesãos da Polônia e Rússia, e a família de sua mãe era da classe média austríaca. Hobsbawn cresceu em Viena, capital da Áustria, e em Berlim, capital da Alemanha.

Ele aderiu ao Partido Comunista aos 14 anos, após a morte precoce de seus pais. Na ocasião, ele foi morar com seu tio. Na escola, ele informou o diretor que ele era comunista e argumentou que o país precisava de uma revolução.

"Ele me fez umas perguntas e disse: 'Você claramente não faz ideia do que está falando. Faça o favor de ir à biblioteca e veja o que consegue descobrir'", disse em uma entrevista à BBC em 2012. "E então eu descobri o Manifesto Comunista [de Karl Marx] e foi isso", relatou, indicando o começo de sua formação marxista.

Em 1933, quando Hitler começava a subir no poder na Alemanha, Hobsbawm foi para Londres, na Inglaterra, onde obteve cidadania britânica.

O historiador se filiou ao Partido Comunista da Inglaterra em 1936 e continuou membro da legenda mesmo após o ataque das forças soviéticas à Hungria em 1956 e as reformas liberais de Praga em 1968, embora tenha criticado os dois eventos. O ex-líder do partido Neil Kinnock chegou a chamar Hobsbawm de "meu marxista predileto".

Anos depois, ele disse que "nunca havia tentado diminuir as coisas terríveis que haviam acontecido na Rússia", mas que acreditava que, no início do projeto comunista, um novo mundo estava nascendo.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm foi alocado a uma unidade de engenharia em que foi apresentada a ele, pela primeira vez, a classe proletária. "Eu não sabia muito sobre a classe proletária britânica, apesar de ser comunista. Mas, vivendo e trabalhando com eles, pensei que eram boas pessoas", disse à BBC em 1995.

O historiador aprovou neles a "solidariedade, e um sentimento muito forte de classe, um sentimento de pertencer junto, de não querer que ninguém os derrubasse". Hobsbawm afirmou que ele tinha vivido "no século mais extraordinário e terrível da história humana".

Ele veio ao Brasil em 2003 participar da primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), evento do qual foi estrela.

Vida acadêmica - Hobsbawm estudou no King's College de Cambridge e começou a dar aula na Universidade de Birkbeck em 1947, mais tarde tornando-se reitor da instituição. Ele também passou temporadas como professor convidado nos Estados Unidos e lecionou na Universidade de Stanford, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e na Universidade de Cornel.

Em 1998, ele recebeu o título de Companhia de Honra. O prêmio, raramente concedido a historiadores, o colocou ao lado de ilustres como Stephen Hawking, Doris Lessing e Sir Ian McKellan.

Seu colega historiador A.J.P. Taylor, morto em 1990, disse que o trabalho de Hobsbawm se destacava pelas explicações precisas dos acontecimentos pelo interesse em pessoas comuns. "A maior parte dos historiadores, por uma espécie de mal da profissão, se interessa somente pelas classes mais altas e pressupõe que eles mesmos fariam parte destes privilegiados se tivessem vivido um século ou dois atrás - uma possibilidade muito remota", escreveu Taylor. "A lealdade do Sr. Hobsbawm está firmemente do outro lado das barricadas", disse.

Obras - O primeiro livro de Hobsbawm, "Rebeldes primitivos", publicado em 1959, é um estudo dos que ele chamava de "agitadores sociais pré-políticos", incluindo ligas de camponeses sicilianos e gangues e bandidos metropolitanos, um exemplo de seu interesse pela história das organizações da classe trabalhadora.

No mesmo ano, ele escreveu uma obra sobre jazz e começou a colaborar como crítico para a revista "New Statesman" usando o pseudônimo Francis Newton, em homenagem ao trompetista comunista que acompanhava a cantora americana de jazz Billie Holiday.

Em 1962, ele publicou "Era da revolução", primeiro de três volumes sobre o que chamou de "o longo século XIX", cobrindo o período entre 1789, ano da Revolução Francesa, e 1914, começo da I Guerra Mundial. Os seguintes foram "Era do capital" (1975) e "Era dos impérios" (1987).

O quarto livro da sequência, "Era dos extremos" (1994), retratou a história até 1991, com o fim da União Soviética. Ele foi traduzido para quase 40 línguas e recebeu muitos prêmios internacionais.

Suas memórias, publicadas quando tinha 85 anos, elencaram os momentos cruciais na história europeia moderna nos quais ele viveu, e também foram um best-seller. Seu último livro é "Como mudar o mundo", de 2011, e é um compilado de textos escritos, desde a década de 1960, sobre Karl Marx e o marxismo. De acordo com o jornal britânico "The Guardian", ele tem um livro em revisão a ser publicado em 2013.

O século de Hobsbawm
Artigo de Vladimir Safatle, professor livre-docente do Departamento de filosofia da Universidade de São Paulo.

Morreu ontem Eric Hobsbawm, um dos mais influentes historiadores do século 20. Sua influência veio não apenas de um trabalho seguro e rigoroso de pesquisa historiográfica que privilegiava movimentos sociais dos séculos 19 e 20. Na verdade, em uma época como a nossa, que parece abraçar de maneira entusiasmada a crítica das chamadas "metanarrativas" com suas visões de processos globais e movimentos teleológicos, Hobsbawm destoava por ser um dos poucos que não se contentavam em afundar-se na micro-história.

Sem medo de procurar processos nos quais rupturas socioeconômicas e produção de novas ideias de cunho universalista se entrelaçam, Hobsbawm soube, como poucos, mostrar como a história da modernidade ocidental sempre foi a história das revoluções.

Fiel à filosofia da história de cunho hegeliano herdada pela tradição marxista, ele escreveu quatro livros clássicos ("A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios" e "Era dos Extremos") a fim de mostrar como as exigências igualitárias de liberdade enunciadas pelos setores populares da Revolução Francesa moldarão o curso da história como uma voz que sempre volta. Tal voz da igualdade será o fator de inquietude de uma história que será, cada vez mais, realmente mundial.

Adorno dizia que a fixação positivista nos "fatos" escondia, muitas vezes, a simples incapacidade de enxergar estruturas. Pensar é saber estabelecer relações e, se é inegável que certas construções da historiografia marxista demonstram-se infrutíferas e demasiado genéricas, há de se reconhecer que a rejeição em bloco dessa tradição teve forte impacto negativo na nossa capacidade de pensar a história.

Mas isso nunca impediu Hobsbawm de imergir nos detalhes e encontrar, por exemplo, na voz de Billie Holiday as marcas do sofrimento social dos esquecidos do sonho americano (conforme o livro "História Social do Jazz") ou nas desventuras do bandido Jesse James algo de fundamental a respeito dos descaminhos de nosso ideal de liberdade e das debilidades do poder (conforme o livro "Bandidos"). Hobsbawm sabia ler tais "fatos isolados" como sintomas sociais.

Alguns, como o historiador britânico Tony Judt, insistiam que Hobsbawm não teria capacidade de compreender as ilusões que moldaram o século 20, em especial o comunismo. Talvez seja o caso de dizer que a compreensão da história como simples crítica das ilusões corre o risco de perder de vista o essencial: de onde vem a força que faz com que indivíduos consigam ir além de seus próprios interesses imediatos? O que talvez explique porque quis o destino que o último livro de Hobsbawm se chamasse exatamente "Como Mudar o Mundo".

Hobsbawm expandiu limites do pensamento marxista
Artigo de Jorge Grespan, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo.

Eric Hobsbawm conquistou justo prestígio entre o grande público apreciador da história e também entre seus colegas de ofício, o que já é em si algo digno de nota. Claro e elegante, abordou temas aparentemente tão distintos como o mundo do trabalho e o jazz, sempre preocupando-se em relacionar as várias esferas da vida social e fugir de explicações unilaterais, pintando quadros históricos largos, mas precisos.

Incluindo-se na geração de historiadores do pós-Guerra que chamava de "modernizadores", dedicou-se inicialmente à história do século 19, e o sucesso alcançado por seu "A Era das Revoluções" levou-o a escrever "A Era do Capital" e "A Era dos Impérios".

Não os escreveu para os colegas, mas tornou-se referência também para eles, carentes de obras que rompessem limites entre temas particulares e situações nacionais.

Teve nesse ponto importância decisiva, ao criticar a historiografia acadêmica tanto por sua especialização excessiva quanto pelos preconceitos que a impedem de se dirigir a um público leigo.

Hobsbawm chegava a se apresentar como "vulgarizador". Mas não nos enganemos: atingir um público amplo significava não satisfazer a curiosidade acrítica do mercado editorial, e sim participar de um esforço formador.

Em grau e forma própria, compartilhava com colegas como Christopher Hill e E. P. Thompson de uma atitude crítica em relação ao que se consideraria próprio a um historiador marxista e, por isso, inovou nos temas e métodos, como ao escrever sobre uma de suas paixões, o jazz.

Aqui, como na obra sobre "A Invenção das Tradições", o interesse é iconoclasta. Trata-se de solapar entidades caras ao neoconservadorismo militante a partir dos anos 1970, descobrindo o lado mistificador de certos apelos ao passado legitimador.

Mais do que expressão do inconformismo racial nos EUA, o jazz é entendido no contexto da história da indústria, em especial a cultural. E tradições importantes da monarquia inglesa são examinadas e diferenciadas dos "costumes" em que se baseia o direito consuetudinário típico da ilha, para evidenciar que nelas o passado aparece como algo justificador da resistência a mudanças perigosas para os poderes constituídos.

Mostra assim aos críticos que o marxismo não precisa ser economicista. Mas o mostra também aos marxistas. Esses são seus grandes legados.

Como seria inevitável, há quem discorde de teses expostas na sua vasta obra. Mas não quem negue que ele foi um dos maiores historiadores marxistas de nossa era, cujos "extremos" parece que só começaram depois de 1991.

DEPOIMENTOS

"Um dos mais lúcidos, brilhantes e corajosos intelectuais do século 20 (...) Quatro meses atrás, Hobsbawm enviou-me uma carinhosa mensagem: 'Diga ao Lula para seguir lutando pelo Brasil, mas não se esquecer jamais da sofrida África.'"
Luiz Inácio Lula de Silva, ex-presidente da República

"Morre um dos maiores historiadores de nossa época. Homem de posições políticas claras, nunca perdeu o amor pela objetividade. Tinha especial interesse pelo Brasil, onde era amplamente relacionado. Mantive com ele relação de admiração e amizade."
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

"Foi um gigante da história política, alguém que influenciou toda uma geração de líderes e acadêmicos. E era um agitador incansável por um mundo melhor."
Tony Blair, ex-primeiro ministro britânico

"Ele se ocupava do passado em função do presente. Seus livros seguem atualíssimos."
Evaldo Cabral de Melo, historiador e diplomata

"Mais do que um dos principais historiadores, foi um dos principais críticos do século 20. Teve coragem de romper com a cronologia estabelecida pelos historiadores."
Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga e historiadora

"Excelente historiador social e um historiador político capaz de fazer grandes panoramas, além de lutar por transformações que levassem a uma sociedade mais justa e igualitária."
José Murilo de Carvalho, historiador e cientista político

"Embora ele tivesse suas convicções, nítidas e assumidas, nunca lhe faltou generosidade com as ideias e posições alheias. O debate cultural vai ficar desfigurado sem sua reflexão histórica."
Nicolau Sevcenko, historiador e escritor

"Por muito tempo, era o único historiador que a gente conseguia ler com prazer. Seus livros eram um balão de oxigênio para quem gostava de história."
Luciano Figueiredo, historiador

"Odiava qualquer tipo de nacionalismo. Era comunista porque sempre pensou no comunismo como um movimento internacional."
Donald Sassoon, professor da Universidade de Londres

 "Era um historiador extremamente talentoso, lúcido, que nunca se furtou de lidar com as questões mais difíceis. Eu o conheci em Cuba, no final de 1967, e me lembro de uma figura independente e extremamente instrutiva. Mesmo que não concordasse sempre com ele, reconheço que foi um dos gigantes."
Todd Gitlin, sociólogo, professor da Columbia University

"Podemos dividir Hobsbawm em dois: um que fala do período que não viveu, que é também o período que não está marcado pela ideologia que ele assumiu, e outro que fala do período que viveu. Concordando-se ou não com a linha histórica que ele representa, ele é um grande historiador quando trata do período que não viveu e um historiador menor ou, pior, um ideólogo da História ao tratar do século 20. Ele permaneceu fiel à União Soviética apesar de suas críticas. Com sua morte, encerra-se um ciclo de escrita da História. Nunca mais teremos um historiador importante, no sentido de qualidade e ser bastante lido, que faça o mesmo caminho de Hobsbawm."
Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP

"Depois dos anos 50, a teoria marxista rapidamente degenerou numa escolástica principalmente porque procurava manter a unidade de um sistema cujas fundações começavam a ser abaladas. Em vez de retornar ao exame das primeiras noções, como aquela da forma de valor, ela procurou sustentar a todo o custo a unidade do sistema. Os historiadores foram a gloriosa exceção dessa mania. Eric Hobsbawm foi o maior deles, acompanhando as novas formas das crises revolucionárias até mostrar como o ciclo das revoluções chegava a seu fim. Exemplo de intelectual engajado que não se aferra à unidade abstrata do sistema."
José Arthur Giannotti, professor emérito de filosofia da USP

"Foi um grande historiador e um escritor de primeira qualidade, capaz de fazer sínteses muito ricas e escrever obras deliciosas. Viveu 95 anos, pode realizar muitas coisas. A única questão que não foi bem resolvida foi o balanço de suas relações como Partido Comunista, mas esse é um ponto pequeno no conjunto de sua obra."
Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da USP

"Ninguém que tenha participado da primeira Flip, em 2003, vai se esquecer da visão de Eric Hobsbawn sendo perseguido por fãs pelas ruas de Paraty e depois dizendo que aquela tinha sido a primeira vez em que fora tratado como um popstar e que tinha gostado. E nem vai se esquecer dele pulando de um barco de pescador para a praia... com seus 80 anos."
Liz Calder, editora inglesa e idealizadora da Festa Literária Internacional de Paraty

Data: 02.10.2012
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