Tubérculo e feijão mais nutritivos estão disponíveis para a alimentação dos brasileiros
EVANILDO DA SILVEIRA | Edição 200 - Outubro de 2012
Revista Pesquisa Fapesp
Alimentos agrícolas mais ricos em vitaminas e nutrientes dos que os consumidos atualmente, como uma mandioca com 40 vezes mais vitamina A do que as comuns, por exemplo, já estão em testes finais de campo no Instituto Agronômico (IAC) de Campinas. Também variedades de oito espécies alimentícias – abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-fradinho, milho, mandioca e trigo – mais ricas em ferro e zinco e com maior resistência a doenças e mudanças climáticas já estão no mercado ou em fase final de desenvolvimento na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Trata-se de um processo chamado biofortificação de alimentos, realizado por meio do método de melhoramento genético clássico, em que se buscam, cruzando diferentes variedades, plantas com, por exemplo, resistência a doenças, alta produção e boas características nutricionais com mais vitaminas e minerais. É um trabalho lento e demorado, que pode se estender por 10 a 15 anos.
A nova mandioca do IAC, chamada IAC 6-01, começou a ser desenvolvida em 2000 e ainda não está completamente pronta para ser repassada aos agricultores. “Entregamos essa nova variedade apenas para alguns produtores cultivá-la como teste”, conta a engenheira agrônoma Teresa Losada Valle, pesquisadora do IAC e responsável pelo seu desenvolvimento. “Se ela não for boa no campo não adianta ter outras qualidades, como maior quantidade de nutrientes.” Teresa lembra que, a rigor, o trabalho de melhorar essa planta da família das euforbiáceas, originária do oeste do Brasil, é a continuidade do que começou a ser feito antes de Pedro Álvares Cabral aportar no país. “As populações indígenas domesticaram a mandioca e nos deixaram um grande legado cultural e biológico: uma planta rústica, muito bem adaptada a todos os ecossistemas brasileiros”, diz Teresa. “Além disso, ela é tolerante aos grandes estresses causados por pragas e por aqueles provocados por agentes não vivos, como seca ou geada, por exemplo, e atende à necessidade da agricultura atual com sustentabilidade e baixo custo.”
Hoje, com uma produção anual de cerca de 27 milhões de toneladas, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial, respondendo por algo em torno de 10% do total global. O estado de São Paulo produz 1 milhão de toneladas por ano, das quais cerca de 120 mil são de mandioca de mesa, o restante é industrial para produção de farinhas e polvilho. “A produção dessa última é feita por pequenos produtores familiares que atendem ao comércio local e regional”, explica Teresa. “Além disso, há uma produção extremamente importante, não contabilizada nas estatísticas oficiais. É a oriunda da agricultura de subsistência moderna, feita nos quintais e pequenas hortas da periferia urbana.
Este segmento não é mensurável e tem um volume de produção inferior à primeira, mas com grande importância socioeconômica, pois é a base da segurança alimentar e geradora de renda de populações carentes.”
A quase totalidade dessa produção é do cultivar IAC 576-70, que começou a ser desenvolvido pela equipe de mandioca do IAC na década de 1970 e está disponível aos agricultores desde 1985. Essa mandioca já possuía níveis de vitamina A maiores que a variedade comum. Foi com ela que Teresa venceu o Prêmio Péter Murányi 2012 – Alimentação, concedido pela fundação de mesmo nome, pela importância social e econômica que a variedade adquiriu ao longo do tempo. Também conhecida como “amarelinha” ou “cinco-sete-meia”, a variedade é resultado do cruzamento do cultivar IAC 14-18, de raízes brancas, também selecionado no IAC, com o SRT 797 – ouro-do-vale, de raízes amarelas, coletado de agricultores rurais, cultivado para consumo próprio e existente no banco de germoplasma do instituto, que reúne material genético de várias plantas. Segundo Teresa, que começou a participar do trabalho de melhoramento dessa planta em 1982, no início foram selecionados indivíduos, resultantes do cruzamento, com alta produtividade, raízes uniformes e resistência a doenças, principalmente à bacteriose causadora de grandes epidemias na região centro-sul do Brasil.
© LÉO RAMOS
Teresa, no IAC: "amarelinha" é resultado também de pesquisas nos quintais das periferias urbanas
A seleção das plantas com mais carotenoides foi feita visualmente na escolha de raízes de cor amarela característica desse nutriente. Em uma segunda fase foi realizada uma seleção para boas características organolépticas (sensoriais), como tempo de cozimento, textura e qualidade da massa cozida. Por fim aconteceu uma avaliação química, para quantificação do teor de vitamina A e de carotenoides, principalmente betacaroteno. Nessa fase foi confirmada a estreita relação entre o teor de carotenoides totais e a coloração amarela, e que a quase totalidade dessa substância presente na variedade era betacaroteno. Teresa explica que há dezenas de carotenoides, que dão a cor amarela aos alimentos vegetais, mas somente alguns são precursores de vitamina A, ou seja, depois de ingeridos se convertem no nutriente e o mais importante é o betacaroteno.
De acordo com Teresa, a mandioca comum, com raízes brancas, tem 20 unidades internacionais (UI) (sistema mundial de medidas para quantificar vitaminas) de vitamina A por 100 gramas de raízes frescas, enquanto a variedade 576-70 tem cerca de 220 UI. Para comparar, a necessidade diária de um adulto é de 2.000 UI. A IAC 6-01, que está sendo desenvolvida a partir do cruzamento da SRT 1221 (vassourinha-amarela) com a IAC 576-70, terá quase quatro vezes mais vitamina A que a 576-70, já no mercado, ou mais precisamente 800 UI. Além disso, as duas (576-70 e 6-01) rendem duas vezes mais na lavoura do que as plantas comuns e são muito mais resistentes a doenças e alterações climáticas e ambientais.
Rede mundial
No caso da Embrapa, o projeto é mais amplo. A empresa participa de uma rede mundial, a HarvestPlus, que agrupa pesquisadores de vários países que trabalham na biofortificação de alimentos. “Utilizando técnicas de melhoramento genético clássico para obter variedades de cultivos com mais nutrientes, a biofortificação foi o meio encontrado pelos cientistas para melhorar a dieta de famílias pobres e dar alternativa de trabalho para pequenos produtores rurais em vários países do mundo”, explica Marília Regini Nutti, líder para o Brasil, América Latina e Caribe do HarvestPlus, e pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, com sede no Rio de Janeiro. “O objetivo é a obtenção de alimentos básicos mais nutritivos.”
O HarvestPlus surgiu em 2002 como uma iniciativa do Grupo Consultivo para a Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, em inglês), com financiamento concedido pela Fundação Bill e Melinda Gates e outros doadores. Hoje o projeto é coordenado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) e pela International Food Policy Research Institute (IFPRI), um instituto fundado em 1975 com o objetivo de encontrar soluções para suprir a necessidade de alimentos nos países em desenvolvimento de maneira sustentável. O HarvestPlus conta com mais de 200 cientistas agrícolas e de nutrição em todo o mundo.
© EMBRAPA
O milho da Embrapa em processo de seleção para ter mais nutrientes
No Brasil, o projeto teve início em 2003, coordenado pela Embrapa e hoje é parte da Rede BioFORT, que congrega mais de 150 profissionais em diferentes áreas do conhecimento em 11 estados. “Por meio dessa rede que a Embrapa criou, interagimos com universidades, centros de pesquisa nacionais e internacionais, associações de produtores, governo, prefeituras e organizações não governamentais”, explica Marília. “O BioFORT tem como objetivo diminuir a desnutrição e garantir maior segurança alimentar, por meio do aumento dos teores de ferro, zinco e vitamina A na dieta da população mais carente.” São oito produtos agrícolas que estão sendo biofortificados pela Embrapa. A meta é produzir variedades de abóbora e milho com altos teores de carotenoides e outros precursores de vitamina A; arroz, feijão-caupi, trigo e feijão com grande concentração de ferro e zinco (o último também com grande resistência à seca); e mandioca e batata- -doce mais ricas em betacaroteno. “Até o momento, desenvolvemos e lançamos 10 cultivares, dos quais três de mandioca e um de batata-doce com maiores teores de betacaroteno, três de feijão-caupi e três de feijão comum mais ricos em ferro e zinco”, conta Marília. “Demoramos cerca de cinco a seis anos para desenvolver cada um, todos por melhoramento genético convencional, sem transgenia.”
Acervo cultural
O trabalho do IAC e da Embrapa não se limita, no entanto, ao desenvolvimento de novas plantas. As duas instituições atuam também para difundi-las entre os agricultores e, por consequência, para a população. “Os projetos HarvestPlus e BioFORT levam em conta todo processo de alimentação do cidadão, desde o momento em que o alimento é produzido até a mesa do consumidor”, diz Marília. “Com esse intuito, considera e analisa a receptividade dos produtores nas comunidades rurais em relação às novas variedades. Para isso, é importante que elas, além dos ganhos nutricionais, apresentem vantagens agronômicas e comerciais.” Com esse objetivo, a Embrapa trabalha em colaboração com diversos países da América Latina, como, por exemplo, o Panamá e a Colômbia. Também já enviou alguns cultivares para teste de adaptação no Haiti e colabora com os países da África e Ásia por intermédio do HarvestPlus.
Alimentos biofortificados podem funcionar como um instrumento inovador para a melhoria da qualidade de vida da população mais pobre, como foi o caso do cultivar IAC 576-70. “O primeiro segmento a ser focalizado foi o de baixa renda, residente na periferia urbana, originada de áreas rurais, em consequência da migração provocada pela modernização da agricultura, na década de 1970”, diz Teresa. “Essas pessoas trouxeram consigo sua cultura, as sementes e o conhecimento das plantas. Dessas espécies, a mais importante foi a mandioca.” De acordo com Teresa, com isso chegou à periferia das áreas urbanas um grande acervo genético, acompanhado pelo conhecimento popular sobre plantas acumulado por séculos, que, se nada fosse feito, seria rapidamente perdido com o passar das gerações e a integração dos filhos dos migrantes à cultura urbana.
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