segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Espanha: Pesquisa rastreia o uso de animais na medicina tradicional

Ainda que em muitos casos sejam medicamentos sem base científica, através da Etnobiologia é possível encontrar novos compostos de utilidade farmacológica

José Pichel Andrés/DICYT 
O Grupo de Investigação de Recursos Etnobiológicos do Duero-Douro (GRIRED) da Universidade de Salamanca está realizando um estudo sobre os usos de animais na medicina tradicional. Este trabalho tem um duplo objetivo. Do ponto de vista etnográfico, é uma recopilação de um saber popular; enquanto do ponto de vista da Farmacologia, oferece pistas para rastrear possíveis compostos que possam ser úteis para a Medicina.

A pesquisa se insere em um ambicioso projeto denominado Inventário Espanhol dos Conhecimentos Tradicionais, que pretende resgatar conhecimentos da medicina popular relacionados com plantas e animais. A maior parte dos cientistas participantes são botânicos, porque os dados de animais são escassos e estão muito dispersos, segundo explicou a DiCYT o zoólogo José Antonio González, membro do GRIRED que é autor de uma das primeiras publicações científicas deste projeto, em colaboração com José Ramón Vallejo, pesquisador da Universidade da Extremadura. Assim, este artigo, que faz referência ao escorpião e acaba de ser publicado na revista científica Journal of Ethnopharmacology, é especialmente original.

“A primeira coisa que fizemos foi buscar na base de dados e consultar as referências bibliográficas, e agora estamos começando a publicar os resultados”, explica o especialista. O caso do escorpião foi um dos primeiros a ser publicados, porque é curioso o amplo leque de remédios que os pesquisadores foram capazes de coletar. Trata-se de remédios preventivos, para evitar a picada do escorpião, e curativos, como tratamento uma vez que a picada tenha acontecido.

Em alguns casos estes remédios se encontram no próprio escorpião. Assim, desde a Idade Média está documentado o uso de óleo de escorpião que se aplica na área afetada, obtido após fritar os próprios escorpiões. Ainda que em princípio seja possível considerá-lo um remédio mágico, os cientistas não encontraram nenhuma publicação que tenha analisado quimicamente este unguento, de modo que não descartam a base científica.

A maior parte dos usos curativos e preventivos no caso dos animais têm a ver com superstições. No entanto, em alguns casos este uso pode ter uma origem empírica, isso é, sua utilização como remédio em determinadas situações está relacionada com sua verdadeira efetividade com base bioquímica.

Dentre as ações tradicionais que buscam evitar a picada do escorpião está o uso de plantas como a arruda e o alho, que por seu cheiro forte espantariam o escorpião, segundo a crença popular. Muito mais variados são os remédios curativos, que além de utilizar o próprio escorpião e de recorrer as mais diversas superstições, também usam as plantam medicinais de cada área. Em alguns casos esta utilização baseia-se em idéias pseudocientíficas como a teoria das assinaturas, que popularmente atribuía propriedades às plantas de acordo com seu aspecto, de modo que uma planta com forma semelhante a de um escorpião deveria indicar que era adequada para tratar sua picada.

Espécies

Uma das metas dos cientistas é relacionar as referências bibliográficas e testemunhais que encontraram com a correta taxonomia das espécies. Por exemplo, recentemente, e graças às análises genéticas, comprovou-se que na península Ibérica existem várias espécies de escorpiões e não apenas uma, como se pensava. Em qualquer caso, na cultura popular este animal é visto como letal e ameaçador, quando na verdade nestas terras, diferentemente de outros continentes, a picada de escorpião não costuma acarretar problemas graves.

Além dos trabalhos científicos, os pesquisadores pretendem realizar uma série de fichas de divulgação com a informação coletada de distintos animais, de acordo com os objetivos do Inventário Espanhol dos Conhecimentos Tradicionais.

Até agora já foram estudados vários animais relacionados com a medicina tradicional: o uso de teia de aranhas para feridas, piolhos contra icterícia ou moscas para terçol. No entanto, algumas destas práticas populares não respaldadas pela Ciência não apenas não resolvem os problemas, como podem acarretar outros problemas de saúde, como a transmissão de doenças, adverte José Antonio González.

Grande variedade de animais e plantas

Em qualquer caso, animais como anfíbios, sanguessugas ou peixes enriquecem este catálogo de remédios populares, ainda que sejam as plantas medicinais as mais indicadas na cultura popular para todo tipo de doenças. “O objetivo é coletar toda essa informação dispersa e oferecer aos farmacologistas e químicos uma lista de animais e plantas com potencial para a pesquisa”, indica o especialista.

Além deste campo relacionado com a Zoologia, os pesquisadores do GRIRED da Universidade de Salamanca possuem uma ampla experiência em trabalhos etnobiológicos na área de Arribes del Duero, que até agora estavam focados na botânica. A ideia é a mesma: preservar os conhecimentos populares como legado cultural e como possível fonte para a descoberta de novos compostos para a Farmacologia.

Referência bibliográfica
González JA, Vallejo JR. The scorpion in Spanish folk medicine: A review of traditional remedies for stings and its use as a therapeutic resource. Journal of Ethnopharmacology. doi: 10.1016/j.jep.2012.12.033

Data: 23.01.2013
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