Pesquisadores norte-americanos conseguem roubar elétrons produzidos durante a fotossíntese para gerar eletricidade. Sistema pode melhorar a eficiência dos painéis solares
As células solares mais avançadas do mundo não são as sofisticadas estruturas fotovoltaicas criadas em laboratório. O sistema com maior eficiência de conversão de energia conhecido pelo homem está nas plantas, que usam o simples mecanismo das folhas para transformar água, gás carbônico e luz solar em alimento. Essa perfeição natural levou um grupo de pesquisadores norte-americanos a trocar o silício pela clorofila e a desenvolver um modelo que usa proteínas vegetais para gerar elétrons a partir da luz. Se der certo, a ideia pode multiplicar a eficiência energética obtida hoje com painéis solares.
Os cientistas da Universidade de Geórgia combinaram uma folha de espinafre com nanotubos de carbono para formar um sistema híbrido. Enquanto a matéria natural faz o trabalho de liberar elétrons, o elemento artificial capta as partículas para gerar eletricidade. "Desenvolvemos uma forma de interromper a fotossíntese e, assim, podemos capturar os elétrons antes que a planta os use para fazer açúcares", explica, em um comunicado à imprensa, Ramaraja Ramasamy, professor da Escola de Engenharia da instituição e principal criador das células de energia verde. O sistema foi descrito na revista especializada Journal of Energy and Environmental Science.
Os elétrons usados para formar a corrente elétrica são originados na quebra dos átomos de hidrogênio e de gás carbônico absorvidos pela planta. Normalmente, a folha usa a luz solar como catalisadora para fazer o processo químico que resulta em oxigênio e nutrientes. "O CO2 que está na atmosfera e a água liberam O2, e os elétrons do hidrogênio se juntam com o carbono num ciclo que usa os compostos para gerar glicose. Esse é o modelo básico da fotossíntese", ensina Paulo Salles, professor do Núcleo de Educação Científica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB).
Com os elétrons deslocados nessa reação, as plantas produzem glicose, lipídio, proteínas e vitaminas. É esse processo que possibilita o crescimento da planta e marca o ponto inicial do ciclo de energia natural que circula entre vegetais, herbívoros e carnívoros. "Eles (os pesquisadores) estão pegando esse meio em que a clorofila gera elétrons em movimento e desviando as partículas para um gerador de energia", aponta Salles.
A fonte criada pelos norte-americanos usa como matéria-prima os tilacoides, proteínas que capturam e transformam a energia solar nas folhas (veja infografia ao lado). A estrutura é ligada a várias camadas de nanotubos de carbono, 50 mil vezes mais finos que um fio de cabelo. A cobertura age como condutor elétrico entre a proteína e o fio que leva a energia ao circuito.
A carga obtida ainda não é suficiente para alimentar uma residência, mas é cerca de 10 vezes maior que os resultados de outros experimentos energéticos feitos com plantas. Diversos grupos de pesquisa já chegaram a usar cactus e algas ainda vivos para domar o processo da fotossíntese. Em um caso, usaram-se biocélulas fabricadas com eletrodos modificados por enzimas. O modelo mostrou não ser aplicável na geração de energia e foi adaptado para uso em implantes médicas autossuficientes. No outro, as plantas marinhas foram plugadas a eletrodos de ouro —, mas o sistema caro resultou em uma energia muitas vezes menor que a de uma pilha comum, além de matar as células e encerrar a produção de força.
Expectativas
Se a equipe da Universidade de Geórgia obtiver ao menos metade dos resultados alcançados pelas plantas com o modelo dos nanotubos de carbono, o avanço tecnológico já será impressionante. Enquanto uma célula fotovoltaica artificial comum consegue converter entre 17% e 20% da luz solar que incide sobre ela, uma planta pode operar a uma eficiência de 100%. "(Nas células solares), uma parte da luz é refletida. Não tem como usar tudo", aponta Arno Krezinger, coordenador do Laboratório de Energia Solar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De acordo com o especialista, algumas pesquisas já conseguiram criar células em laboratórios com eficiência de 30%. Esse tipo de resultado é obtido com equipamentos que acumulam várias camadas de condutores ou usam materiais mais modernos para absorver a maior quantidade de raios solares possível. Mas painéis fotovoltaicos têm uma limitação: o modelo combina materiais para formar um campo elétrico, que nem sempre responde de forma proporcional à energia absorvida. "O fóton da luz solar tem energia que, quando bate no elétron, arranca ele dali. Mas, mesmo os fótons com o dobro de energia só conseguem arrancar esse único elétron, e o resto da energia não é absorvida", ressalta Krezinger.
Os criadores da célula de espinafre não sabem dizer quando o equipamento deve chegar ao mercado, porém acreditam que a tecnologia encontre aplicações em breve em sensores ou outros eletrônicos portáteis que exigem menos energia. No entanto, seriam necessários mais estudos para aproveitar todo o potencial energético do modelo. "Se pudermos avançar com tecnologias como a engenharia genética para aumentar a estabilidade das peças da planta fotossintética, tenho grandes expectativas de que essa tecnologia será competitiva com painéis solares no futuro', compara Ramasamy.
As folhas como fonte de inspiração
O professor Daniel Nocera, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), baseou-se na eficiência energética das plantas e criou um sistema que gera energia ao reproduzir o processo de fotossíntese executado pelas folhas. Da mesma forma que os vegetais, o invento divide moléculas de água com a ajuda da luz do Sol para criar uma corrente de energia.
O modelo é formado por silício e duas camadas de catalisadores de elementos de baixo custo. Em contato com a água, as placas formam pequenas bolhas de hidrogênio e oxigênio, dois combustíveis eficientes. O químico acredita que o modelo gere força o suficiente para o armazenamento em células, que poderiam suprir a necessidade por eletricidade à noite — pouco mais de uma garrafa de água e sol são o suficiente para manter uma casa pequena.
Os gases liberados pelo processo também podem ser usados para abastecer automóveis. Por enquanto, a fabricação das folhas artificiais ainda tem um custo quase igual ao das células solares comuns, mas pode chegar ao mercado assim que o design se tornar mais barato.
Texto: jornal Correio Braziliense
Data: 06.06.2013
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