[EcoDebate] Um engenheiro acampado com sua equipe às margens de um rio na Amazônia foi alertado por um pescador que o rio iria subir com a chuva, mas respondeu que ele não se preocupasse porque “nossos instrumentos não detectaram sinais de chuva para essa noite”. Durante a madrugada, tiveram de se mudar às pressas, já em meio à chuva. Intrigado, no dia seguinte o engenheiro procurou o pescador para saber como ele poderia saber que ia chover, se os próprios aparelhos não haviam detectado a precipitação. Então o pescador respondeu: “O senhor está vendo aquelas formigas ali? Quando elas se mudam do formigueiro de baixo para o de cima, é porque vai chover. E esse instrumento não falha nunca”.
Essa história verídica é uma das muitas contadas no livro da jornalista Marília de Camargo César, “Marina, a vida por uma causa”, sobre a história de vida da líder ambientalista cuja infância foi vivida como seringueira, no meio do mato acreano, sem conhecer luz elétrica na primeira década de sua vida, até ser levada para Rio Branco para fazer tratamento de saúde. Histórias ricas em sabedoria da natureza e sua tecnologia natural desenvolvida ao longo de milhares de anos, tal como as antenas das formigas, que nenhum instrumento criado pelo homem consegue igualar. E só quem vive em harmonia com a natureza é capaz de colher dela conhecimentos que poderiam se tornar úteis a todos. É o caso dos índios, mas o que o país fez deles?
Estima-se que até 3 milhões de índios viviam no Brasil há cinco séculos, restando hoje cerca de 300 mil em aldeias (segundo a Funai), com muitas de suas tribos já extintas, e 900 mil com etnia indígena pelo censo do IBGE, a maioria já aculturados. Em “Brasil: uma história”, Eduardo Bueno (jornalista gaúcho conhecido como “Peninha”) nos lembra que “ainda assim, os povos remanescentes constituem 215 nações e falam 170 línguas diferentes”. Sua expectativa de vida é de apenas 45 anos, a mortalidade infantil de 150 para cada mil nascidos e a ameaça de extinção os persegue. Os mais numerosos são os Ticuna (23 mil índios), os Xavante e os Kayapó. Peninha narra o drama vivido pelos Guarani-Kayowá: “Agrupados em reservas improdutivas, submetidos a um regime de trabalho semi-escravo e despojados de suas tradições, 236 Kayowá se mataram em menos de uma década… Com suas reservas ameaçadas também pela usina de Belo Monte, ameaçam tirar a própria vida”.
Se a natureza tem uma rica tecnologia que sequer somos capazes de imaginar, como as antenas das formigas, imaginem o que todos perderemos com a extinção dos índios e de sua cultura. Chocante por si só, o genocídio dos índios nos últimos cinco séculos não sensibilizou a sociedade a ponto de que esta exija dos seus governantes a proteção destes e a preservação de sua cultura. Talvez se tivermos uma vaga ideia do que todos estamos perdendo é que possamos nos interessar mais pelo assunto.
Medicamentos, cosméticos e toda uma sorte de produtos naturais extraídos da flora amazônica se tornam cada vez mais mundialmente conhecidos, alguns produzidos por empresas brasileiras, outros por biopirataria. Na mais “moderna” forma de colonialismo em pleno século XXI, espécies brasileiras – principalmente da Amazônia – são patenteadas por empresas estrangeiras. A japonesa Nippon Mektron detém uma patente de remédio extraído da espinheira santa, a indústria farmacêutica alemã Merk tem a patente da planta jaborandi. Enquanto o Congresso Brasileiro descaracteriza o próprio Código Florestal, abrindo as portas para a devastação da Amazônia, e fecha os olhos ao genocídio indígena, as riquezas naturais são saqueadas.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 11/04/2014
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