sexta-feira, 23 de maio de 2014

São Paulo abriga os quatro sorotipos do vírus da dengue

Por Lara Deus - lara.deus@usp.br

Publicado em 23/maio/2014 
Para diminuir casos da doença, o vetor Aedes aegypt tem de ser controlado

Atualmente, na região macropolitana de São Paulo, circulam os quatro sorotipos do vírus da dengue. Isto indica que há hiperendemicidade da doença no Estado de São Paulo. Além disso, já há casos de infecção por dois destes sorotipos ao mesmo tempo, o que pode estar envolvido em manifestações graves da doença. Com esta situação, semelhante ao que acontece na Ásia, o risco de infecção em crianças aumenta. As constatações são de uma pesquisa feita no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em parceria com a Faculdade de Medicina de Jundiaí, Prefeitura Municipal de Jundiaí, Prefeitura Municipal do Guarujá e um laboratório particular da região.

“É a primeira vez que uma cidade do tamanho de São Paulo enfrenta este tipo de situação. A maior cidade do hemisfério sul agora tem os quatro sorotipos da dengue. Isso não é uma boa notícia”, explica Paolo Zanotto, professor do Departamento de Microbiologia do ICB e um dos coordenadores da pesquisa. O estado de hiperendemicidade ocorre quando existe a cocirculação de todos os sorotipos do vírus em alta prevalência infectando pessoas em uma área. No caso da dengue, hoje cocirculam na região paulista todos os tipos encontrados no País: o DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Esta situação é mais grave quando se dá em áreas populosas, como é o caso de São Paulo.

A constatação levou os pesquisadores a anteverem uma possível mudança de perfil epidemiológico dos afetados pela dengue. Devido ao acúmulo de imunidade contra vários sorotipos do vírus em pessoas mais velhas, os jovens podem se tornar a faixa etária que mais manifesta a doença. Segundo Zanotto, a situação é semelhante à da Ásia, onde o perfil epidemiológico também mudou em 1950. Agora, o professor avalia que o único modo de controlar o surto nas próximas semanas seria a queda da temperatura ambiental, que reduziria a taxa de reprodução do mosquito Aedes aegypti, o vetor do vírus. Mesmo com a estiagem que São Paulo enfrentou neste primeiro semestre, “[o mosquito] consegue infestar locais de menor precipitação”, comenta ele.

O estudo iniciou em 2011 e está em fase de preparo de manuscritos e de reformulação de objetivos para uma nova etapa. Ele foi desenvolvido durante o doutorado de Julian Villabona Arenas, no ICB, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que vem publicando trabalhos sobre surtos urbanos. Recentemente, por meio de sequenciamento massivo de última geração, o grupo identificou os sorotipos DENV-1 e DENV-4, ao mesmo tempo, no sangue de um mesmo paciente, o que já foi também observado na Ásia. “Não sabemos quais as implicações da superinfecção para a patogenia e a epidemiologia da dengue ”, explica Villabona-Arenas. Além disso, em um recente trabalho da equipe, foram detectados recombinantes de vírus da dengue de um mesmo sorotipo causados por superinfecção.

A pesquisa busca entender como funciona o tráfego do vírus da dengue na região macropolitana de São Paulo. Assim, os estudos foram feitos na cidade de Jundiaí, no limite a noroeste da área, e em Guarujá, no litoral Sul. O professor explica que foram detectados vírus isolados em ambas as cidades que são relacionados, e conclui que “linhagens virais estavam sendo trocadas entre Jundiaí e Guarujá, ou seja, era plausível haver vírus passando pela Grande São Paulo, o que ficou evidenciado pelo aumento recente de prevalência na região, percebida pela população geral”.

As análises

Em pronto-socorros destas cidades, pessoas com suspeita de dengue tiveram amostras de sangue coletadas. Com elas, os pesquisadores fizeram um exame chamado imunocromatografia, para detectar a presença de três moléculas: os anticorpos IGg, IGm e a proteína viral NS1, no sangue dos pacientes infectados com algum vírus da dengue. Caso haja IGm detectável no sangue, a conclusão é que há uma infecção recente. Se houver NS1, é sinal de que a pessoa ainda está com o vírus replicando nela no momento da coleta. Já no caso de haver IGg, conclui-se que a pessoa já foi infectada por algum outro sorotipo do vírus anteriormente.

Depois destas constatações, as amostras eram enviadas para uma segunda análise. Nesta etapa, foi feito o sequenciamento do material genético do vírus. Assim, pôde-se constatar a presença de todos os quatro sorotipos do vírus da dengue nos pacientes.

Nas próximas fases da pesquisa, os pesquisadores tentarão entender melhor as mutações que o vírus sofre, por meio de seu cultivo em células, bem como em compreender como a dengue se espalha, levando em conta fatores ambientais, socioeconômicos e clínicos dos pacientes.

Imagem: Wikimedia Commons

Mais informações: email pzanotto@usp.br

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