quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O Ensino de Ciências na Bahia II

29/10/2014

Projeto de horta, de horto, de dança. Jardim de plantas do semi-árido, plantas medicinais. Todo o ensino de ciências é desenvolvido a partir da experimentação na Escola Municipal Umburana, em Senhor do Bonfim, cidade com 80 mil habitantes a quase 400km da capital da Bahia. Na escola do campo, há 11 professores, 15 funcionários e 210 estudantes. Trabalham com o método científico, levantando hipóteses, fazendo a verificação experimental e pesquisas bibliográficas. 
Isso é possível através de um trabalho conjunto com as universidades próximas - Universidade do Vale do São Francisco (Univasf) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), que colaboram oferecendo experimentoteca, laboratórios e aulas itinerantes. "Em contrapartida, nossa escola é útil para as universidades como espaço experimental para trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses", conta a professora Elisângela dos Santos Silva que apresentou seu trabalho com alunos do 6º ao 9º ano durante o X Seminário ABC na Educação Científica, promovido pela Academia Brasileira de Ciências e realizado na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). 

Referindo-se a um trabalho sobre ervas medicinais, a professora relatou que o conhecimento popular, levado pelos alunos e funcionários, foi considerado na formulação das hipóteses e que todos trabalharam como uma equipe. 

"Os alunos entrevistaram os familiares sobre os tratamentos naturais. Eles digitaram as receitas no único computador da escola e levaram as plantas. Cada um ficou responsável por cuidar do espécime que levou. Foram todos plantados e os alunos criaram um sistema de irrigação com garrafas pet e arame", informou Elisângela. O trabalho foi crescendo e o grupo de estudantes desenvolveu um mapa do povoado. "Eles entrevistaram todas as pessoas que puderam para levantar mais informação sobre as plantas medicinais e conseguir mais mudas. Agora, estamos produzindo um livro."

Considerando que a escola não tem internet e que os livros existentes são velhos e desatualizados, o trabalho da equipe é realmente um sucesso. Para tanto, as atividades vêm contando com o apoio de outros professores, também participantes do Programa ABC na Educação Científica, que atuam em escolas maiores e fazem doações. "Nós mostramos nossos resultados em todos os eventos e congressos que podemos. Assim, podemos conseguir mais apoio", argumentou Elisângela. 
"Eu acredito que o aluno não é apenas um espectador e que o professor aprende muito mais do que ensina. Acredito no professor que provoca a curiosidade de seus alunos, acredito em uma educação pública de qualidade", afirmou Elisângela, que é licenciada em ciências da natureza pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Ela cursa pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável do Semiárido com Ênfase em Recursos Hídricos pelo Instituto Federal Baiano (IF-Baiano) e em Docência no Ensino Superior pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). É supervisora do Programa Institucional do Programa de Iniciação à Docência do curso de Licenciatura em Ciências Agrárias (PIBID/LICA) do IF-Baiano. 

Qualificando professores de escolas em Itabuna
No ano de 2009, a professora Taciana Gama passou a integrar a coordenação do Programa ABC na Educação Científica - Mão na Massa, que foi implantado na Secretaria de Educação de Itabuna, na Bahia, para atender crianças de 8 a 13 anos do ensino fundamental, como projeto de extensão da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Esse programa da Academia Brasileira de Ciências tem origem nas políticas de educação francesa, especificamente o programa "La main a la patê", conduzido na Bahia com a assessoria da Centro de Divulgação de Ciência e Cultura da Universidade de São Paulo (CDCC/USP).

Na Secretaria de Educação de Itabuna, Taciana trabalha com Daniela Dias Borges na formação de professores. O trabalho foi iniciado numa escola piloto - o Centro de Atenção Integral a Criança Jorge Amado (CAIC), onde mantinham encontros formativos quinzenais com professores e alunos na execução das agendas. Depois, houve uma tentativa de expansão - são 1443 escolas na região de Itabuna -, mas Taciana contou que encontraram muita resistência dos professores. "Eles diziam que implementar essa metodologia 'dá muito trabalho', que é mais difícil, têm preencher muitos relatórios... enfim, não tinham interesse." 

Ela explicou que a realidade escolar na região é muito precária. "Tem escolas que nem ensinam ciências, cumprem o horário com mais aulas de português, mais matemática... Conseguimos apenas mais duas escolas interessadas - a Escola Raimundo Jerônimo Machado e o Centro Social Urbano (CSU)", relatou Taciana, acrescentando que quando os diretores são comprometidos, fica mais fácil. "Tem diretores que dizem que querem que sua escola participe, mas não liberam os professores na hora da formação. O calendário escolar não contempla o projeto, então nunca há tempo, porque tem festa disso, reunião daquilo... E os professores têm muita dificuldade."

Persistentes, Taciana e Daniela começaram, em 2011, a fazer o trabalho direto com as turmas, tentando envolver os professores. Mas embora os alunos adorassem as atividades, os professores não se envolviam. "Não tínhamos recursos, não tínhamos apoio, não tínhamos ajuda", recorda Taciana. A partir de 2012, então, começaram a tentar trabalhar em parceria com professores da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), principalmente através da professora Sandra Abreu e com os professores Luciana Sá, Viviane Briccia e Geraldo Fonseca. A parceria com Angelina Orlandi, do CDCC-USP, também ajudou. 

Uma vez por semana, três professores da UESC passaram a ir para Itabuna e se reunir com estagiários da Secretaria. Discutiam os desafios do dia a dia na escola e a interação ajudou muito. Os estagiários replicavam as discussões nas escolas e a multiplicação foi acontecendo. "No programa ABC na Educação Científica os professores são convidados a participar, não são obrigados. Há muitos projetos do governo federal, por exemplo, que as escolas têm, obrigatoriamente, que implementar", observou Taciana. E aí o trabalho deslanchou. "Em 2013 houve a inserção de 16 escolas no programa, com revezamento de oito a cada semestre", relatou a professora. 
Na visão de Daniela Dias Borges, que é coordenadora pedagógica do Programa ABC na Educação Científica - Mão na Massa pelo projeto de extensão da UESC, seu primeiro contato com o programa foi inspirador: ela logo percebeu que ele "cabia bem" no cotidiano daqueles alunos. "E hoje vejo como é importante que a metodologia do ensino de ciências por investigação seja transformada numa política pública, de Estado. Os alunos adoram, porque todas as atividades sempre começam sempre de coisas que eles veem no cotidiano. Eles dizem que 'aprender parece brincadeira'."

Pedagoga graduada, com especialização em educação infantil pela UESC, Daniela já deu aula na pré-escola, na educação de jovens e adultos (EJA) e coordenou outros programas na Secretaria de Educação de Itabuna. Ela constata que, entre 2008 e 2014, muitos foram os avanços. "Os professores estão aos poucos abraçando o programa. Agora, precisamos de políticas públicas para garantir sua expansão e manutenção. A parceria com a universidade é fundamental, através dela conseguimos validar nosso trabalho. E a aproximação da universidade com a comunidade é muito importante, até para abrir os horizontes dos alunos, que passam a considerar a possibilidade do ensino superior como mais acessível para ele", concluiu a coordenadora. 

Educação científica através da investigação em Salobrinho
Professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Viviane Briccia foi uma das organizadoras do X Seminário Nacional do Programa ABC na Educação Científica. Formada em física e doutorada em educação pela Universidade de São Paulo (USP), tem experiência docente na disciplina de física no ensino fundamental, médio e superior. Atualmente, tem especial interesse na formação de professores de ciências através do ensino por investigação.

Seu trabalho na UESC é muito novo ainda. Viviane está construindo uma equipe de pesquisa, que no momento conta com quatro alunos de mestrado. A carga horária é pequena, mas eles têm difundido muito a questão do ensino por investigação, inclusive através de atividades de formação continuada que têm desenvolvido com professores da Escola Municipal do Salobrinho, bairro carente próximo da UESC. "Os professores de lá têm muito interesse, foi deles a iniciativa de procurar o apoio da universidade."

As atividades de formação estão indo de vento em popa - já desenvolveram três tópicos: o ar, a fotossíntese e uma discussão sobre o ensino por investigação versus o ensino tradicional. "Nas formações, os professores agem como aprendizes, realizam as atividades e depois trabalhamos questões teórico-metodológicas. Além disso, fazemos um acompanhamento das suas atividades de ensino por investigação nas salas de aula". 

Viviane conta que os estudos envolvem um processo de alfabetização científica, de acordo com o contexto local, a construção de argumentações científicas e a inserção da astronomia nos anos iniciais. "Trabalhamos muito com leitura e literatura infantil no primeiro segmento", informou a pesquisadora.

Articulando pesquisa e ensino, a equipe de Viviane Briccia é responsável por dois novos cursos de mestrado na UESC desde 2013: um em ensino de ciências (PPGEC) e outro de formação de professores da educação básica (PPGE).

Elisa Oswaldo-Cruz para Notícias da ABC)

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