[EcoDebate] A economia mundial cresceu como uma bolha nos últimos 200 anos, desde o início da Revolução Industrial e energética dos combustíveis fósseis. O petróleo foi o escravo barato que possibilitou o maior crescimento econômico e demográfico de toda a história da humanidade. Máquinas, iluminação e transporte movidos pelo uso de energia fóssil, substituindo a força humana e animal, possibilitaram um grande salto da civilização humana. A população mundial passou de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em 2011 (crescimento de 7 vezes) e a economia internacional cresceu 90 vezes no período. Ou seja, em 211 anos a renda per capita cresceu 13 vezes, enquanto nos 1800 anos anteriores tinha crescido apenas 1,3 vezes. (ALVES, 2013).
Este “milagre” do crescimento só foi possível porque a natureza nos deixou de herança uma riqueza inestimável. Segundo Abramovay; “A eficiência energética do petróleo é, até hoje, inigualável: três colheres contêm o equivalente à energia média de oito horas de trabalho humano. O crescimento demográfico e econômico do século 20 teria sido impossível sem esse escravo barato” (Abramovay, 2011). Segundo Price (1995): “A energia extrasomática usada por pessoas ao redor do mundo é igual ao trabalho de cerca de 350 bilhões de pessoas. É como se cada homem, mulher e criança no mundo tivesse 50 escravos à disposição. Em uma sociedade tecnológica, como os Estados Unidos, cada pessoa tem mais de 200 dos tais ‘escravos fantasmas’”.
Porém, o uso abusivo de todo o potencial desta herança energética deixou um rastro de poluição na terra, na água e no ar e, depois de tornar a sociedade viciada no consumo, esta energia está acabando. Considerando apenas o efeito deletério sobre as mudanças climáticas, podemos afirmar que a queima dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás) emite gases de efeito estufa (GEE), como o CO2, que provocam o aquecimento global. Quanto maiores forem as emissões maiores serão os efeitos na instabilidade do clima, com chuvas torrenciais, secas prolongadas, furacões, acidificação dos solos, lagos e oceanos, elevação do nível do mar, perda de áreas produtivas da agricultura, etc.
A economia mundial não funciona sem petróleo e demais combustíveis fósseis. É mais ou menos como o bêbado e fumante que não vive sem a bebida alcoólica e o cigarro, mesmo sabendo que a permanência destes vícios vai destruir os seus órgãos internos como fígado, coração, rim e pulmão.
Uma notícia relativamente boa para nossa sociedade internacional viciada e mal-acostumada com a herança energética acumulada durante milhões de anos é que os combustíveis fósseis vão acabar algum dia e o vício vai ser eliminado pela falta de insumos energéticos. Com o fim da compulsão e da poluição provocada pelo petróleo e cia, a natureza poderia iniciar um processo de recuperação no longo prazo.
Mas a notícia ruim é que a economia mundial pode sofrer, além de uma “crise de abstinência”, uma grande crise financeira, gerando desemprego, fome, pobreza, etc. Crise esta que pode ocorrer antes mesmo do Pico de Hubbert, pois o petróleo barato já foi extraído e o custo de exploração das novas reservas é muito alto. A produção convencional de petróleo cru atingiu seu pico em algo como 75 milhões de barris. Cerca de 60% da oferta mundial vem de países cuja produção já não cresce. Na Arábia Saudita, 90% do petróleo vem de poucos poços já cinquentões e, como a demanda interna cresce muito, já existem previsões que indicam o fim das exportações sauditas antes de 2030.
A extração do petróleo não convencional, que parecia a salvação das pátrias, tem acumulado uma série de notícias ruins tanto em termos ambientais, quanto em termos econômicos. A produção do gás de xisto e das areias betuminosas nem de longe deve acompanhar a demanda e suas perspectivas são cada vez mais postas em questão em termos de viabilidade financeira.
Notícia do jornal Valor (31/01/2014) mostra que três das maiores companhias petroleiras, Chevron, Exxon Mobil e Shell, gastaram mais de US$ 120 bilhões no ano passado para aumentar sua produção de petróleo e gás – praticamente o mesmo custo de enviar um homem à Lua hoje – mas com poucos resultados. A produção caiu e os lucros das empresas também. Um dos principais problemas é o custo dos novos “megaprojetos” necessários para substituir os campos cujas reservas estão se exaurindo. A queda das ações neste início de fevereiro de 2014 já é o prenúncio de dificuldades ainda maiores.
As dificuldades enfrentadas pela Petrobras não são menores e a maior empresa brasileira que tinha um valor de mercado de US$ 125 bilhões no fim de 2012 passou para US$ 90 bilhões no final de 2013. Com a queda da produção de petróleo e dos lucros, as ações da Petrobras continuam perdendo valor em 2014. A Petrobras é considerada a empresa mais endividada do mundo. A sua dívida cresceu rapidamente devido aos investimentos de US$ 237 bilhões para a produção offshore. Se os retornos do pré-sal falharem, a Petrobras e o Brasil estarão em apuros. No entanto, o destaque das perdas cabe a outra empresa brasileira do ramo de óleo e gás, a OGX, do ex-bilionário Eike Batista, que viu seu valor de mercado despencar 95,4%.
Os analistas internacionais falam que a “bolha de carbono” pode aprofundar uma nova crise financeira mundial, pois os mercados estão investindo pesado em reservas de combustíveis fósseis, mas devido ao alto custo de extração e por serem incompatíveis com a segurança climática, podem nunca vir a ser usadas. Segundo o instituto britânico Carbon Tracker, a “bolha de carbono” é o resultado de um excesso de valorização pelos mercados globais das reservas de carvão, gás e petróleo detidas por empresas de combustíveis fósseis.
As empresas que trabalham com estes combustíveis possuem ativos em torno de US$ 6 trilhões. Se todo este investimento conseguir extrair petróleo, gás e carvão as emissões de CO2 vão provocar uma aceleração do aquecimento global e uma grave crise ambiental. Caso todas as reservas atuais forem queimadas, haverá emissão de CO2 suficiente para criar um clima pré-histórico. Mas se houver acordos internacionais para conter a emissão de GEE então haverá uma crise financeira, com a desvalorização destes ativos.
O mundo desenvolvido tem lutado para sair da crise econômica desde 2008, mas embora o crédito e o endividamento tenham aumentado de forma perigosa, a recuperação continua uma miragem. Os chamados países emergentes que apresentavam bom crescimento econômico e se beneficiaram da oferta de dólares e dos juros baratos, agora enfrentam dificuldades crescentes. O otimismo dos BRICS tem sido substituído pelo pessimismo dos “cinco frágeis” (Índia, Indonésia, Brasil, Turquia e África do Sul).
Enfim, a economia internacional já não vai bem em seus fundamentos básicos. Os mercados emergentes submergiram. As bolsas de valores estão caindo no mundo todo. Mas a situação pode piorar no longo prazo, na medida em que se tiver que escolher entre uma crise ambiental ou uma crise financeira em decorrência dos elevados custos de extração de petróleo e gás. Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Parece não existir muitas outras alternativas para resolver o problema da “bolha de carbono”.
Referências:
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 05/02/2014
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