Idec e demais organizações da sociedade civil alertam, em manifesto, sobre risco de cultivo de eucalipto transgênico no país. Espécie é capaz de contaminar desde a produção de mel até plantações de alimentos. Proposta será votada em 5 de março e pode afetar mercado e consumidores que serão expostos a um produto potencialmente inseguro
Foi encaminhado ontem (02/03) ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, e à Presidente substituta da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), Maria Lucia Zaidan Zagli, um manifesto contra a liberação da comercialização de eucalipto transgênico (variedade H421) no Brasil, considerando os grandes riscos relacionados à contaminação genética de plantações convencionais, perdas econômicas na produção de mel, ameaças à saúde e comprometimento de recursos naturais.
O pedido de autorização de plantio da espécie geneticamente modificada foi feito à CTNBio pela empresa FuturaGene/Suzano, com objetivo de aumento da produtividade do eucalipto para a indústria de papel e celulose. A autorização será votada em reunião da CTNBio em 05/03 e, se aprovada, levará ao descumprimento da legislação brasileira e de acordos internacionais, como a CBD (Convenção da Biodiversidade), que pede a realização de análises de riscos rigorosas quanto à liberação de OGMs (Organismos Geneticamente Modificados), como os transgênicos, no país e o estabelecimento de regras rigorosas que inviabilizem a contaminação genética de outras culturas pelos mesmos.
Um dos grandes riscos da variedade transgênica em questão é a contaminação de plantios convencionais de eucalipto que subsidiam, seja em maior ou menor grau, praticamente toda a produção de mel no Brasil, com efeitos que a CTNBio alegou não serem possíveis de serem estudados. Segundo análise do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) apresentada durante uma Audiência Pública promovida pela CTNBio, os documentos fornecidos pela FuturaGene apresentam falhas que não permitem que se conclua se a planta modificada em questão é ou não segura para as abelhas. Um dos genes inseridos no DNA deste transgênico produz uma substância antibiótica e a presença desta substância nas colmeias poderá selecionar bactérias que causam doenças resistentes a antibióticos e que poderão causar a longo prazo doenças de difícil controle nas abelhas.
Além disso, o pólen produzido pelas árvores transgênicas, ao ser consumido e processado pelas abelhas, pode vir a causar efeitos indesejáveis nestas e, possivelmente, nos seres humanos que se alimentarem de seus produtos, pois os genes inseridos artificialmente podem se expressar com erros, produzindo moléculas que o organismo não faz em condições naturais, inclusive toxinas e substâncias alergênicas. A ausência de certeza científica sobre efeitos do consumo de néctares, pólen e produtos semelhantes sob estas condições e a incapacidade de resguardar o mel de contaminação transgênica, portanto, agravam a possibilidade de riscos para a saúde humana e de organismos diversos no ambiente onde se plantará esta variedade.
Tendo em vista o conjunto de incertezas que a liberação representa à saúde dos consumidores, ao equilíbrio ambiental e possibilidade de ocorrência de sobreposição de interesses comerciais aos direitos dos consumidores, à proteção do meio ambiente e da saúde da população, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) entende que, no caso em questão, deva prevalecer o princípio da precaução, previsto na Constituição Federal, para análise desses casos de liberação comercial e ainda de garantia a produtos seguros como disposto no Código de Defesa do Consumidor.
O impacto na produção
O eucalipto é a principal fonte de néctar e pólen para a apicultura (produção de mel) no Brasil, principalmente nos estados do Sul, Sudeste e Nordeste (Sul da Bahia). O mel contém cerca 1% de pólen e estima-se que quase todo o mel produzido possui pólen de eucalipto como dominante em sua origem.
A apicultura é uma atividade econômica expressiva no Brasil, que consta como o décimo maior produtor de mel do mundo. Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), metade da produção brasileira de mel é em grande parte vinda da agricultura familiar, envolvendo cerca de 500 mil apicultores, e destinada à exportação. Portanto, sua exposição à contaminação – que resultaria na necessidade de rotulagem do mesmo com o selo de transgênico ou a retirada dos mesmos da categoria de mel orgânico ou agroecológico – e a consequente desvalorização do produto, representaria um grande prejuízo para o país, produtores e também consumidores, que terão acesso a um produto de pior qualidade e potencialmente inseguro.
Problemas aumentados
A cultura de eucalipto admite o uso de agrotóxicos em grande quantidade, como os à base de glifosato e de sulfluramida (cancerígeno), ambos alvo de acordo na Convenção de Estocolmo, da qual o Brasil é signatário, e que dispõe sobre os riscos da utilização e comercialização dos mesmos no país. Sabe-se que as abelhas são especialmente sensíveis aos efeitos de agrotóxicos durante o processo de polinização, levando ao declínio de enxames e da polinização natural em culturas que não só as produtoras de mel, como a produção agrícola de alimentos (feijão, abóbora, pepino, tomate e outros) e flora silvestre em geral, que dependem das mesmas para sua reprodução.
Além disso, o cultivo de eucalipto, em especial desta variedade transgênica, promove um alto consumo de água, o que pode alterar o balanço hídrico da microbacia na região onde se realizar o plantio, fato que chama a atenção para o incentivo à expansão de um cultivo voltado para indústria em cenário de crise hídrica e possível escassez de água para consumo humano.
Mobilização no Brasil sobre o caso
Foi feito no mês passado pelo Idec, em conjunto com especialistas em biotecnologia consultados, um alerta em relação aos riscos ambientais, biológicos e econômicos do plantio do eucalipto geneticamente modificado do tipo H421. A solicitação – encaminhada por carta às empresas FuturaGene, ArborGen Tecnologia Florestal Ltda., International Paper do Brasil Ltda. e Fibria Celulose S. A.; e ao Ministério da Casa Civil (MCC), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e à diretora executiva do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC) – pediu que todos os pedidos de liberação da espécie feitos junto à CTNBio fossem retirados, em especial o de liberação comercial. As empresas FuturaGene e Fibria responderam de forma evasiva, enquanto as empresas ArborGen e International Paper do Brasil sequer se pronunciaram.
Essa mobilização do Instituto, em oposição aos eucaliptos transgênicos, foi motivada após a visita do maior especialista em OGM da atualidade, o americano Jeffrey Smith, ao Idec no final do ano passado.
Confira o manifesto, com a assinatura de várias organizações, no site do Idec.
Publicado no Portal EcoDebate, 03/03/2015
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