Rômulo de Mello, médico antroposófico, afirma que comer mal pode afetar nossa força de vontade.
O alimento vivo é aquele que tem a luz do sol. Nos industrializados, essa luz solar é destruída, alerta Silva.
A medicina antroposófica lança um olhar diferenciado sobre o indivíduo e as enfermidades mais comuns dos nossos dias, como a depressão. Para Rômulo de Mello Silva, médico e professor no curso de formação em medicina antroposófica da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA), muitas doenças podem estar vinculadas ao mau funcionamento do nosso fígado, o qual é causado por hábitos alimentares pouco nutritivos e muito calóricos. Rudolf Steiner e Ita Wegman fundaram a medicina antroposófica em 1920 em busca de uma visão holística sobre o ser humano, levando em conta aspectos como autonomia e dignidade para tratar doenças. A abordagem consiste em integrar as práticas da medicina moderna – para fazer a especialização em medicina antroposófica, é preciso graduar-se no curso regular de medicina – com os tratamentos homeopáticos, terapias corporais, arteterapia e aconselhamento.
Rômulo de Mello Siva formou-se em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 1980. Ainda na faculdade, ele se interessou pela visão antroposófica e, quando se mudou para São Paulo, logo depois de graduar-se, ingressou na Clínica Tobias (centro de medicina antroposófica). Em entrevista exclusiva para o portal NAMU, ele explica como a ingestão de alimentos industrializados e uma pedagogia repressora podem levar a quadros de cansaço e desânimo.
NAMU: Como a medicina antroposófica trata o doente?
Rômulo de Mello: O tratamento tem a ver com a biografia, com os antecedentes hereditários e genéticos, mas principalmente com a carga emocional que o indivíduo traz da família e da sociedade. Por exemplo, apesar de não ser psiquiatra, como clínico geral, eu trato depressão o tempo todo. Há dois tipos dessa doença: a que vem do corpo e a reativa. A depressão reativa é uma reação a um evento traumático e normalmente não precisa de antidepressivo, a psicoterapia pode ajudar. Já a depressão que vem do corpo – conhecida como endógena, dentro da visão da medicina tradicional – é causada pela falta de derterminados neurotransmissores no cérebro. A indústria conseguiu sintetizar essas substâncias que estão faltando, por isso, o antidepressivo realmente ajuda a pessoa a sair desse tipo de depressão. Mas a alopatia não chega à origem do problema. Na concepção damedicina antroposófica, e de outras vertentes como as medicinas chinesa e tibetana, a origem da depressão endógena é metabólica, ela vem do fígado, da vesícula, porque a maior parte desses neurotransmissores é produzida pelo intestino e pelo fígado durante o sono.
Então, a depressão é um exemplo de que não existe fronteira entre doença psíquica e doença orgânica. Mas como a antroposofia trata a depressão? Eu prescrevo medicação homeopática que desintoxica, vitaliza e fortalece o fígado. Meus pacientes até brincam: “Lá vem o Doutor Fígado” (risos).
Falhas na educação e a má alimentação são as sementes do desânimo e da falta de concentração.
Os sintomas de desvitalização do fígado são: desânimo, cansaço, falta de concentração. Afinal, o que é concentração? É levar a vontade para dentro do pensamento e canalizá-lo, mas isso está cada vez mais difícil numa sociedade dispersiva como a nossa, é o telefone, o computador. Eu não consigo foco e nem disciplina. Esses são sintomas psicológicos, mas também resultam do enfraquecemento do fígado. Falhas na educação e a má alimentação são as sementes do desânimo e da falta de concentração.
“Eu prescrevo medicação homeopática que desintoxica, vitaliza e fortalece o fígado”, diz Rômulo Silva
Qual é a relação entre a educação e o enfraquecimento do fígado?
Steiner era pedagogo e dizia que uma má pedagogia exerce influências danosas. Se uma criança foi forçada a ir à escola para aprender o que não queria durante anos, isso debilitou o seu fígado desde muito cedo.
No entanto, nos dias atuais ocorre o contrário do que era comum na Alemanha do começo do século passado, época na qual Steiner escreveu suas teorias. Hoje, as crianças e adolescentes tendem a obedecer poucas regras ou regras muito menos rígidas. Talvez isso seja o mais comum mesmo. A falta de disciplina também pode gerar uma fraqueza na força de vontade e abrir espaço para a depressão. Existem questões psicológicas bastante graves por trás disso. Ou você tem uma disciplina repressora que enfraquece a vontade e cria indivíduos inseguros, ou você deixa totalmente solto. Você nunca coloca limites – ela dorme a hora que quiser ou se não quiser não dorme, ela come o que quiser ou se não quiser, não come. Essas posturas passam para a criança a mensagem de que você não está nem aí.
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Falando em comida, qual a relação do tipo de alimento com o funcionamento do fígado?
O alimento mais industrializado é o que mais enfraquece o fígado. Fígado é o órgão da vida. Vitalidade é o que traz força de vontade. O fígado extrai essa vida principalmente do alimento, pois a vida vem do sol. E o que a planta faz? Ela transforma a luz em vida. O alimento vivo é aquele que tem a luz do sol. No alimento industrializado, essa luz solar é destruída. Ele tem calorias, até mais calorias, mas não tem vida.
O alimento vivo é aquele que tem a luz do sol. No alimento industrializado, essa luz solar é destruída.
Explique melhor a relação entre vida e comida.
Tem uma história que circulou pela internet na qual uma menina publicou fotografias diárias de um sanduíche do Mc Donalds e ele permaneceu absolutamente igual ao longo do tempo. Nada aconteceu com ele. Sobre isso, eu brinco: bactéria não é boba, ela ataca um pão integral ou uma fruta, uma banana, uma maçã. Agora refrigerante ou bolacha não estragam, porque não têm vida. Olha o perigo: quando você dá para o fígado um alimento sem vida, você está enfraquecendo o órgão porque esse alimento precisará ser vitalizado. O fígado terá que usar energia para vitalizar esse alimento morto. E essa vitalidade sai da onde? Da sua força de vontade. Esses alimentos industrializados agitam, eles são estimulantes, mas não dão persistência, nem disciplina, muito menos foco. Só causam agitação, porque mexem com a alma do indivíduo, eles dão animação, adrenalina.
“Bactéria não é boba, ela ataca um pão integral”, brinca Silva sobre a durabilidade dos alimentos Aliás, a brincadeira que eu faço é a seguinte: são dez horas da noite, você está cansado e com fome e tem de apresentar um trabalho para o dia seguinte às seis da manhã; se você comer arroz integral, uma cenoura e uma banana, você vai dormir em cima do trabalho. No dia seguinte, você vai amanhecer com uma vitalidade maravilhosa. Mas na hora aquilo não vira energia, alimentos vivos não se transformam em energia imediatamente. Um alimento precisa ser processado e só vai liberar vida no dia seguinte, não na hora. Agora, se você comer um chocolate e tomar um café, você acorda e faz o seu trabalho imediatamente. Mas o que foi isso? Um estimulante. No dia seguinte, você vai estar deprimido, mas fez o seu trabalho. O que quero dizer com isso? Tudo o que é energia imediata, vicia. Você não vai ver alguém viciado em arroz integral e banana (risos), mas vê em chocolate, café e cigarro, que são estimulantes. Só que isso vai detonando o fígado. A imagem é a seguinte: quando você come um alimento sem vida, é como se você tivesse num cavalo. Se você der chicotada nele, ele anda. Mas se você não der comida, você vai matar o animal de fome, o que seria a depressão. A pessoa vai deprimir e tomar o neurotransmissor. Não estou criticando, também receito antidepressivo, depressão é coisa séria, se não tratar, a pessoa pode perder o emprego ou o casamento. Mas o antidepressivo não vai resolver o problema. Eu preciso fazer o trabalho que significa revitalizar esse fígado e ajudar a pessoa a encontrar o seu caminho, realizar o ideal.
O que é realizar o ideal para antroposofia?
Nossa cultura associou bem-estar com aparência. Você vale pelo o que você aparenta. Isso cria um vazio. Os budistas falam das ilusões do ego. Você fica alimentando seu ego. E o ego está ligado a busca de satisfação e satisfação não satisfaz. A antroposofia é uma filosofia assumidamente espiritualista cristã. Steiner é um filósofo cristão. Mas mesmo Platão, pré-cristão, já falava que nós nascemos com determinados talentos e nossa missão é devolvê-los para o mundo. Quanto mais talento, maior a responsabilidade social. No fundo, se o indivíduo não tem um ideal, tudo fica movido para inserção social. E a inserção social faz parte do ser humano. No crescimento profissional, a aceitação social também faz parte. Eu sou um bom profissional, eu sou amado, eu sou admirado, tudo isso é ótimo. Todos nós precisamos disso. Mas a felicidade verdadeira é quando percebo que meu trabalho está acrescentando no mundo. Ter um ideal significa fazer algo pelo outro.
A felicidade verdadeira é quando percebo que meu trabalho está acrescentando no mundo. Ter um ideal significa fazer algo pelo outro.
Ouvi a seguinte frase: “o sistema gosta de gente infeliz porque quanto mais vazia a vida, maior o consumo”. Qual seu ponto de vista sobre isso?
O sistema não gosta de liberdade e não gosta que as pessoas pensem. Oitenta e cinco por cento do que eu compro no supermercado é uma imposição da propaganda. Isso não é estatística minha, é do pessoal da propaganda. Um mês sem comerciais e a Coca-Cola fecha as portas. A gente não quer Coca-Cola, por isso a propaganda é maciça. Steiner dizia o seguinte: quando você vai ao mercado, se você quer ser um ser humano livre, você tem de questionar duas coisas: Primeiro: “eu preciso desse produto?”. Segundo: “eu quero esse produto? E para ser realmente livre você tem de pensar na justiça social e se perguntar: Esse produto vale o preço que está sendo cobrado? Ser livre é muito difícil, precisa ter força de vontade.
Fonte: Namu – por: Rosane Luz Buk
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