quarta-feira, 1 de abril de 2015

Blogs de mães com filhos diabéticos ajudam a enfrentar a doença em rede

27/03/2015
Por Clarisse Castro/ Portal Fiocruz

Cerca de 390 milhões de pessoas no mundo são diabéticas, segundo a Federação Internacional de Diabetes (FID). Destas, 11,6 milhões são brasileiras, sendo 1 milhão de crianças. A maior parte delas possui o tipo 1 da doença (DM1), que pode se apresentar desde o nascimento até os 20 anos de idade. Num processo autoimune, o próprio corpo da criança destrói as células beta do pâncreas, responsáveis pela produção da insulina, cuja função é transportar a glicose da corrente sanguínea para dentro de nossas células, transformando esse açúcar em substâncias necessárias como gorduras, músculos e proteínas. Se o pâncreas deixa de fabricar a insulina, o resultado é o convívio diário com doses suplementares desse hormônio, aliado a um rigoroso controle nutricional.

Os fatores de risco associados ao diabetes tipo 1 são quase sempre hereditários. Para entender se a doença está se manifestando na criança é necessário ficar de olho nos sintomas, que a nutricionista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Giovana Salgado, divide basicamente em três. O primeiro deles é o aumento da sede: a criança passa a beber mais água que o normal e, mesmo assim, continua sedenta. Também há aumento da diurese. Como consequência da ingestão excessiva de água, ocorre um aumento na quantidade de urina produzida pelo corpo, que se reflete na maior frequência de idas ao banheiro. O terceiro sintoma seria a perda de peso. Apesar de um notório aumento de apetite, a criança não engorda e ainda passa a perder peso.

Pelo forte componente emocional e social que carrega — mais ainda na infância, quando estão se desenvolvendo as primeiras relações sociais — lidar com o DM1 deve envolver toda a família. “Se, por um lado, há necessidade de uma dieta disciplinada, por outro há uma criança que deseja e precisa participar da vida na sociedade em que vive. Por isso, em vez de simplesmente proibir a criança de comer determinados alimentos, a própria família deveria adotar uma nova forma de se alimentar, para dar o exemplo para a criança. A melhor maneira de agir com uma criança diabética é dialogar com ela, explicar o porquê de suas limitações, a sua necessidade de se privar de determinadas coisas para manter-se saudável. E os pais devem conversar com a criança numa linguagem em que ela possa entender, jamais fazendo uso do medo para impor as novas regras”, explica Giovana.

Estima-se que um em cada dois diabéticos não sabem que possuem a doença, segundo a FID. Com os pequenos Igor, João Pedro e Maria Vittoria, a doença foi diagnosticada aos 7, 7 e 5 anos, respectivamente. O susto com o diagnóstico e a certeza de que ele traria uma série de mudanças na relação das crianças com o mundo fez com que as mães Sarah, Silvia e Nicole escolhessem um caminho inovador à época: escrever blogs sobre suas experiências. Elas tinham um objetivo comum: encontrar outras pessoas que vivessem a imediata responsabilidade de cuidar de pequenos com diabetes. “Eu vi que não estava sozinha, que havia um monte de crianças e famílias na mesma situação que a minha, e me senti acolhida. Fez toda a diferença, a aceitação em casa foi quase imediata. Rapidinho entramos no ‘mundo diabetes’, e estar conectada com outras mães, recebendo apoio, foi reconfortante”, relembra Silvia Onofre, do blog João Pedro e o Diabetes.

Da esquerda para a direita: Sahra e Igor, Nicole e Vittoria, e Silvia e João Pedro

Troca de informações ajuda a reinventar o convívio com a doença

Para Nicole Lagonegro, do blog Minha Filha Diabética, o ganho mais imediato da experiência com o blog foi poder trocar experiências diferentes, mesmo ante receitas médicas iguais. “O que os médicos dizem nem sempre funciona de forma idêntica para todas as pessoas. Muitas famílias têm vergonha de fazer perguntas, de explorar assuntos. Mas entre nós, reunidos em rede, existe essa liberdade. Criar o blog foi criar uma ferramenta de contato horizontal, de igual para igual”, explica.

Sarah Nunes, do blog Eu, meu filho, e o diabetes, destaca que estar num grupo coletivo lhe possibilitou dividir tudo o que foi instigada a aprender a partir do convívio com a doença do filho. “À medida que eu escrevia sobre a nossa realidade, comecei a receber e-mails, comentários e percebi que muitas pessoas não tinham acesso às informações que eu tinha. Apesar de mais tempo convivendo com o controle do diabetes sabiam menos do que eu, e então passei a compartilhar informações que eu acredito serem relevantes. Procuro sempre estar atualizada sobre os avanços no controle do diabetes”.

Outro efeito da rede apontado pelas mães blogueiras é a extensão da conexão virtual à vida real. Silvia e Nicole, por exemplo, se conheceram através dos seus blogs. Hoje se visitam em suas cidades e fazem parte de diversas ações que são constantemente alimentadas pelas conexões virtuais, como os encontros entre voluntárias de associações, os congressos e outros espaços de compartilhamento. Com as crianças não é diferente. Os filhos passam a conhecer experiências comuns e a trocar apoio virtual e físico. Os acampamentos só para crianças com diabetes são exemplos disso. “Tenho mais amigos de outras cidades do que de São Paulo, onde resido. E não são só mães, convivo com homens e mulheres portadores de diabetes, jovens, crianças. Nosso convívio envolve todo mundo que participa desse universo. Quando surge alguém com dúvidas, encaminhamos para uma amiga da mesma cidade, ou que tem um filho na mesma idade, e assim a rede aumenta e mais pessoas se ajudam”, explica Nicole.

Um ponto muito destacado pelas mães é que, apesar dos blogs tratarem de suas experiências reais com a doença dos filhos, a participação das crianças nos espaços virtuais é moderada pelos próprios mecanismos de educação das famílias. Nicole explica que sua filha Vittoria, hoje com 11 anos, apenas colabora às vezes com vídeos e fotos, quando assim deseja, e quando sua presença é positiva para sua experiência pessoal e na troca coletiva. Ela não acredita que a internet seja um ambiente seguro para os filhos. “Evito que eles usem [as redes sociais] e prefiro que a interação seja realmente entre os adultos, que compreendem as mensagens, filtram, analisam, têm uma visão mais crítica. Cuido para que Vivi tenha a vida dela, com suas prioridades, seus amigos da escola e de convivência real. É positivo ela ter amigos virtuais que têm diabetes também, mas isso não deve ser regra”.

João Pedro, filho de Silvia, curte o blog, gosta de acompanhar os números e de ler um ou outro comentário, mas não participa ativamente dos conteúdos. “Às vezes o consulto para saber o que ele pensa sobre algum dos temas, ou para responder alguma dúvida de mãe que envolva a criança. Quando publico assuntos relacionados a ele sempre peço permissão, e na maioria das vezes ele concorda. Quando diz que não quer que eu fale sobre algo que aconteceu com ele, respeito”. A mesma coisa acontece com Igor, filho de Sarah. “Tenho postagens que nunca foram publicadas a pedido dele. Abordei o assunto de uma outra forma sem citar nossa vivência, porque, mesmo sendo positivo para o blog, é a intimidade dele. E quando falo de assuntos mais pesados, como sequelas, riscos fatais, ele fica de fora. Apesar de saber todas as consequências de não controlar de forma correta a doença, acredito que ainda não é hora de ele saber detalhes que podem afeta-lo negativamente”.

Os blogs das três entrevistadas já se estenderam para perfis no Facebook. Nesta rede, são centenas deles, com objetivos parecidos. Apesar do diabetes tipo 2 já ser uma realidade presente no cotidiano de crianças e jovens brasileiros, a maior parte dos perfis relacionados à diabetes na infância são sobre o tipo 1, mais comum nesta faixa etária. E na rede também é possível localizar uma variedade de grupos, como o Mães de DM1 na madrugada, fechado apenas para mães; Mães Pâncreas, Pais de crianças com diabetes tipo 1 – Brasil etc. "Nem tudo que passamos entre uma consulta e outra dá tempo de relatar num próximo encontro, e não dá para ficar ligando para o médico a cada hipoglicemia, por isso o suporte da rede ajuda muito”, diz Sarah. Ou, como resume Silvia, “o médico te dá a teoria e o contato com as pessoas te dá a vivência, as dores e as alegrias de se viver com diabetes”.

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