Em cerimônia, índios Yanomâmis enterram sangue repatriado dos Estados Unidos. Foto: Leonardo Prado/SECOM/PGR
Material biológico voltou ao Brasil depois de negociação entre o Ministério Público Federal e universidade norte-americana
Índios yanomâmis, acompanhados por representantes do Ministério Público Federal (MPF), enterraram nessa sexta-feira, 3 de abril, 2.693 frascos com sangue de seus antepassados, colhidos, sem autorização, no fim da década de 60 por cientistas norte-americanos. Uma cerimônia funerária realizada na aldeia de Piaú, na região de Toototobi, na Terra Indígena Ianomâmi, em Roraima devolveu à terra o sangue dos indígenas.
Enterrado em um local sagrado para a tribo, junto a um dos pilares da Yanoa (maloca), a devolução do sangue trouxe paz e descanso aos ancestrais Yanomâmis, segundo Davi Kopenawa, líder da tribo, que também teve amostras coletadas quando tinha cerca de 10 anos de idade. “Pela nossa cultura, não era para mexer no nosso sangue, hoje estamos muito contentes, foi muita tristeza, mas a felicidade retornou para nossa tribo. O sangue ficou junto com nosso pensamento, nosso povo, nossa aldeia. Esse lugar [onde o material foi enterrado] será sagrado, não pode se mexer aqui”, afirmou.
Na cultura da etnia, as amostras constituem restos mortais que precisam seguir cerimônias funerárias apropriadas. Para o povo, a realização desses rituais é imprescindível tanto para a paz de espírito dos parentes dos mortos, quanto para o respeito de sua cultura.
As amostras chegaram ao Brasil no último dia 26 de março e foram tratadas a fim de torná-las seguras mas, segundo a universidade, o tratamento não alterou as características físicas. Juntamente com a embalagem, foi enviada pela universidade, uma certidão atestando a autenticidade das amostras.
Acordo – O acordo, intermediado pela Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), possibilitou a chegada ao Brasil das milhares de amostras biológicas colhidas pelos cientistas norte-americanos sem que fosse necessário acionar a Justiça. “A repatriação do material é resultado de esforço conjunto, de grande empenho e de muitas negociações. Para o MPF e para a tribo Yanomâmi, esse acordo tem valor histórico”, afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, um dos signatários do documento. “É o primeiro acordo do tipo na história realizado pelo Ministério Público Federal”, acrescentou o secretário de Cooperação Internacional, procurador regional da República Vladimir Aras, “Para a SCI, foi uma recuperação de ativos bem diferente. Não trouxemos dinheiro de volta. Trouxemos para a comunidade indígena Yanomâmi algo que tem valor imaterial significativo e simbologia relevante”, disse. “A articulação entre o diplomata Marco Túlio Scarpelli Cabral, do Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty e o MPF foi fundamental para esse êxito”, completou o secretário Aras.
O material voltou aos Yanomâmis depois de quase 15 anos de tratativas e acordos entre o Ministério Público Federal e a The Pennsylvania State University. “Nós temos uma atuação em relação ao que eles querem, o que é deles, aquilo que foi retirado sem consentimento. O Ministério Público Federal tem como dever atuar para que as tradições indígenas sejam garantidas”, enfatizou a subprocuradora da República Deborah Duprat, responsável pela temática indígena no MPF.
Os trabalhos para a repatriação do sangue começaram em 2002, quando as lideranças Yanomâmi brasileiras requisitaram ao Ministério Público Federal que tomasse providências para localizar e recuperar essas amostras de sangue dos parentes mortos. Em 2005, a Procuradoria da República em Roraima instaurou um procedimento administrativo. “A inciativa sempre foi do povo Yanomâmi, demonstrando a importância que era a repatriação desse material, que é de respeitar essa cultura e o valor que isso tem para eles”, destacou o procurador da República em Roraima, Gustavo Kenner.
Fonte: Procuradoria Geral da República
Publicado no Portal EcoDebate, 08/04/2015
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