quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Cannabis sativa (maconha): uma retrospectiva dos estudos publicados em 2012

21/12/2012 
Por Lucas Maia

Dois mil e doze foi um ano de acontecimentos e descobertas marcantes sobre a planta Cannabis sativa L. (maconha), que tem sido tema constante de discussões a respeito tanto dos seus efeitos nocivos, como das suas propriedades terapêuticas.

Em junho deste ano, o Uruguai anunciou um plano de legalização da maconha, com controle estatal da produção, distribuição e venda da planta, além de autorizar o cultivo para uso pessoal. Essas medidas visam enfraquecer o narcotráfico na região, diminuindo a violência, além de evitar o contato dos usuários de maconha com outras drogas mais nocivas através do mercado ilegal. O projeto de lei prevê a criação do Instituto Nacional da Cannabis (Inca) para atuar como órgão regulador e encontra-se em fase de estudo no Parlamento uruguaio. Contudo, o Presidente José Mujica declarou recentemente que a decisão precisa ser amadurecida, de forma que a sociedade compreenda melhor os objetivos das medidas propostas e apoie o governo na decisão.

Nos Estados Unidos, no dia 06 de novembro, um plebiscito aprovou a legalização do uso recreativo de maconha por adultos nos Estados do Colorado e Washington, além da aprovação do uso médico no Estado de Massachusetts – o décimo oitavo Estado americano a aprovar a Cannabis medicinal. A legalização do uso recreativo da maconha implica na regulamentação da planta nos moldes do álcool, com venda restrita a maiores de 21 anos, consumo proibido em locais públicos, controle de qualidade e cobrança de impostos. A decisão busca diminuir o número de prisões por causa de maconha e beneficiar os Estados com a arrecadação dos impostos sobre o comércio da planta.

No campo científico, novos estudos divulgados este ano proporcionam avanços no debate sobre os riscos potenciais da Cannabis. Em janeiro, a conceituada revista científica JAMA publicou um estudo realizado com mais de cinco mil homens e mulheres dos Estados Unidos, que investigou a associação entre o uso de maconha durante 20 anos e possíveis efeitos adversos sobre a função pulmonar¹. Os resultados revelaram que o uso moderado de maconha, em sua forma fumada (equivalente a 1 cigarro/dia por até 7 anos), não causou prejuízos sobre a função pulmonar dos voluntários – ao contrário do uso do tabaco, que mostrou consequências adversas significativas. Surpreendentemente, o uso ocasional da planta foi associado a uma melhoria nos índices pulmonares analisados, mas o uso constante por longos períodos (mais de 10 anos de uso diário) mostrou um ligeiro declínio da capacidade pulmonar. Apesar da maconha e o tabaco possuírem muitos componentes semelhantes, este estudo sugere que o uso leve a moderado da Cannabis é menos prejudicial aos pulmões do que a exposição ao tabaco.

Por outro lado, um estudo conduzido na Nova Zelândia (em parceria com universidades dos Estados Unidos e Reino Unido) e publicado em outubro na revista PNAS, causou grande impacto ao revelar que o uso crônico de maconha, se iniciado na adolescência, pode causar prejuízos neuropsicológicos na idade adulta, como redução do QI². Segundo os autores, na adolescência o cérebro passa por uma fase crítica do seu desenvolvimento, que se caracteriza por processos de rearranjo (por exemplo, mielinização, poda sináptica e plasticidade neuronal) e de maturação dos neurônios e dos sistemas de neurotransmissão. Estes processos tornam o cérebro adolescente especialmente vulnerável a substâncias que podem ter efeitos neurotóxicos, como a maconha, o álcool e o tabaco. Apesar disso, o estudo também deixa claro que não foram observados prejuízos cognitivos naqueles indivíduos que iniciaram o uso da maconha na idade adulta, o que está em concordância com os resultados de outro estudo conduzido no Reino Unido e publicados em fevereiro deste ano³.

Por fim, outro estudo notável foi publicado em novembro no periódico Biological Psychiatry, uma das principais revistas científicas na área de neurobiologia dos transtornos mentais. O trabalho, fruto da colaboração entre universidades do Reino Unido e da Itália, mostrou que uma variação genética do gene AKT1 influencia no risco de desenvolvimento de transtornos psicóticos em usuários crônicos de maconha4. O gene AKT1 está envolvido na regulação da sinalização dopaminérgica (via receptores D2), que está intimamente relacionada com a fisiopatologia dos transtornos psicóticos, como a esquizofrenia. Os resultados do estudo demostraram que os indivíduos portadores de uma determinada variação do gene AKT1, e que consumiam maconha todos os dias, apresentaram uma probabilidade sete vezes maior de desenvolver transtornos psicóticos quando comparados aos indivíduos que nunca haviam consumido a droga ou com aqueles que consumiam apenas aos finais de semana. Porém, o estudo também revelou que os indivíduos que consumiam maconha todos os dias, mas que não eram portadores de tal variação genética, não tinham maior chance de desenvolver psicoses que aqueles que nunca haviam consumido a planta. Deste modo, este estudo confirma a influência dos fatores genéticos na suscetibilidade de usuários de maconha a transtornos psicóticos, o que reforça a dificuldade em se estabelecer uma relação direta entre o uso da planta e a incidência de esquizofrenia.

Em conjunto, estes estudos apontam a necessidade de se direcionar os esforços de prevenção ao uso de substâncias psicoativas às populações de risco, como os adolescentes e as pessoas com histórico familiar de transtornos mentais. Ademais, a maconha comercializada no mercado ilegal pode conter uma grande quantidade de contaminantes, muitas vezes mais tóxicos do que a própria planta. Estas informações sugerem que a regulamentação da Cannabis, como está sendo implantada nos EUA e no Uruguai, pode ser mais eficiente do que a simples proibição, com o intuito de possibilitar o controle do uso por grupos de risco, garantir a qualidade (pureza) e, portanto, a segurança da substância que está sendo consumida.

Referências

1Pletcher et al (2012). Association between marijuana exposure and pulmonary function over 20 years. JAMA. 2012 Jan 11;307(2):173-81.

2Meier et al (2012). Persistent cannabis users show neuropsychological decline from childhood to midlife. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012 Oct 2;109(40):E2657-64.

3Dregan e Gulliford (2012). Is illicit drug use harmful to cognitive functioning in the midadult years? A cohort-based investigation. Am J Epidemiol. 2012 Feb 1;175(3):218-27.

4Di Forti et al (2012). Confirmation that the AKT1 (rs2494732) genotype influences the risk of psychosis in cannabis users. Biol Psychiatry. 2012 Nov 15;72(10):811-6.

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