quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Quadrinhos com crianças transitam do ordinário ao extraordinário pelo humor

Por Romulo Orlandini

01/12/2012

A
maioria das pessoas que lê as tiras cômicas nos jornais, principalmente as relacionadas com crianças, sabe que, por trás daqueles dois ou três pequenos (ou mais) quadrinhos, há mais coisas não ditas do que o texto que realmente ali está. Tentar mapear como se dá a representação das crianças nas chamadas kid strips é o desafio e objetivo da pesquisa de Márcio Antônio Gatti, professor da rede estadual de ensino, doutorando em linguística e integrante do grupo FEsTA (Fórmulas e estereótipos: teoria e análise). A pesquisa ainda está sendo desenvolvida, mas parte do trabalho já foi apresentado em congressos, como os do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo (GEL), e também publicada, como o texto “Personagens Infantis: entre o inocente e o ordinário”, publicado na Revista de Estudos Linguísticos do GEL.

Os personagens das tiras infantis são famosos em todo o mundo, como Calvin, de Calvin & Haroldo, Charlie Brown, da série Peanuts, e Mafalda. Neles, além de traços que ora pendem para o humor ora para a ironia em relação a temas cotidianos, a inocência da criança é utilizada como um “gatilho”. “Como outros gêneros do humor, as tiras funcionam com base no inesperado, mobilizam, pois, basicamente, dois discursos, um que é, digamos, do modo ordinário e outro que é do extraordinário”, explica Gatti. Pela análise do pesquisador, o quadrinho sai de um momento de seriedade para, por meio de uma expressão ou palavra, seguir um rumo inesperado – instantes estes que o linguista russo Victor Raskin classifica como scripts.

“A fala das crianças só é engraçada quando rompe com a ordem das coisas. Só rimos da fala da criança quando ela desvia de um padrão, normalmente quando seus enunciados fogem do sistema linguístico”, diz Gatti. Para o pesquisador, as pessoas têm, em geral, uma noção de como é uma criança no dia-a-dia e porque as falas delas suscitam o riso. “Uma criança que usa um sufixo em vez de outro, muda o gênero de uma palavra, hiper-regulariza certas conjugações verbais, pode, efetivamente, provocar riso”, aponta. 

Gatti conta que os estereótipos de crianças nas kid strips, embora de estruturas simples, apresentam uma complexidade pouco comum. De acordo com o investigador, isso não ocorre com tamanha frequência em estereótipos de outros grupos étnicos e sociais que circulam no humor, como em piadas de portugueses ou de mulheres loiras. “Por exemplo, a criança pode ser ingênua, malvada, imaginativa, pouco propensa à higiene, demonstrar uma sabedoria pouco comum ou inimaginável”, explica Gatti. Uma explicação diz que tal representação infantil multifacetária é reflexo de uma sociedade na qual as crianças são cada vez mais percebidas como complexas. “Todos sabem que crianças são indivíduos em desenvolvimento, mas nem todos respeitam isso”, diz.

Link:
http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=3&noticia=776

3 comentários:

  1. Eu estou lendo um livro com várias tirinhas do Calvin e Haroldo. O Autor (Bill Watterson) cita algo interessante no prefácio: "Existem poucas fontes de humor mais confiáveis e perenes que a mente de uma criança.(...)Mas quando se dispõem(os cartunistas) a captar o espírito tumultuoso dos pequenos, eles sempre trapaceiam. Sem pudor, criam não crianças reconhecíveis, mas adultos em miniatura, irritantes e piadistas".

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    1. Oi, Julino! Legal essa observação, e partindo do autor Bill Watterson, é tema para uma bela reflexão. Mafalda, Calvin, por exemplo, não se encaixam, pois são crianças quase que reais. Um outro texto para você: http://quintaisimortais.blogspot.com.br/2012/12/revistas-de-alto-impacto-publicam-as.html
      E quando vai escrever outro texto? Abs

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  2. Muito bom esse outro texto, vou levá-lo na próxima reunião do CEBRID. Vou pensar em um texto e lhe envio... será um honra!

    Esses textos sobre o "mundo das crianças" são muito importantes, pois nossa sociedade é concebida na visão adulto-cêntrica. Veja, por exemplo, o filme "Coraline e o Mundo Secreto - Henry Selick (EUA, 2009)" (tem um comentário muito interessante nesse blog: http://informecritica.blogspot.com.br/2009/02/coraline-ou-concepcao-adultocentrica-da.html).

    Os grandes pensadores e cientistas poderiam se dedicar um pouco mais aos textos infantis, utilizando nossa mitologia.

    Abs

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