26/11/2013
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Além da produção de alimentos, serviços e energia, as paisagens agrícolas têm uma função secundária, mas não menos importante, que pode e deve ser fortalecida: a conservação da diversidade biológica.
O tema foi abordado por Luciano Martins Verdade, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA-USP), durante o último encontro do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA-FAPESP Educação, organizado pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade de São Paulo (BIOTA). Realizado no dia 21 de novembro, na sede da FAPESP, o evento teve como tema “Biodiversidade em Ambientes Antrópicos – Urbanos e Rurais”.
“Existe atualmente um conflito entre o setor produtivo e o de conservação. Mas a produção tem de levar em conta a conservação da biodiversidade, que já está lá e pode ser ainda mais rica. Em contrapartida, as iniciativas ambientalistas ligadas à conservação devem considerar o papel que a agricultura tem para a civilização. Não dá para 7 bilhões de pessoas voltarem a ser coletoras. A importância da agricultura é muito grande para que a gente possa se dar ao luxo de ser contra”, defendeu Verdade.
O professor da USP, que também é membro da coordenação do programa BIOTA-FAPESP, acaba de concluir um Projeto Temático no qual estudou o processo histórico de mudança da paisagem agrícola no Estado de São Paulo desde os anos 1850 – quando surgiram as primeiras propriedades privadas – e seu resultado nos padrões atuais de diversidade biológica.
“A história dessa estruturação fundiária logicamente determinou a estrutura da paisagem. Grandes estâncias, sesmarias, foram sendo divididas e cidades foram surgindo em função do comércio proveniente dessas propriedades. Isso tudo se refletiu na estrutura atual de paisagens agrícolas, que tem uma determinada diversidade biológica”, disse Verdade.
Segundo ele, atualmente, ainda predominam no Estado de São Paulo as pastagens voltadas à criação de gado bovino – seguidas pelos canaviais para a produção de etanol e pelas florestas de eucalipto destinadas à produção de papel e celulose.
“Nessas propriedades há mais remanescentes florestais do que nas Unidades de Conservação (UCs) do Estado e, quando começamos o projeto, as paisagens agrícolas nem sequer eram consideradas habitats pelos ambientalistas. Diziam que lá não tinha bicho para ser preservado, mas qualquer pessoa que já tenha pisado em um canavial ou em um eucaliptal sabe que isso não é verdade”, disse.
De acordo com os resultados do Temático, há nas paisagens agrícolas de São Paulo 27 diferentes espécies de mamíferos de médio e grande porte, 17 espécies de mamíferos de pequeno e médio porte, 202 espécies de aves, 18 de répteis, 31 de anfíbios e 55 de peixes.
“A maioria é de espécies generalistas, ou seja, aquelas que usam a paisagem como um todo e não ficam restritas apenas aos fragmentos de vegetação nativa”, explicou Verdade.
Ainda de acordo com os dados do Temático, as plantações de eucalipto são menos permeáveis às aves do que as pastagens, porém mais convidativas para mamíferos e anfíbios. São presenças frequentes no eucaliptais, por exemplo, o tamanduá (Myrmecophaga tridactyla) e a onça parda (Puma concolor). Já nas pastagens é possível observar a presença da seriema (Cariama cristata), da coruja-buraqueira (Athene cunicularia) e do tucano-toco (Ramphastos toco), por exemplo.
“Mamíferos de médio e grande porte, como o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), são menos diversos em pastagens, porém comuns em canaviais. Os roedores e seus predadores são mais frequentes em canaviais do que nos fragmentos de mata nativa”, disse Verdade.
“Uma das principais conclusões do projeto é que essa diversidade não pode ser vista momentaneamente. Ela não é fruto da estrutura espacial de hoje e sim do processo histórico que a formou. Os padrões de diversidade biológica mudam na medida em que muda o uso da terra. E o uso da terra está mudando no Estado de São Paulo”, afirmou Verdade.
De acordo com o pesquisador, há hoje uma grande pressão socioeconômica para que as pastagens de baixa produtividade sejam substituídas pelos canaviais e pela silvicultura, o que terá grande impacto sobre o meio físico e sobre as espécies que ali habitam.
“Haverá, por exemplo, um maior uso de fertilizantes, defensivos agrícolas e outros produtos químicos, o que praticamente não ocorre nas pastagens. Hoje é impossível saber se a mudança será boa ou ruim. Vamos começar a ter capacidade de prever cenários quando entendermos esses processos históricos, socioeconômicos, culturais, evolutivos, ecotoxicológicos que determinam os padrões de diversidade biológica”, disse Verdade.
Na avaliação do professor da USP, além de ampliar o entendimento dos processos que determinam os padrões de diversidade biológica é preciso que os envolvidos com biologia da conservação invistam em inovação tecnológica.
“Com a ampliação da base conceitual e a inovação tecnológica poderemos ajudar no processo de tomada de decisão ligados à governança. Poderemos, de fato, dar às paisagens agrícolas a sua missão multifuncional. Manter o seu caráter de produção de espécies domesticadas, mas associar a ele uma missão secundária, mas não menos relevante, que é a de promover a conservação de espécies selvagens”, defendeu.
Fauna urbana
A diversidade da fauna em ambientes antrópicos urbanos foi o tema da palestra de Elisabeth Höfhling, professora do Instituto de Biociências da USP (IB/USP). De acordo com a pesquisadora, os insetos representam o grupo de maior diversidade nas cidades, mas também há muitas espécies de aves, aranhas, répteis, mamíferos, anfíbios e até mesmo marsupiais.
A diversidade vegetal de cada região é, segundo Höfhling, o aspecto mais determinante para a diversidade da fauna urbana. Mas também são fatores importantes a disponibilidade de alimento, abrigo, água e materiais para construção de ninhos.
Entre os aspectos que contribuem para o declínio de espécies animais em áreas urbanas estão a poluição química presente no ar, na água e na vegetação, a poluição sonora, que causa perda de audição, estresse e alterações na comunicação sonora, e a iluminação artificial, que afeta o ciclo biológico de dia e noite.
Entre as espécies introduzidas pelo homem que se tornam comuns nos ambientes urbanos destacam-se o pardal (Passer domesticus), o pombo-doméstico (Columba livia) e o bico-de-lacre (Estrilda astrild).
De acordo com um levantamento coordenado por Höfhling e publicado no livro Aves no Campus, somente na Cidade Universitária da USP, na zona oeste da capital, há cerca de 161 espécies de aves.
A diversidade da flora nos ambientes urbanos foi o tema da palestra de Roseli Buzanelli Torres, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A pesquisadora ressaltou a importância da arborização nas cidades para aumentar os níveis de umidade do ar, reduzir a temperatura, a velocidade dos ventos e das enxurradas, conservar o asfalto, reter as partículas poluentes e oferecer conforto emocional e psíquico aos moradores.
“Estima-se que árvores com copas densas possam reter até 98% da radiação solar e as de copas ralas entre 60% a 80%. Além disso, podem reter até 60% da água nas duas primeiras horas de chuvas. Tudo isso diminui o risco de inundações e facilita o abastecimento do lençol freático”, afirmou.
No encerramento do encontro, o coordenador do Programa BIOTA-FAPESP, Carlos Alfredo Joly, anunciou a realização de um novo ciclo de conferências educativas em 2014. O objetivo da iniciativa é contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de ciência, principalmente no ensino médio.
Entre os temas previstos estão “Serviços Ecossistêmicos – conceito e valores” (20/02), “Biodiversidade e Polinização” (20/03), “Biodiversidade e Proteção a recursos hídricos” (24/04), “Biodiversidade e Mudanças climáticas e biodiversidade” (22/05) e “Biodiversidade e Ciclagem de Nutrientes” (26/06).
Pesquisador destaca que propriedades rurais abrigam grande variedade de espécies animais e a maior parte dos remanescentes florestais no Estado de São Paulo (foto:L.Verdade)Link:
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