quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Pesquisa usa aplicações de acesso livre para mapear o uso da terra na Amazônia

Como a adoção de práticas intensivas de uso do solo se relaciona com a expansão da fronteira agropecuária? Essa foi a pergunta proposta por pesquisadores da Universidade britânica London School of Economics (LSE) e de outras instituições brasileiras. É o primeiro grupo a investigar in loco o vínculo entre práticas mais intensivas de uso da terra na pecuária e a expansão do desmatamento em regiões de fronteira agropecuária. Além das conclusões resumidas a seguir, a investigação traz uma série de inovações metodológicas com o uso de tecnologias de livre acesso.

De abril a maio de 2013, os pesquisadores aproveitaram a vacinação dos rebanhos bovinos, declarada em agências do governo, para obter a amostragem aleatória dos imóveis rurais. Entrevistaram 400 pecuaristas, em sete municípios de Rondônia, sobre diversos assuntos ligados às formas de uso da terra. Os primeiros resultados indicam que a presença de mata reduz fortemente o valor da terra. Um aumento de 30% na superfície da propriedade coberta por mata, por exemplo, reduz em 26,1% o preço da terra, em média. Efeito de igual magnitude se observa inclusive nas regiões de colonização mais antiga, onde há menos florestas remanescentes. Segundo o coordenador da pesquisa, Petterson Vale: “isso sugere que os produtores não observam ganhos de produtividade em seus sistemas agropecuários em decorrência da presença de remanescentes de mata. Indica também que são restritas as opções de ganhos econômicos baseados na floresta.”

Paradoxalmente, 50,6% dos pecuaristas acreditam ter mais a ganhar do que a perder mantendo-se em dia com a legislação ambiental – frente a 32,7% que pensam o contrário. Isso se deve, para os entrevistados do primeiro grupo, às pesadas multas a que estão sujeitos, e não a potenciais benefícios da presença de áreas de florestas – corroborando o que apontam os dados de valor da terra. Mas os entrevistados insistem em que é impossível acompanhar a evolução da legislação, que muda constantemente. Um terço deles admite nada conhecer sobre a legislação florestal. Há, portanto, um triplo descompasso entre a viabilidade econômica da preservação, as intenções dos pecuaristas, e a possibilidade de estarem em dia com uma legislação intermitente.

Dados do governo de Rondônia apontam para uma forte migração do rebanho do sul do estado para as regiões consideradas de fronteira, no norte. O estudo identificou que em áreas de fronteira há três características que atraem imigrantes em busca de novas pastagens: (1) terras mais baratas, (2) terras mais férteis (já que novas), e (3) menor probabilidade de punição por desmatamento ilegal (12% menor em áreas de fronteira do que em áreas consolidadas).

A pesquisa documenta uma forte queda na qualidade das pastagens, com menor ganho de rendimento da terra, em regiões em processo de consolidação. Nas localidades onde a pecuária passa por essa situação de crise, o estudo encontra um forte aumento no interesse dos pecuaristas de migrar para regiões de fronteira. Além disso, a capacidade de suporte de pastagens novas (na fronteira) tende a ser superior à de pastagens velhas (nas áreas consolidadas). Esse cenário pode fazer com que um aumento da produtividade da terra em áreas consolidadas venha a estimular a migração à fronteira, com consequente desmatamento, principalmente por parte daqueles que ficam tecnologicamente defasados. A análise em curso dos dados coletados pelo estudo permitirá que esse “efeito rebote” seja melhor avaliado.

Inovações metodológicas

“Como no Brasil não há cadastro completo dos imóveis rurais, tivemos que entrevistar os pecuaristas pessoalmente, obtendo a localização das propriedades através da visualização direta no mapa”, diz Marcelo Stabile, PhD em análises geoespaciais e um dos coordenadores do estudo. Para as análises geoespaciais, Marcelo treinou os pesquisadores em Rondônia para o manuseio do software livre QuantumGIS e para a interface com os entrevistados. Para a sincronização dos dados entre pesquisadores que trabalhavam em onze localidades distintas, frequentemente com acesso intermitente à internet e mesmo com falta de energia elétrica, a equipe utilizou um mecanismo gratuito de sincronização de dados “na nuvem” que permitiu que a coleta e edição das imagens fosse feita praticamente em tempo real.

As informações numéricas e qualitativas coletadas foram processadas por um software também gratuito que permite o armazenamento off-line das entrevistas e a posterior sincronização com uma base de dados. Cada pesquisador devia conectar-se à internet no fim de dia e fazer o upload das entrevistas. Dessa forma, a checagem dos questionários pôde ser feita praticamente em tempo real, reduzindo custos e permitindo que os erros fossem corrigidos no decorrer da pesquisa.

Colaboração de Raquel Dieguez, do www.IPAM.org.br, para o EcoDebate, 28/11/2013

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