segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Desenvolvimento local, o ‘ovo de Colombo’, artigo de Washington Novaes

Microgeração distribuída

[O Estado de S.Paulo] Muitas vezes, quando se discute a chamada “crise global” – que envolve consumo de recursos além da capacidade de reposição da biosfera, concentração da renda e do consumo, crise da energia (e sua influência na emissão de poluentes e nas mudanças climáticas) -, é frequente que sobrevenha a tentação de uma fórmula capaz de ditar rumos em todas as áreas. E por aí se esbarra em obstáculos até aqui intransponíveis, de natureza econômica e política. Por isso foi importante que no II Fórum Mundial de Desenvolvimento Econômico Local, na semana passada, se tenha discutido em Foz do Iguaçu o caminho inverso: por meio desse desenvolvimento local chegar à desconcentração da renda e do uso de recursos, à descentralização na geração e na distribuição de energia.

Os imensos problemas globais recomendam, de fato, que se mude o enfoque. Em menos de oito meses deste ano já havíamos consumido mais recursos naturais do que a disponibilidade do planeta (mesmo o Brasil consome mais que a média global disponível). É insustentável. A Agência Internacional de Energia adverte que é preciso reduzir com urgência as emissões que acentuam mudanças climáticas – e os combustíveis fósseis respondem por 80% das emissões nessa área, que, por sua vez, somam dois terços das emissões totais; se não reduzirmos, não se conseguirá conter o aumento da temperatura da Terra.

No fórum – promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e por uma rede mundial de cidades e governo regionais, com apoio da Itaipu Binacional, além de outras instituições -, com mais de 4 mil participantes, ficou mais uma vez evidenciado que os atuais caminhos levam à concentração insustentável de recursos e da renda, à degradação ambiental, à corrupção, aos monopólios e outros formatos indesejáveis. Será inescapável, por isso, optar por soluções em que o desenvolvimento se dê pela agregação local de valores, que permita também maior participação das mulheres, geração localizada de energia e de sua distribuição, criação de parques científicos que tornem viáveis soluções locais adequadas (e evitem concentração de poder), propiciem criação de postos de trabalho (e tornem desnecessárias migrações), produção localizada de alimentos. E muito mais.

Como assinalaram expositores, no local estão o conhecimento, o caminho, o crescimento mais equilibrado, que se baseia no ser humano. E em certos momentos de crise até a produtividade pode ser parte do problema, a tecnologia pode dispensar a criação de empregos. Por isso em muitos lugares já se tenta fortalecer esse desenvolvimento local agregando também experiências de outros locais – como nos acordos que Turim, na Itália, tem feito com lugares como Hebron, na Cisjordânia, principalmente na área da microgeração distribuída de energia (usando como fontes as biomassas, energias eólica e solar, eficiência energética). Em Turim espera-se chegar até 2020 à redução de um terço no consumo de energia e de 42,8% nas emissões de poluentes – como mostraram dirigentes das duas cidades.

A microgeração distribuída de energia, como demonstrou o Centro Internacional de Energias Renováveis de Itaipu, é uma das alternativas em franca evolução, em especial no Paraná, e que até começa ser “exportada” para o Uruguai. Ela parte do aproveitamento de dejetos animais em propriedades rurais para produzir biogás que gera energia utilizada nesses mesmos locais. Isso permite eliminar o pagamento de contas de energia e até colocar – recebendo pagamento – o excedente na rede estadual de energia. Já são 33 as propriedades participantes do programa, que, além de contribuir para o desenvolvimento local, torna viáveis energias renováveis (pode ser também com energia eólica, solar, biogás, hidráulica). Os biodigestores de resíduos instalados em pequenos vagões permitem o armazenamento local das fontes produtoras de gás, o transporte desse gás por gasodutos rurais (já há mais de 100 km deles), a construção de microcentrais elétricas. Em fornalhas, o biogás substitui a lenha e gera calor para a secagem de grãos, aquecimento do banho, cocção em fogões, usos industriais.

Num condomínio constituído em São Miguel do Iguaçu são produzidos mil metros cúbicos de biogás a partir de dejetos de 5 mil suínos confinados. O uso do biogás permite uma economia de consumo da energia da rede de R$ 8.200 mensais, além de uma receita extra, pela energia colocada na rede estadual, de R$ 2.550 por mês. O metano filtrado permite ainda forte redução das emissões de dióxido de carbono.

É um formato que pode ser adaptado a várias atividades no campo e na indústria e levar a outras reduções de poluentes e à economia de custos – além de contribuir para o aproveitamento de resíduos e a redução de cargas que tendem a aumentar a poluição hídrica e os problemas de saneamento. Soma-se a programas como o de conservação de mais de cem bacias hidrográficas que, de outro modo, contribuiriam para carrear sedimentos para o reservatório de Itaipu – causando problemas graves.

E é um formato que tende a se espalhar. Mas “não acontecerá espontaneamente”, pelos caminhos de hoje, como observou a representante do Pnud, Rebecca Greenspan. Precisa de estímulos, políticas específicas de desenvolvimento local. Que tem muitos oponentes, interesses em outras direções, com forte apoio em formatos políticos vigentes. Porque é um caminho que leva à soberania dos municípios, principalmente na área de energias, com o “ovo de Colombo” da microgeração distribuída, a qual liberta as comunidades dos sistemas centralizados de distribuição e dos desperdícios nas linhas nacionais de transmissão de energia. Assim como da hegemonia de sistemas políticos centralizados – para os quais o País não está encontrando alternativas práticas, como têm demonstrado as manifestações de protesto nas ruas.

*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 11/11/2013

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