quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Patativa-tropeira (Sporophila beltoni): Nova espécie de ave é descoberta no Brasil e já está ameaçada

Ornitólogos descreveram a patativa-tropeira (Sporophila beltoni), ave que ocorre no Cerrado e nos campos de altitude associados à Floresta com Araucárias, ecossistema brasileiro quase extinto
A patativa-tropeira (Sporophila beltoni) é a mais nova espécie descoberta por meio do apoio da Fundação Grupo Boticário. Crédito: Márcio Repenning

Uma nova espécie de ave que só ocorre no Brasil foi descoberta por ornitólogos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O estudo, conduzido por Márcio Repenning e Carla Suertegaray Fontana, foi publicado no periódico norte-americano The Auk – American Ornithologists’ Union após mais de oito anos de pesquisas.

Até então se acreditava que a patativa-tropeira (Sporophila beltoni) era da mesma espécie que a já conhecida patativa-verdadeira (Sporophila plumbea). Porém, após uma pesquisa financiada também pela Fundação Grupo Boticário, percebeu-se que ela possuía características que a diferenciavam das outras, tratando-se de uma nova espécie. “A ave recém-descoberta possui plumagem e canto diferentes, além de usar seu habitat de forma própria”, explica Repenning. O nome popular da nova espécie é alusivo aos limites da área de reprodução e regiões por onde a ave migra. Essas áreas coincidem com as regiões da rota que os tropeiros utilizavam no Sul do país, desde o século XVIII, para conduzir rebanhos e carne seca que seriam comercializados no Sudeste brasileiro.

A patativa-tropeira ocorre desde o nordeste do Rio Grande do Sul até Minas Gerais, nos biomas Mata Atlântica e Cerrado. Porém, apesar de ter como distribuição uma extensão razoavelmente grande, incluindo diversos estados brasileiros, essa espécie já ‘nasce’ ameaçada. Um dos motivos dessa realidade é porque a reprodução da espécie acontece nos campos naturais em bom estado de conservação das regiões altas e montanhosas do Sul, como os Campos Gerais do Paraná, o Planalto Catarinense e os Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul, sempre em áreas junto da Floresta com Araucárias, ecossistema bastante ameaçado.

Após o período de reprodução (de novembro a março), a chegada do frio mais rigoroso no Sul faz com que o capim utilizado pela patativa-tropeira não frutifique mais. Com a redução na disponibilidade do alimento, a ave migra temporariamente para o Bioma Cerrado, em áreas de Minas Gerais principalmente, permanecendo na região de abril a outubro.

Ecossistema onde a espécie se reproduz está quase extinto

Os campos de altitude associados à Floresta com Araucárias, onde a espécie se reproduz, vem sofrendo drasticamente em decorrência da contínua e rápida degradação e fragmentação dos ambientes naturais, bem como da substituição de espécies nativas por exóticas como o pinus (Pinus elliottii) e o barramento de rios para geração de energia. A própria Floresta com Araucárias tem apenas 3% de sua cobertura original, sendo alvo contínuo do avanço agrícola desordenado que destrói cada vez mais os ambientes naturais. Repenning explica que a patativa-tropeira depende desse ecossistema misto (em mosaico na paisagem), considerado praticamente extinto. “Ela necessita de áreas específicas para se reproduzir e que invariavelmente estão próximas a matas ciliares ou entremeadas com manchas de capões de florestas típicos dos campos com araucárias, por isso a necessidade de se conservar esse ecossistema tão ameaçado”, comenta.

Além disso, com base nas pesquisas, estima-se que haja cerca de 4.500 casais na natureza, número considerado baixo para aves. Outra dificuldade que a patativa-tropeira enfrenta e que a deixa vulnerável é a captura de indivíduos silvestres para abastecer o mercado clandestino de pássaros. “Por conta da somatória dessas situações, essa nova espécie já é considerada globalmente em perigo de extinção, conforme atualização da lista nacional de espécies ameaçadas de extinção que está em preparação”, destaca o pesquisador.

Habitats da espécie favoreciam sua descoberta

Por viver e se reproduzir exclusivamente em campos abertos com ausência de formação florestal, seja no Cerrado ou na Mata Atlântica, a ave já poderia ter sido descrita há muito tempo. “Isso não aconteceu por falta de pesquisa básica. Reconhecer e nomear espécies são alicerces para explorar questões mais complexas sobre a biodiversidade e os ecossistemas”, ressaltam os pesquisadores responsáveis pelo estudo.

De acordo com Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, instituição apoiadora do projeto que descobriu a ave, fomentar o desenvolvimento científico é indispensável para ampliar o conhecimento da biodiversidade brasileira. “Só é possível conservar aquilo que conhecemos. Por isso, a pesquisa científica é um importante subsídio para o avanço na proteção dos ambientes naturais brasileiros, bem como da fauna que neles ocorrem”, destaca. Para Nunes, quando um projeto descobre uma espécie, viabiliza a proposição de estratégias adequadas de conservação, tanto dela como de seu habitat, facilitando a implementação de políticas públicas mais assertivas e eficientes para protegê-los. Em 24 anos, a Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.398 projetos, contribuindo para a descrição de 70 novas espécies.

Edital busca novos projetos de conservação da natureza no Sul

Para ampliar o conhecimento dos ecossistemas ameaçados do Sul do país e proteger espécies como a própria patativa-tropeira, a Fundação Grupo Boticário abriu o Edital de Apoio a Projetos com foco nos ecossistemas sulinos. Podem se inscrever autores de pesquisas que busquem a conservação da biodiversidade no Bioma Pampa, exclusivo do Rio Grande do Sul, além daquelas com foco nos ecossistemas Floresta com Araucárias e Campos Sulinos Associados, ambos integrantes do Bioma Mata Atlântica e que ocorrem principalmente no três estados do Sul.

Sobre a Fundação Grupo Boticário – A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do fundador de O Boticário, Miguel Krigsner, a atuação da Fundação Grupo Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.398 projetos de 480 instituições em todo o Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ambientais em regiões de manancial, o Oásis. Na internet: www.fundacaogrupoboticario.org.br, www.twitter.com/fund_boticario e www.facebook.com/fundacaogrupoboticario.

EcoDebate, 04/08/2014

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