quinta-feira, 19 de março de 2015

‘A concentração dos recursos destrói a natureza e coloca vidas humanas em risco’, afirma Vandana Shiva

Para a filósofa, física e ‘ecofeminista’ indiana Vandana Shiva, a concentração de riqueza do 1% da população não é apenas injusta. “É a receita para um genocídio e um ‘ecocídio’ mundial”, disse a ativista antiglobalização em sua visita à Espanha, neste mês de março, por ocasião da primeira edição do Parabere Fórum, em Bilbao. A filósofa voltou a disparar contra os dois inimigos sobre os quais articulou sua luta: o controle dos recursos naturais, por meio de patentes conferidas para grandes multinacionais, e os organismos geneticamente modificados (OGM) destas corporações.

A reportagem é de Laura Olías, publicada por Rebelión, 17-03-2015. A tradução é do Cepat.

Shiva, de 62 anos e natural da região do Himalaia, explica suas palavras ao jornal El Diario: “Disse que os processos de acumulação de riqueza injustos e a concentração do controle sobre os recursos destroem a natureza e também colocam em risco a vida dos seres humanos. A mudança climática, a extinção das espécies, a erosão da biodiversidade e o desaparecimento da água são alguns indicadores deste ‘ecocídio’”.

A veterana ativista, que recebeu o Prêmio Right Liverhood (conhecido como o Nobel Alternativo) em 1993, é uma firme opositora das monoculturas e das sementes tratadas geneticamente em todos os casos.

A biotecnologia aplicada às sementes modifica o material genético das espécies para dotá-las de determinadas características. Algumas das vantagens que seus partidários defendem são a resistência dos materiais elaborados no laboratório a certas pragas, que reduzem o uso de herbicidas, e o aumento de produção dos cultivos. Seus opositores, como Vandana Shiva, negam as virtudes e destacam várias consequências negativas, em longo prazo, que, defendem, já começam a ser percebidas. Entre elas, o surgimento e a expansão de ervas daninhas resistentes a pesticidas que requerem outros produtos químicos para frear o seu avanço.

“Não são certos”, responde Shiva ao jornal El Diario, os possíveis efeitos positivos para o meio ambiente dos OGM, por causa da redução da aplicação de pesticidas. “O uso de produtos químicos aumentou desde que se introduziu a Biotecnologia. Ao invés de controlar as pragas, os OGM deram lugar à emergência de superpragas e super-ervas daninhas”.

Opositores e defensores da biotecnologia apresentam seus argumentos acompanhados de estudos que tentam anular a razão do outro lado. Em um artigo publicado pela revista científica Nature, a respeito do tema, alguns exemplos podem ser encontrados. A pesquisa da PG Economics, uma empresa de consultoria em Dorchester (Reino Unido), indica que a introdução do algodão manipulado salvou o planeta de 15,5 milhões de quilos de herbicidas, de 1996 a 2011, uma redução de 6,1% em relação ao que teria necessitado o algodão convencional. Outro estudo, realizado por David Mortensen – um ecologista da Universidade Estatal da Pensilvânia, na University Park –, afirma o contrário, que o uso total de herbicidas nos Estados Unidos aumentará aproximadamente de 1,5 kg por hectare, em 2013, para mais de 3,5 kg por hectare, em 2025, como um resultado direto dos cultivos geneticamente modificados.

Em relação aos efeitos sociais do uso de transgênicos, Vandana Shiva menciona um de seus argumentos mais polêmicos: os suicídios de agricultores na Índia por causa da irrupção dos cultivos de algodão Bt (geneticamente modificados), que na atualidade ocupam mais de 90% da exploração no país. A ativista indiana repete a denúncia que apresentou em muitas ocasiões, como neste artigo em The Huffinghton Post, de 2009. “A estimativa oficial do governo é que desde 1995, quando foi aberto o mercado de sementes da Índia para as multinacionais, mais de 291.000 agricultores daÍndia cometeram suicídio. Isto não é porque não podiam se dar ao luxo de plantar algodão Bt, mas, sim, porque a Monsanto (multinacional líder no comércio das sementes geneticamente modificadas) estabeleceu um monopólio de sementes de algodão”, explica para este jornal.

Shiva relaciona as causas das mortes com o aumento do preço das sementes manipuladas e com as dívidas contraídas pelos agricultores quando algumas colheitas não foram tão bem como se esperava, “porque as sementes não estavam preparadas para as condições locais.

Neste ponto, as pesquisas do International Food Policy Research Institute, de Washington DC, publicadas no mencionado artigo da revista Nature, são categóricas ao afirmar que a relação causa-efeito não fica demonstrada na comparação das duas variáveis. Enquanto a linha dos cultivos de algodão Bt, que irrompem em 2002, sobe disparadamente, entre 2005 e 2007, a variável dos suicídios se mantém mais ou menos constante no mesmo período. A linha de mortes de agricultores continua uma tendência sem grandes mudanças, ligeiramente em ascensão, desde 1997. Apesar destes e outros estudos críticos, como este artigo da revista científica Discover, a ativista insiste nas pressões da multinacional Monsanto sobre os agricultores locais e suas trágicas consequências.

As vozes mais críticas à fervorosa oposição de Shiva apontam que os oponentes dos OGM se baseiam em uma oposição ideológica, relutantes de que a ciência avance no terreno da genética, sem terem como sustentáculos dados que apoiem suas teorias sobre a contaminação e o prejuízo destes produtos.

No entanto, na Europa, onde a extensão dos transgênicos é muito menos estendida, alguns países reproduzem os mesmos argumentos. O Ministério da Agricultura francês se explicou da seguinte forma, no último mês de março: “Segundo dados científicos confiáveis e as muito recentes pesquisas internacionais, o cultivo de sementes de milhoMON 810 (tratadas geneticamente) representaria graves riscos para o meio ambiente, assim como o perigo da propagação de organismos daninhos convertidos em resistentes”.

O capital, dono do comum

O nome da multinacional Monsanto está sempre presente nas críticas de Shiva. Também nas de agricultores da América Latina que se organizam contra o poder da corporação em seus países, que faz uso de projetos de lei que favorecem sua produção frente à atividade de agricultores tradicionais.

Os argumentos da ciência a serviço do bem comum, que acompanham as virtudes dos OGM, não convencem Vandana Shiva. “Quando levamos em consideração o número de patentes destas iniciativas (das multinacionais), fica muito claro que os únicos beneficiários são as grandes empresas que operam com a finalidade de lucro, não as pessoas”.

A organização Navdanya, liderada pela ativista na Índia, “criou bancos comunitários de sementes para que os agricultores possam ter sementes próprias resistentes às pragas e que não necessitam de irrigação. Formamos os agricultores em técnicas de agricultura livres de organismos químicos. Ajudamos para que vendam suas unidades de algodão orgânico local khadi e a criar Fibras de Liberdade”, conta a ativista.

Conceitos como a autonomia alimentar ganham força em oposição a práticas nas quais os agricultores já não podem reproduzir sementes, nem cruzá-las de maneira natural por causa de uma patente. As empresas, por sua parte, vigiam para que os agricultores não roubem “seus códigos”, sem os quais não podem competir sem acesso à alta tecnologia.

A física indiana aproveitou o Parabere Fórum, um encontro internacional centrado no papel da mulher em todas as fases do processo alimentar e gastronômico, para reivindicar o papel da mulher na economia mundial. Também estimulou para que se transcenda a visão economicista do mundo, sustentada no conceito de “ganhar dinheiro”, para avançar rumo ao modelo social e econômico “mais criativo” e respeitoso com a natureza.

“A natureza não é baseada apenas na produção”, expôs, antes de manifestar que para construir uma sociedade “mais saudável e humanitária” é preciso superar os “paradigmas patriarcais”.

(EcoDebate, 19/03/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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