Fonte: Roberto Smeraldi, Redação Paladar - Sexta-feira, 26 de Junho de 2015
O Papa Francisco não tolera sobras no prato, nem na cozinha, na indústria ou no campo. Na histórica encíclica da semana passada, o papa chama a sociedade para combater as perdas. Usando sua autoridade ética, compara o desperdício da comida ao roubo e destaca que pelo menos um terço dos alimentos produzidos acabam desperdiçados. E formula sugestões de ação, embasando por exemplo a luta pela inserção da educação alimentar nos currículos escolares, quando cita o papel da “educação… para cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer”.
Assim como já mostrou ao lidar com a diplomacia nas relações EUA-Cuba, dessa vez, não hesita em se assumir como liderança civilizatória, além da esfera espiritual e independentemente da fé dos interlocutores. Quando fala da mesa do futuro, Francisco vai muito além do que a Igreja tem feito, desde Paulo VI, com a tradicional ênfase na fome.
Superá-la é considerada óbvia necessidade, mas tanto “fome” quanto “segurança alimentar” são mencionadas apenas uma vez nas 88 páginas do documento. Se o mundo do alimento evoluir como o Pontífice deseja, nossos netos irão saborear mais e melhor a vida. Ele identifica na baixa qualidade dos alimentos uma das principais causas da diminuição da qualidade de vida das pessoas.
Sobre o alimento, o grande destaque da encíclica é o foco na diversidade, da produção ao consumo, e na contemporânea abordagem de cadeia. Surpreende ao argumentar em prol da diversificação produtiva e criatividade empresarial vinculadas a sistemas alimentares rurais de pequena escala, e chamando a responsabilidade de apoio firme aos pequenos agricultores e à diversificação da produção.
O papa fala sem meio termo da necessidade de um consenso mundial sobre uma agricultura sustentável e diversificada. E quer fazer isso não só com investimentos em técnicas agrícolas, mas também com a organização dos mercados, locais e globais.
Francisco enaltece a importância dos produtos silvestres, de pesca e caça artesanais, de pequenas hortas, de bosques e florestas, que enxerga como recursos estratégicos para o futuro da alimentação. Mas o destaque maior vai para os oceanos. Inicia com o plâncton e desenvolve um raciocínio que chega à alimentação humana, sem deixar de estigmatizar a extração descontrolada dos recursos ícticos em rios, lagos, mares e oceanos e modalidades de pesca que descartam grande parte das espécies apanhadas.
Vale observar a posição nova sobre o uso da engenharia genética. Em vez de limitar o alcance da ciência a partir de uma objeção ética, adota postura pragmática nos questionamentos. De alguma forma, desafia a ciência a fazer mais, mostrando como pode evitar oligopólios, subordinação de agricultores, danos a ecossistemas. Deixa entender que não teria relutância em aceitar o novo. Da mesma forma ataca a maquiagem verde no marketing dos alimentos.
O menu ideal de Francisco parece um farm-to-table com ingredientes frescos da agricultura familiar e da floresta, uso de sobras, diversidade no prato, saborosos pescados pouco conhecidos e produtos com rotulagem confiável. Um perfil semelhante ao do bom cozinheiro.
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