quinta-feira, 2 de julho de 2015

Médico do Programa Mais Médicos resgata saber tradicional de tribo indígena no Oiapoque, Amapá

A aldeia Kumenê fica na reserva Uaçá, em Oiapoque, a 590 quilômetros de Macapá, capital do estado do Amapá, no extremo norte do Brasil. A aldeia tem 958 habitantes, índios da etnia Palikur. Por ser uma aldeia polo, a população atendida pela unidade de saúde local é de 1576 indígenas ao todo, considerando a população das tribos vizinhas. Uma das tribos mais remotas da região amazônica, a aldeia Kumenê fica a 7h de barco de Oiapoque (viagem que pode durar mais ou menos horas, dependendo das condições dos rios). De acordo com os relatos dos habitantes da aldeia, há aproximadamente 30 anos missionários evangélicos construíram um templo no local, e hoje praticamente toda a população é evangélica.A chegada da religião implicou em uma série de mudanças nos costumes dos índios. Grande parte da cultura tradicional da tribo foi deixada de lado, associada a paganismo ou bruxaria, em razão da nova doutrina adotada. Após a construção da primeira escola da aldeia, também pelos missionários, o português passou a ser ensinado às crianças. Entretanto, apesar da maioria dos índios saber o português, a comunicação entre eles ainda é realizada no idioma nativo, o Palikur.

Com o esforço dos pastores evangélicos, algumas tradições foram banidas da aldeia, entre elas a atuação de pajés, as danças típicas, o nudismo e o consumo de caxixi, bebida alcóolica à base de mandioca que era fermentada com a saliva dos índios. 

Javier Lopez Salazar, médico cubano do Programa Mais Médicos, chegou ao Brasil em janeiro de 2014. Especialista em Medicina Familiar e comunitária e com uma pós-graduação em Medicina Tradicional, ele iniciou um trabalho de resgate cultural na aldeia, na tentativa de recuperar a sabedoria local na utilização de plantas e ervas medicinais. O que ele não esperava é que isso fosse causar uma pequena revolução na aldeia Kumenê.

“Esta é uma aldeia evangélica há mais de trinta anos, e muitas vertentes da sua cultura foram mudadas. Eles deixaram de acreditar em plantas medicinais, até a minha chegada aqui. Pouco a pouco, com a equipe de saúde, fomos convencendo as pessoas”, contou o médico cubano.

Aldeia se uniu para plantar horta medicinal comunitária
J
avier buscou os professores da escola local para fazer uma campanha de conscientização sobre a importância da medicina tradicional, ao mesmo tempo em que resgatava esses saberes com a população mais velha da aldeia.

“Como professor, eu expliquei para os meus alunos a importância das ervas medicinais e incentivei a participação deles. E eles me responderam que iam colaborar”, contou José Passinho Ioio, professor indígena da aldeia.

A iniciativa foi apoiada pelo cacique, Azarias Ioio Iaparrá: “Eu disse para o médico que nós tínhamos esse conhecimento, do remédio caseiro. Ele então reuniu as comunidades, chamou os idosos, todos nós conversamos. E hoje em dia ele fez a comunidade ver a importância disso, a horta está lá, tão bonita. Ele veio e mostrou o conhecimento dele”, disse.

Após uma reunião entre a comunidade e a equipe de saúde, foi traçado um plano de ação. Os indígenas buscaram as canoas defeituosas e abandonadas nas beiras dos rios, levaram para o centro da aldeia, e, sob a liderança do médico, começaram a plantar as ervas medicinais. Cada canoa tem um tipo de planta, uma placa com seu nome e as indicações de uso. Apenas o médico pode receitar a utilização das ervas cultivadas no local.
Além de resgatar o saber tradicional indígena na aldeia, o trabalho de Javier ainda ajuda o país na proteção, pesquisa e preservação de plantas amazônicas. Todas as ervas medicinais usadas na aldeia Kumenê são reconhecidas e catalogadas no Brasil, mas, aquelas que são desconhecidas ou não têm registro são levadas pelo médico cubano para o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) para serem devidamente estudadas e registradas.

"Nós temos no Oiapoque três médicos cubanos, um em cada polo base. Isso foi de uma importância muito grande para a saúde indígena. Porque o médico cubano vem para fazer o serviço de atenção básica. Eu não preciso mais levar esse indígena para Oiapoque para fazer esse serviço. Quando os indígenas são encaminhados por eles para as cidades, em noventa por cento dos casos já se trata de atendimento de média e alta complexidade, porque a base já foi feita aqui. E isso é um enorme diferencial de qualidade de vida e saúde para as populações. O ganho para a saúde indígena com o Programa Mais Médicos e a vinda dos médicos cubanos é incontestável”, afirma Luis Otávio Sarges, chefe da Casa de Saúde Indígena do Oiapoque (Casai – Oiapoque).

Ministério da Saúde lança edital para pesquisas sobre saúde em populações indígenas

No último dia 01 de junho, o Ministério da Saúde lançou uma convocatória pública para realização de pesquisas em 23 segmentos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo do edital, publicado no Diário Oficial da União , é fortalecer o SUS, e para isso serão disponibilizados R$ 23,5 milhões para o desenvolvimento dos estudos.

Algumas das linhas de pesquisa são: o impacto do Programa Mais Médicos em áreas vulneráveis; as principais causas de morte materna entre povos indígenas e quais as práticas de cura tradicionais e plantas medicinais são mais prevalentes nas comunidades indígenas¹.

O Programa Mais Médicos já levou 305 profissionais para 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) em todo o país.

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