quarta-feira, 13 de março de 2013

Hipócrates: a medicina grega do mito à razão

Texto gentilmente cedido pelo Neto Geraldes (historiador e médico) do blog: Xarope de letrinhas (http://netogeraldes.blogspot.com.br/)
Data: 19.01.2013

Há mais de 2500 anos, principalmente nos séculos V e IV aC., a civilização grega estabeleceu as bases de uma medicina, cujas características mais marcantes- a racionalidade, a observação clínica meticulosa e a postura ética- ainda influenciam o pensamento médico contemporâneo. Nessa época os médicos e a medicina ocuparam lugar de destaque na cultura e no pensamento grego e conseguiram prestígio tão elevado para uma profissão em relação ao seu tempo, que nunca mais voltaria a ocorrer. Hipócrates é o maior representante e o mais emblemático símbolo dessa medicina e o primeiro grande divisor histórico da medicina grega e ocidental. 

Por volta do século VI aC. sob a influência dos novos modos de pensar dos gregos, ou seja a passagem de uma consciência religiosa para uma consciência naturalista, particularmente a partir da filosofia jônica da natureza, a medicina gradativamente foi sendo encaminhada para a busca de explicações naturais para as doenças e curas, através da observação imparcial. Na tentativa de construção de uma cosmogonia que explicasse a origem do universo com base na razão, Tales de Mileto (625-558 aC) acreditava que a água era a substância primordial, o princípio fundamental de todas as coisas, para Anaximandro de Mileto (610-546 aC) este princípio era uma matéria infinita e indefinida, o apeiron. Para Anaximenes de Mileto (588-525aC), o elemento primordial era o ar (pneuma) e para Heráclito de Éfeso (540-476aC) era o fogo. Empédocles de Agrigento (490-435aC), por sua vez, elaborou a teoria dos 4 elementos como primordiais: ar, terra, fogo e água.

Pouco se sabe documentadamente sobre a vida de Hipócrates. Alguns historiadores chegam a contestar sua existência, que, entretanto, é confirmada em escritos de Platão e Aristóteles. Além disso, esses filósofos tinham alto conceito do médico de Cós, praticamente um contemporâneo.
Hipócrates nasceu na pequena ilha de Cós, uma das ilhas do Dodecaneso, próxima da costa da Ásia Menor, provavelmente no ano de 460 aC, ou no primeiro ano da 80ª Olimpíada, como se marcava o tempo então. Consta que morreu em Larissa na Tessália. A data de sua morte é controversa, mas seus biógrafos, todos muito posteriores, atribuem-lhe longa vida: de 80 a improváveis 109 anos. Ele pertencia a uma família de médicos. Hipócrates teria sido introduzido na arte da medicina por seu pai Heraclides, que era um asclepíade, assim como seu avô, que também se chamava Hipócrates. Seus filhos Drácon e Tessalos, bem como seu genro Polibio, também eram médicos.

Naqueles tempos, a Grécia experimentava um período de grande efervescência e progresso culturais, sendo Atenas a principal cidade e centro produtor e irradiador dessa cultura. Foi nessa época que surgiu a tragédia grega, (que teve início e fim no século V aC) de Ésquilo, Sófocles e Eurípides que teve como principal característica o confronto do mito com a razão. Foi nesse século que Heródoto (480aC.?-425ac.?) escreveu sua História, e que Tucidides (460?-400? aC.) inicia a busca de uma explicação racional para a História, embora só apresente a sua versão, que pretendia definitiva. Ao escrever sobre a peste em Atenas na “Guerra do Peloponeso”, da qual foi uma das vítimas, Tucídides fez observações com detalhes que podem ser comparados aos dos livros do Corpus Hipocraticum. Foi o “século de Péricles”, a época de Platão e de Sócrates, o desabrochar de Aristóteles.

Ao desvincular-se da filosofia, Hipócrates fez com que a medicina se voltasse para si mesma, desenvolvendo conceitos e métodos próprios, que forneceram a sustentação para a sua consolidação como arte de um saber próprio que propiciou crescimento técnico, posição de relevo na cultura e capacidade de influenciar o pensamento grego de então.

Posted  by Neto Geraldes
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