Belo presente do colega, amigo e irmão João D´Olyveira
CANÇÃO DE UM FILHO SEM QUINTAL
Meu quintal tinha amoreira,
onde cantavam pardais.
Bananeiras, ingazeiros,
um pé de feijão-guandu.
Se havia carniça no campo,
no céu plainavam urubus.
Também havia erva-cidreira,
erva-doce e cana caiana.
Alguns pés de batata-doce,
quebra-pedra, taioba e picão-do-mato.
Na terra, minhocas de pesca,
besouros e taturanas,
mandarovás e carrapatos.
No meu quintal da infância,
chupei muita ameixa e uva-japonesa.
Na sobremesa, doces, pirulitos e pudins;
laranja-lima e laranja-baiana;
bananas São Tomé e Prata.
No tempero, limões galego e cravo;
só não havia cachaça e cachorro bravo!
Tive uns tempos um gato preto,
algumas galinhas comuns e duas que vieram d’Angola.
Alguns patos, dois pintinhos:
um preto e outro amarelinho.
Havia um galinheiro bem grande,
muitos ovos para contar...e quebrar.
Ele ficava debaixo de um pé de acerola,
onde construía papa-ventos e pipas,
e esticava as rabiolas.
No quintal, construía arapucas
de linha, gravetos e peneira,
para pegar sacis, curiosos e passarinhos.
Lá, também, alimentava um fogão de barro;
com barro e carvão fazia inúmeros bolinhos.
No quintal jogava triângulo,
bolinha de gude e futebol.
Brincava de esconde-esconde,
garrafão e chefe-mandão.
Criava cabaninhas de capitão-do-mato,
sentia o forte aroma das flores da figueira.
Fazia bonecos dos sabugos de milho,
Improvisava bateria com tampas de panela.
Batia latas e cantava muito,
porque amava os Beatles, os Rolling Stones...e ela.
Roupas no varal eram bandeirinhas,
areia de chuva era praia,
guarda-chuva quebrado era polvo
buraco no chão era esconderijo,
piconha e panela faziam parte do jogo.
No quintal havia muita maria-sem-vergonha,
dois pés de jacinto,
um de rosa branca para remédio,
muitos sangue-de-adão.
Havia trepadeiras,
samambaias e comigo-ninguém-pode.
Mas tudo eu podia...porque era criança!
Depois, a casa se espalhou pelo quintal.
Morreram as hortaliças, os pés de fruta.
Partiram as aves.
Sobraram os impertinentes pombos.
Papai morreu.
Mamãe morreu.
Meus heróis começaram a morrer de overdose.
Eu ainda estou vivo...moro em um apartamento!
João D’Olyveira
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