quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Artigo: Fitoterápicos e potenciais interações medicamentosas na terapia do câncer

Autores: Heidge Fukumasu; Andreia Oliveira Latorre; Natalia Bracci; Silvana Lima Górniak; Maria Lucia Zaidan Dagli

Revista Brasileira de Toxicologia, v.21, n.2, p.49-59, 2008

Destaque para o item: COMO OCORREM AS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS?

A interação medicamentosa pode ser definida como sendo a resposta farmacológica ou clínica da co-exposição do medicamento convencional com outra substância que acaba modificando a resposta do paciente a este medicamento. 

Considera-se que cerca de 20 a 30% das reações adversas ao medicamento ocorram por interações medicamentosas (7). Uma preocupação adicional com o paciente oncológico é que este geralmente necessita receber vários outros medicamentos, além do quimioterápico, para minimizar as possíveis complicações deste último, como vômitos, diarreia, enjoos, dores de cabeça, baixa da imunidade etc. Neste momento, se torna fundamental que o oncologista tenha a consciência de que além destes medicamentos, diversos componentes naturais, que podem estar sendo consumidos pelo paciente, também são capazes de alterar a farmacocinética dos quimioterápicos. Logo, especial atenção deve ser dada tanto à dieta do paciente e, principalmente, quanto ao uso de fitoterápicos em conjunto com a quimioterapia. 

Os principais efeitos destas interações medicamentosas são relacionados com o aumento ou diminuição do potencial citotóxico do quimioterápico e o aumento dos efeitos colaterais. 

Conforme dito anteriormente, as alterações relacionadas à farmacocinética dos medicamentos são as mais importantes, sendo relacionadas à: 

a) Absorção – Importante principalmente para os medicamentos que são administrados pela via oral. Diversos são os efeitos que o alimento ingerido em uma refeição pode gerar no estômago, como exemplos, o atraso no esvaziamento gástrico, o aumento do pH intestinal, o aumento do fluxo sanguíneo entero-hepático e a diminuição do trânsito gastrintestinal (7). O atraso no esvaziamento gástrico devido aos alimentos faz com que o medicamento fique mais tempo em pH ácido, podendo ocorrer a sua degradação já no estômago. Um dos quimioterápicos antineoplásicos que sofrer alteração na sua eficácia devido ao atraso no esvaziamento gástrico é o clorambucil, que sofre considerável grau de hidrólise pelo baixo pH estomacal, diminuindo assim a quantidade biodisponível para as células neoplásicas (8). 

Por outro lado, as alterações fisiológicas geradas pela alimentação acabam aumentando a absorção do Erlotinib® um inibidor da ação tirosina quinase do receptor de EGF administrado pela via oral – (9), nesta situação, há um aumento da concentração máxima deste medicamento no organismo, promovendo, assim, efeitos tóxicos. Uma das ações que pode ser realizada pelo oncologista para diminuir possíveis interferências da alimentação na eficácia dos quimioterápicos antineoplásicos é o de alertar o paciente que o medicamento deve ser ingerido de uma a duas horas antes das refeições. 

Outro fator importante que deve ser lembrado quando se considera a absorção dos medicamentos é a presença de transportadores específicos nas células de diferentes órgãos, como fígado, rim, intestino e cérebro, denominados de polipeptídios transportadores de ânions orgânicos (do inglês OATP – organic anion transporter polypeptides) que têm a função de auferir os quimioterápicos presentes na corrente sanguínea para dentro das células (10). Alguns flavonoides de plantas como chá-verde, ginkgo, sementes de uva entre outros, mostraram promover efeito inibitório sobre o transporte gerado pelo OATP-B em células do epitélio intestinal humano (11). Estes resultados permitem sugerir que a co-administração destes suplementos dietéticos poderia diminuir a absorção oral de substratos do OATP-B. 

Além disto, deve-se considerar que a ingestão de fitoterápicos por pacientes oncológicos pode levar à menor ou maior absorção do medicamento quando administrado pela via oral, devido a alterações no processo de biotransformação que serão explicadas a seguir.

b) Distribuição – a partir do momento que o medicamento entra na corrente sanguínea independentemente da sua via de administração, este se liga às proteínas plasmáticas, como a albumina, glicoproteínas e imunoglobulinas (12). Portanto, pode-se supor que os fitoterápicos podem possuir princípios ativos que se liguem às proteínas plasmáticas, diminuindo assim a quantidade livre destas proteínas para se ligarem aos quimioterápicos, o que acarretaria, por fim, em maior biodisponibilidade destes medicamentos e, com isto, maior possibilidade de toxicidade. 

Um exemplo importante a se considerar é o ácido Betulínico, princípio ativo com ação antineoplásica encontrado em diferentes plantas, principalmente nas do gênero Betula spp (13, 14), que se liga a soro albumina humana (15). 

c) Biotransformação – definitivamente o maior número de interações medicamentosas por fitoterápicos ocorre por indução ou repressão enzimática de proteínas de fase I ou fase II. As enzimas de fase I são consideradas como sendo as responsáveis pela hidrofilização de moléculas com características mais lipofílicas, com a finalidade de tornar mais eficiente à excreção destas pela via renal. Nesta classe são consideradas todas as enzimas do complexo do citocromo p450 assim como as aldeído/álcool – desidrogenases, entre outras. Hoje, são conhecidos 57 genes diferentes que codificam para formação de enzimas do citocromo p450 em humanos (16), sendo que estas possuem funções variando desde a biotransformação de xenobióticos ao metabolismo de hormônios, como a aromatização de andrógeno a estrógeno. Estas enzimas não são específicas quanto ao seu substrato, podendo atuar sobre diversas substâncias diferentes, tanto endógenas quanto exógenas. Em humanos, as principais enzimas relacionadas à biotransformação de xenobióticos pertencem às famílias 1, 2 e 3, sendo as CYP3A4, CYP2D6, CYP1A2 e CYP2D9 responsáveis, respectivamente, por biotransformar 33%, 23%, 14% e 14% de todos os fármacos conhecidos (17). Diversos quimioterápicos convencionais usados no tratamento do câncer são medicamentos que atuam diretamente nas células neoplásicas, porém outros são pró-drogas, isto é, são substâncias que necessitam serem biotransformadas para apresentarem seu efeito farmacológico. 

Assim, deve-se considerar o risco da ingestão concomitante de plantas medicinais e/ou fitoterápicos com outros medicamentos por pacientes oncológicos, uma vez que, estas plantas podem ser fortes indutoras ou inibidoras das enzimas do complexo do citocromo p450. O exemplo clássico é o suco de Toranja (Grapefruit), um conhecido inibidor da enzima do complexo do citocromo p450 CYP3A4 nos enterócitos (18). 

Desta maneira, este suco promove maior biodisponibilidade de diversas substâncias, incluindo-se os vários quimioterápicos antineoplásicos de ação direta, que podem então ter seus efeitos colaterais aumentados, como exemplo, pode-se citar o Erlotinib® que é biotransformado principalmente pela CYP3A4. Diversas outras plantas já demonstraram efeitos inibitórios sobre a expressão da CYP3A4, como extratos de batata africana (19), Gingko biloba (20), e algumas plantas indonésias (21). Ainda, deve-se considerar a possibilidade de indução dessas enzimas pelo uso de plantas medicinais, que acarretaria na diminuição da eficácia dos medicamentos de ação direta (por acelerar sua eliminação do organismo) e no aumento da biodisponibilidade das pró-drogas e conseqüentes efeitos colaterais (por acelerar sua ativação). Uma das plantas mais conhecidas por esse efeito indutor de enzimas do complexo do citocromo p450 é a Erva de São João (Hypericum perforatum), indutora da CYP3A4 (22; 23), que devido a vários relatos de interações medicamentosas passou a sofrer fiscalização intensificada por meio da ANVISA (RE nº 357/02) (24) para evitar seu consumo sem prescrição médica. Para melhor compreensão da matéria, já que grande parte dos quimioterápicos antineoplásicos sofre a ação de enzimas do citocromo p450, indica-se a revisão apresentada por Scripture e Figg (25), visto que este tema fugiria do escopo da presente visão. 

Em relação às enzimas de fase II, estas são as responsáveis pela conjugação dos xenobióticos ou seus metabólitos, gerados na fase I, com um substrato endógeno com a finalidade de desintoxicação. São conhecidas quatro famílias principais de enzimas de desintoxicação as Glutationa S-transferases (GSTs), UDP-glucuronosiltransferases (UGTs), sulfotransferases e N-acetiltransferases (4). Em humanos as GSTs são encontradas em diferentes tecidos e exercem um papel central na proteção contra xenobióticos. Assim, alterações nos seus níveis de expressão podem alterar a resposta dos pacientes aos quimioterápicos antineoplásicos, sendo que o aumento da expressão dessas enzimas de fase II pode resultar em perda de eficácia do medicamento e a supressão dessas enzimas pode aumentar a toxicidade do medicamento (26). Deste modo, deve-se considerar o risco de interação medicamentosa pela ingestão concomitante de plantas medicinais e/ou fitoterápicos com quimioterápicos por pacientes oncológicos, uma vez que, estas plantas podem alterar a expressão ou mesmo competir pelas enzimas de fase II. Esse tipo de alteração pode ocorrer, por exemplo, pelo consumo de chá-verde amplamente utilizado tanto pelo seu efeito quimiopreventivo do câncer como pelo seu efeito antineoplásico (27). Já foi demonstrado que as catequinas contidas no chá-verde se ligam com maior afinidade a hGST P1-1 que os quimioterápicos antineoplásicos (ciclofosfamida, ifosfamida, melphalan e clorambucil) resultando assim em maior concentração sistêmica destes medicamentos e consequente aumento de toxicidade (28). 

d) Eliminação – a eliminação da substância pelas células tem como passo importante a ligação a proteínas transportadoras, que têm por função expulsar os xenobióticos da célula. A expressão dos genes destas proteínas é tida como fundamental quando se considera a terapia anticarcinogênica, pois em sua grande maioria estão relacionados com a resistência a múltiplas drogas (do inglês Multi Drug Resistance – MDR). Por exemplo, a família de proteínas transportadoras dependentes de ATP, ABCB1 é implicada na modulação, tanto da absorção, quanto da eliminação de quimioterápicos antineoplásicos (29). Estas proteínas estão localizadas tanto na membrana apical das células epiteliais intestinais (daí sua importância na absorção), quanto nos bordos em escova da membrana proximal das células dos túbulos renais (tendo função na eliminação de substâncias do organismo) (25). Estas proteínas são consideradas muito importantes quando do tratamento com um quimioterápico antineoplásico, já que se verificou, em diversos trabalhos, que as células neoplásicas podem tornar-se resistentes a estes medicamentos por aumentarem a expressão destas proteínas. 

Desta maneira, as células neoplásicas “expulsam” o quimioterápico antes mesmo deste chegar ao seu alvo biológico, diminuindo assim a sua eficácia. Por fim, a eliminação dos xenobióticos do organismo se faz por três órgãos principais: rins, onde os medicamentos hidrossolúveis são eliminados; fígado, onde, após a biotransformação, os medicamentos são eliminados pela bile; e os pulmões, responsáveis pela excreção dos medicamentos voláteis (4).

Referências e artigo completo no link:
http://iah.iec.pa.gov.br/iah/fulltext/lilacs/revbrastoxicol/2008v21n2/revbrastoxicol2008v21n2p49-59.pdf

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