Nº.53 Amazônia Dezembro 2015
Pesquisa científica e tecnológica aplicada as indústrias cosmética e farmacêutica pode gerar produtos inovadores a partir da flora amazônica.
Sementes de Cumaru. Reprodução Wikimedia.
Lauro Barata
23/12/15
A história da Amazônia se confunde com o Ciclo das Drogas do Sertão, período em que a região foi fornecedora de plantas medicinais para a produção de medicamentos e outros produtos. Foi só a partir dos anos 1940, durante a última Grande Guerra, que substâncias naturais da floresta foram substituídas em grande escala pelos antibióticos e pelos sintéticos...mas, o ciclo iniciado no Brasil Colonial parece não ter fim, perdura até nossos dias, basta visitar o Mercado do Ver-O-Peso, em Belém.
Ervas aromáticas e medicinais, especiarias que traziam boa renda aos ribeirinhos e que alcançavam excelentes preços no mercado mundial, hoje são apenas commodities, negociadas à baixo preço por empresas de médio porte como a Beraca[1] e Amazonoil[2] de Belém. A razão atrás do fato é que faltou e falta tecnologia e pesquisa & desenvolvimento para os produtos da Floresta, que não possuem controle de qualidade e, como tal, tem baixos preços. E não é simplesmente, a falta de recursos financeiros ou técnicos que impedem a qualidade dos produtos da Amazônia. A maioria das universidades e centros de pesquisas da região possuem equipamentos e pessoal qualificado para o desenvolvimento da ciência, mas não estão, é certo, qualificados para o desenvolvimento tecnológico.
Maior biodiversidade do planeta, a Amazônia contabiliza 20 mil espécies de plantas floríferas. As plantas aromáticas são 1.250 espécies registradas (Maia, 2009). Produtoras de óleos essenciais e aromas usados na perfumaria, na fabricação de cosméticos, alimentos e produtos farmacêuticos destas, apenas o óleo essencial de pau-rosa (Aniba rosaeodora) tem valor agregado chegando à USD 220/kg. O cumaru é negociado em Óbidos e Alenquer, no Pará, a USD 5/kg e a Copaíba, no Amazonas, por USD 10/kg. Beneficiado no exterior, o absoluto de cumaru (produto obtido a partir do beneficiamento da semente da fruta) pode chegar a USD 200/kg. O óleo resina de copaíba (Copaiferae spp.) e as sementes de cumaru (Dypterix odorata), ambos usados em perfumaria e cosmética, são comercializados a baixo preço.
As indústrias de cosméticos e perfumaria são um setor industrial altamente rentável e demandante de novidades, principalmente aqueles que têm o apelo da sustentabilidade, traduzido em projetos ecológicos-econômicos que respeitam os aspectos sociais e a natureza. De acordo com o relatórioTransparency Market Research[3], de 2015, os Estados Unidos se tornarão, em futuro próximo, o mais importante mercado para os cosméticos orgânicos, esperando uma venda de USD 13,2 bilhões em 2018. É certo que produtos da floresta amazônica devem estar nas formulações destas empresas. Um convênio em processo entre uma grande empresa internacional de matérias primas para cosméticos e a UFOPA[4] prevê o estudo de resíduos madeireiros originados da Flona, Floresta Nacional do Tapajós, que corta dois mil hectares/ano em “manejo florestal” e descarta como resíduo metade deste volume, cena comum nas indústrias madeireiras da região.
Indústria em franco crescimento
A indústria cosmética mundial fatura em torno de USD 300 bilhões/ano e deve chegar aos USD 545 bilhões em 2017[5]. O mercado brasileiro de cosméticos e higiene pessoal cresce sustentavelmente desde 2001, produzindo empregos de qualidade. Em 2014, teve faturamento de R$ 45 bilhões e, considerando os preços ao consumidor, este volume deve dobrar, chegando a R$ 100 bilhões anuais.
O Brasil foi o país onde o mercado cosmético mais cresceu, ocupando hoje o terceiro lugar no mundo e o 1º lugar mundial no mercado de perfumaria[6] (USD 6 bilhões/ano) a frente dos EUA (USD 5,3 bilhões) e França (USD 2,4 bilhões). Este mercado apresenta-se como uma oportunidade para o desenvolvimento de matérias-primas para cosméticos e perfumes baseados em matérias primas de plantas aromáticas da Amazônia. No Brasil conta-se 2.392 empresas atuando no setor de cosméticos. No estado do Pará, no entanto são apenas 12 empresas atuando nessa, com muito pouca tecnologia embutida nos produtos. Mais grave ainda é que em Santarém, maior cidade depois de Belém e sede da Ufopa, exista apenas uma empresa de cosméticos.
Uma pena, porque o estado do Pará tem enorme tradição no uso de plantas aromáticas, usadas para defumações, sachês aromáticos e os banhos-de-cheiro. Uma aromaterapia cabocla que emprega raízes do patchouly (Vetiveria zizanoides) e da priprioca (Cyperus articulatus), cascas de macacaporanga (Aniba parviflora), da casca preciosa (Aniba canelilla) e do pau-rosa (Aniba rosaeodora), além do cumaru (Dipteryx odorata) e a oriza (Pogostemum cablin), apenas para destacar as mais usadas. Uma ablução perfumada[7]. Do banho-de-cheiro, diz-se que possui dons miraculosos: "Fecha o corpo" para as coisas ruins e "abre os caminhos", o que parece uma terapia muito acertada para os dias de hoje e indicada para os políticos...
O exemplo do pau-rosa
O costume do uso do pau-rosa nos banhos aromáticos dos idos dos anos 1960, mudou com o processo de exploração desenfreada do óleo essencial da madeira, que levou ao quase desaparecimento da espécie agora inscrita no Anexo II do CITES[8]. Legitimamente brasileira a planta-símbolo da região está como espécie em perigo de extinção. O uso do óleo essencial do pau-rosa em perfumaria fina, como os da Chanel, fez com que Barata (Barata, 2001 e 2004), em 2001, realizasse expedições na região para verificar se árvores jovens de pau-rosa produziam nas suas folhas, óleo com aroma semelhante ao óleo da madeira. Deste modo não seria mais necessário abater as árvores para a extração do óleo, apenas podá-las anualmente para extrair o óleo, uma árvore de dólares... A empresa amazonense Magaldi de Maués emprega esta tecnologia e tem altos rendimentos anuais com um processo sustentável. Em 2012, a empresa exportou cerca de 2 mil quilos de óleo essencial de rosewood para indústrias de perfumaria e cosméticos ao valor de USD 220/kg, fazendo crer num aporte de USD 440.000 em um único ano.
Nossos estudos em escala piloto-industrial mostraram que as folhas de pau-rosa de cultivos jovens, produziam óleo em rendimento e perfil químico similares ao da madeira, dispensando o abate das árvores centenárias para obter o óleo. O óleo essencial de pau-rosa é obtido pela poda manual das folhas, num processo industrial simples, utilizando apenas vapor-d’água produzido por uma caldeira alimentada com os resíduos das folhas já extraídas, mesmo sistema usado pela indústria de óleo de eucalipto.
Uma importante questão focava no ponto de vista econômico. Um cultivo de árvores de pau-rosa seria tecnicamente viável? Esta questão foi respondida em 2008, com um cultivo de mil mudas em dois hectares em Santarém, no Pará, em projeto apoiado pelo Banco da Amazônia (Barata, 2010). O resultado mostrou que uma fonte alternativa do óleo de pau-rosa poderia ser desenvolvida a partir da poda de folhas e galhos finos de árvores jovens de pau-rosa de cinco anos (Barata, L.E.S. e Carvalho, R.Q., 2007 a,b). O projeto é econômica e ambientalmente sustentável. Uma análise econômica (Barata, 2014) mostrou que um cultivo de 10 mil mudas de pau-rosa em uma área de 20 hectares, deverá ser autossustentável a partir do quinto ano, alcançando uma produção de mil litros do óleo essencial de folhas de pau-rosa em seis anos. Considerando o valor atual de USD 220/kg e um rendimento médio de 1%, uma empresa teria um faturamento anual de USD 220.000,00 com apenas uma poda anual.
Barata (2004, 2007) com Fidelis, 2012) e Lupe (2007) produziram uma série de estudos para mostrar a viabilidade técnica e econômica da produção do óleo essencial das folhas de pau-rosa, não restando hoje qualquer dúvida sobre a vantagem econômica-ambiental de tal processo.
Uma questão ainda existente, e colocada por perfumistas, é se o óleo das folhas pode produzir um aroma tão potente e complexo como o óleo da madeira. Fidelis, Barata et al (2012) aprofundaram esta questão utilizando a cromatografia “GC X GC” bi-dimensional e mostraram em geral uma composição química dos óleos muito mais complexa do que aquela gerada pela cromatografia de gás (GC) tradicional, mas uma coisa ficou clara, o perfil químico tanto do óleo das folhas quanto o da madeira é definitivamente similar.
Adicionalmente (Fidelis et al, 2013) desenvolveram estudos cromatográficos e espectrométricos de massas ou GC-GCqMS para especificar o perfil químico de óleo essenciais de plantas de diferentes idades e procedências, de modo a não restar dúvidas quanto á química de plantas de quatro, 10 e 20 anos. Fidelis et al (2015), usando técnicas sofisticadas de GC-MS/SPME, investigaram o excesso enantiomérico dos isômeros do linalol presentes em folhas de quatro grupos de árvores de pau-rosa, de mudas a árvores adultas. Os resultados mostraram que folhas de plantas de até um ano de idade são fundamentalmente diferentes de plantas com a idade de quatro anos até adultas de 20 anos relativamente ao linalol. Baseado neste critério sugerem que o óleo extraído de plantas de apenas quatro anos já podem chegar ao mercado.
Souza et al (2011) estudaram ainda possíveis adulterações do óleo essencial de pau-rosa - que possui elevado valor agregado - com linalol sintético, produto barato e disponível. A técnica da infusão direta de amostras via ionização por eletronspray em espectrometria de massas (ESI-MS) caracterizou amostras genuínas de Aniba rosaeodora tanto de folhas quanto de madeira e pode distinguir adulterações com o óleo sintético. Deste modo, a técnica mostra-se efetiva podendo servir de controle de qualidade e autenticidade de amostras.
Tranchida et al (2008), usando uma técnica bem conhecida por perfumistas (GC-O-MS), analisaram o perfil químico e sensorial dos óleos de folhas comparando com o óleo de madeira de pau-rosa e revelaram que o aroma é adocicado, floral-rose e do tipo petit grain e que poderia substituir óleo clássico, que abate árvores, pelo óleo das folhas e galhos de pau-rosa. Baseado nos fatos experimentais perfumistas aprovaram e já introduzem o novo óleo em fragrâncias finas. Incentivados pelo projeto, produtores locais iniciaram um cultivo de pau-rosa em áreas antes devastadas, que em consórcio com outras plantas nativas da região, podem gerar emprego e renda.
O case pau-rosa mostrou que é necessário agregar C&T aos produtos da Amazônia para contribuir, não apenas no fornecimento das commodities, mas também na produção de insumos e produtos finais na região. Mas, a pesquisa científica apenas não basta para gerar produtos, o Brasil cientificamente se situa na 13ª. posição mundial, mas perde para todos os países do grupo BRIC no item patentes. Em 2009 o Brasil produziu apenas 103 patentes, enquanto aos EUA produziam 82.382 e a China 1.655. É necessário que a pesquisa científica esteja lado a lado com a pesquisa tecnológica aplicada as indústrias cosmética e farmacêutica, para que a Amazônia, com sua biodiversidade, produza inovações baseadas na sua flora.
REFERENCIAS
- BARATA, LAURO E. S. Relatório do Projeto “Cultivo de Pau-rosa e produção do óleo das folhas” Banco da Amazônia (2001)
- BARATA, L.E.S. e MAY, P. Economic Botany 58, 257-265, (2004)
- BARATA, L.E.S. e CARVALHO, R.Q. Perfume & Flavorist (2007a; 2007b)
- BARATA, LAURO E. S. Relatório do Projeto “Cultivo e Extração do óleo das folhas do Pau-rosa”. Banco da Amazônia – UNICAMP (2010)
- BARATA, LAURO E. S. A Economia Verde-Amazônia, Ciência & Cultura, 64 (no.3), 31-35 (2012)
- BARATA, LAURO E. S. Rosewood: Relatório Técnico-Econômico (2014). Não publicado
- FIDELIS, C. H. V., AUGUSTO, F., SAMPAIO, P. T., KRAINOVIC, P. e BARATA, L. E. S. The Journal of Essential Oil Research, 24, 245-251, (2012)
- FIDELIS, CARLOS H.V., SAMPAIO, PAULO T.B., KRAINOVIC, PEDRO M., AUGUSTO, FABIO,BARATA, LAURO E. S. Microchemical Journal, 109, 73-77 (2013)
- FIDELIS, CHV, SAMPAIO, PTB, BARATA LES e EBERLIN, MN. Enantiomeric distribution of linalool in leaves of rosewood (Aniba rosaeodora Ducke) as a function of the tree age (in press, 2015)
- FERRAZ, JOÃO B.S. BARATA, LAURO E. S. SAMPAIO, PAULO T. B. e GUIMARÃES, GIULIANO P. Ciência & Cultura, 61, no. 3, (2009)
- LUPE, F., SOUZA RZ, e BARATA L.E.S. Perfume & Flavorist, 33, 40-43 (2008)
- MAIA, J. G. S. e ANDRADE, E. H. Química Nova, 32, no. 3, 595-622, (2009)
- SOUZA, RITA C. Z., MARQUES EIRAS, MARINA, CABRAL, ELAINE C., BARATA, LAURO E. S., EBERLIN MARCOS N. e CATHARINO, RODRIGO R. Analytical Letters, 44 (15), (2011)
- TRANCHIDA, PQ, DE SOUZA, RCZ, BARATA, LES, MONDELLO, M., DUGO, P., DUGO, G. e MONDELLO, L. Chromatography Today, 5-9, oct (2008)
[1] www.beraca.com
[2] http://www.amazonoil.com.br/
[3] Acesso em 17.12.15, http://www.cosmeticsdesign.com/Market-Trends/North-America-organic-cosmetics-drive-booming-global-market?utm_source=copyright&utm_medium=OnSite&utm_campaign=copyright
[4] Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém-PA
[5] Acesso em 31.08.2015, http://www.cosmeticsdesign.com/Market-Trends/Global-beauty-market-to-reach-265-billion-in-2017-due-to-an-increase-in-GDP
[6] Espera-se um mercado de R$ 50bilhões em 2015. Acesso em 19.12.15: http://www.sebraemercados.com.br/perspectivas-de-mercado-ate-2015-higiene-pessoal-perfumaria-e-cosmeticos/
[7] Leandro Tocantins, Noites de São João, banho de felicidade, cheiro de papel. Edição Especial de Festas Juninas, Jangada do Brasil: Ano X - nº 113, Junho 2008
[8] Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora
sobre o autor
Lauro Barata
Químico industrial, foi Professor Associado do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) até 2011. Atualmente é Pesquisador Associado ao IQ-UNICAMP e professor visitante da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Tem experiência na área de Química Orgânica: Fitoquímica; Fitomedicamentos, Fitocosméticos; P&D de Plantas Medicinais e Aromáticas, Isolamento e Síntese de Neolignanas para ensaios em Leishmania, Tuberculose, Esquistossomose. Também atua como consultor empresarial.
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