Matheus Vigliar
Por Daniela Klebis
19/8/15
Uma das sociedades mais organizadas do reino animal, as abelhas são, acima de tudo, as grandes responsáveis pela produção dos nossos alimentos. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) indicam que 73% das plantas que direta ou indiretamente nos alimentam dependem da polinização realizada pelas abelhas. Por isso, um fenômeno que vem sendo observado nos últimos anos preocupa tanto: as espécies polinizadoras estão desaparecendo massivamente da Terra. Os dados sobre o Brasil ainda são escassos, mas nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que um terço dos enxames vem sendo reduzidos a cada ano.
Um estudo publicado na revista Science desse mês indica que as mudanças climáticas são o principal responsável pelo declínio das abelhas polinizadoras mais comuns no mundo, as do gênero Bombus, popularmente conhecidas como mamangabas. Segundo o coordenador do estudo, o professor Jeremy Kerr, da Universidade de Ottawa, EUA, espécies como borboletas, pássaros e plantas, se expandem em direção aos Polos Norte e Sul, mas essas abelhas não estão conseguindo alcançar as regiões mais frias. “Elas estão entrando em colapso muito antes. Seu alcance está diminuindo - sem expansão para a região norte e com perda de extensão muito rápida no sul. É uma notícia muito ruim para as abelhas”, comenta o pesquisador.
O grupo liderado por Kerr observou como as fronteiras de distribuição geográfica das espécies ou dos limites de temperatura mudou ao longo dos últimos 110 anos. O grupo analisou a demarcação desses limites entre 1901 e 1974 e então comparou como eles se modificaram após esse intervalo, considerando as mudanças na temperatura. O fenômeno nunca havia sido notado antes. Kerr comenta que a razão pela qual isso está acontecendo pode estar relacionada à outra descoberta do grupo: as abelhas Bumbus, que evoluíram em áreas frias, tendem a manter a sua intolerância às condições quentes. “Isto representa um novo mecanismo de como e porque as espécies podem diminuir rapidamente durante as mudanças climáticas”, diz. “O fato é que nós não sabemos exatamente os efeitos das mudanças do clima, mas precisamos estar interessados em aprender mais sobre isso”, argumenta.
O pesquisador ressalta, no entanto, que o estudo se restringe a esse gênero particular. “As abelhas em geral costumam gostar de condições quentes e secas: estes são os ambientes em que elas evoluíram e são os locais onde hoje elas são mais diversas”, aponta.
Mudanças problemáticas
Ainda segundo ele, é muito difícil imaginar que as mudanças climáticas possam ser benéficas às abelhas. “O calor mais extremo, às vezes, pode fazer com que as flores, seus anfitriões naturais, percam néctar, o que seria um problema real”. Por esse motivo, o pesquisador acredita que os impactos das mudanças climáticas observados nas populações da América do Norte e da Europa aconteçam de forma similar também aqui na América do Sul. “Ainda que não se tenha evidências muito fortes sobre onde essas espécies foram encontradas muito tempo atrás, e por isso, tenhamos dificuldades de medir as mudanças, é bem possível que esse seja um fenômeno global, como as mudanças climáticas”.
A atividade apícola no Brasil ainda carece de estudos mais consistentes, todavia, a campanha brasileira “Sem abelhas sem alimentos”, por meio de um aplicativo chamado “Bee alert”, documentou, entre agosto de 2014 e fevereiro de 2015, cerca de 100 casos de colmeias afetadas e mais de 700 milhões de abelhas exterminadas na América Latina - 95% desses casos no País.
Organizações internacionais, como a Friends of the Earth (FOE - Amigos da Terra, em inglês) vêm desenvolvendo campanhas em defesa da preservação das abelhas polinizadoras. Segundo dados da ONG, com base no Reino Unido, os agricultores contam com esses insetos para produzir a maior parte dos alimentos e, sem eles, a agricultura britânica teria que arcar com quase 2 bilhões de libras esterlinas (aproximadamente 10 bilhões de reais) por ano, para polinizar as plantações. O foco da campanha da FOE é, no entanto, o uso sistemático de pesticidas e as mudanças nos habitats naturais das abelhas. Segundo o site da campanha, um estudo que examinou mais de 800 pesquisas científicas concluiu que os chamados neonicotinóides vêm causando danos significativos a muitas espécies de invertebrados e são um fator crucial para o declínio das populações de abelhas. Com base nesse estudo, a campanha vem pleiteando junto ao governo a abolição do pesticida nas plantações.
O professor da Universidade de Ottawa, no entanto, avalia que é muito precoce declarar que o uso de pesticidas é a chave para entender o desaparecimento das abelhas. “Nossos estudos apontam que o declínio das populações de abelhas começou antes do uso dos neonicotinóides. Portanto, esses químicos não podem explicar todas as perdas. O mesmo vale para as mudanças nos habitats”, ressalva. Mas Kerr aponta também que, apesar de não ser possível ainda hierarquizar as causas do desaparecimento desses insetos, todos os fatores são, sim, impactantes. “O problema com as mudanças climáticas é que, a longo prazo, é o fator que provocará os danos mais irreversíveis. Mais difícil de reparar que perda de habitar e pesticidas”, defende.
Como seria um mundo sem abelhas?
De acordo com o Guia ilustrado de abelhas polinizadoras no Brasil, lançado em 2014, das mais de 300 mil espécies de plantas que conhecemos, mais de 85% dependem da polinização dos insetos invertebrados, a polinização biótica. E as principais espécies polinizadoras são as abelhas. Nas florestas tropicais, são elas que transportam os pólens que fertilizam mais de 50% das plantas. No cerrado, 80% das plantas dependem do trabalho delas. O guia aponta ainda que, entre as 57 espécies de plantas mais cultivadas no mundo, mais de 40% precisam desses insetos. Quando os grãos de pólen das estruturas masculinas das flores (anteras) são levados para as estruturas femininas (estigma), acontece a polinização. Ela pode se dar na mesma planta (autopolinização) ou em corpos diferentes (polinização cruzada). O pólen pode ser transferido de três maneiras: pelo vento, pelos insetos e, de forma artificial, pelo homem.
A polinização biótica é, na verdade uma troca. As abelhas, em especial, alimentam-se exclusivamente das flores: o néctar é essencial para a produção do mel, enquanto o pólen é fonte de proteínas para elas. Ao colher seu alimento, passeando por várias plantas, elas, involuntariamente, colaboram para o cruzamento do material genético das flores. Por isso, para atrair seus colaboradores, as flores têm cheiros e cores tão atraentes.
De acordo com Kerr, abelhas mamangabas polinizam plantações importantes como tomates, melões, morangos, frutas silvestres e flores. Outras culturas que dependem das abelhas são laranjas, maçãs, café, castanhas, algodão, soja, cebola, entre outras. Estima-se que os serviços ecossistêmicos da polinização correspondam a cerca de 10% do PIB agrícola, representando a incrível cifra superior a U$ 200 bilhões/ ano, no mundo.
Além disso, as abelhas também colaboram com a manutenção da base da cadeia alimentar nos ecossistemas silvestres. “Com os serviços prestados na polinização, as abelhas garantem às plantas a formação de frutos, sementes e a perpetuação dessas espécies vegetais possibilitando a reposição e manutenção das populações de plantas nos ecossistemas naturais”, descreve o guia ilustrado.
Os efeitos da diminuição das populações de abelhas sobre a biodiversidade são avassaladores. Sem o ciclo de polinização, o equilíbrio dos ecossistemas, que prescinde da interdependência dos seres da fauna e da flora, pode ser ameaçado. Como consequência do desaparecimento das abelhas, a vegetação diminui, e, com ela, produção de oxigênio, equilíbrio de temperatura e de ciclos de chuvas. “Além de lindas e fazerem parte das nossas paisagens, as abelhas trazem benefícios práticos. Seu trabalho possui um imenso valor econômico. É difícil imaginar como as sociedades poderiam sobreviver sem elas, independentemente da quantidade de dinheiro que investiríamos para substituí-las”, finaliza Kerr.
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