A agroecologia é um sistema de produção agrícola alternativa que busca a sustentabilidade da agricultura familiar resgatando práticas que permitam ao agricultor pobre produzir sem depender de insumos industriais como agrotóxicos, por exemplo. – Charge por Latuff, no Humor Político
[EcoDebate] SILVA e MATOS (2014) tecem considerações sobre as mulheres e a agroecologia. Analisam a condição da mulher camponesa, a origem do conceito de patriarcado como as bases para o processo de invisibilidade na produção de alimentos. Elaboram ainda considerações sobre o papel que as mulheres possuem na agroecologia e suas práticas.
O objetivo é destacar a importante função das mulheres camponesas como produtoras de alimentos e organizadoras da produção nos quintais, pomares e hortas. Além da reprodução da vida familiar, como engravidar, cuidar de idosos, doentes e crianças e promover as ações de processamento dos alimentos e cuidados com ambiente.
Por incrível que pareça, são mais as mulheres, as agentes ambientais de relevância entre as unidades de agricultura familiar ou agroecológica. E este vínculo é histórico e tradicional.
Neste contexto, SILVA e MATOS (2014) também salientam que a trajetória das mulheres camponesas está entrelaçada com os aspectos do
patriarcalismo, cujo sistema historicamente está baseado na noção da mulher como propriedade do homem, e como consequência prevalecem várias formas de machismos nesse universo simbólico e também nas práticas cotidianas no mundo camponês.
Assim sendo, a invisibilidade dos processos de produção de alimentos conduzidos por mulheres, também podem ser considerados como parte do sistema patriarcal, que torna o trabalho da mulher agricultora subvalorizado.
Mas por outro lado, as mulheres camponesas têm sido as principais guardiãs da biodiversidade, garantidoras dos sérvios ecossistêmicos prestados nas suas glebas de influência e multiplicadoras de espécies animais e vegetais. E também possuidoras de conhecimentos que podemos chamar de agroecológicos.
A situação das mulheres agricultoras possui determinadas semelhanças na sua forma de viver e de produzir em várias partes do mundo. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), “no mundo há mais de 600 milhões de mulheres rurais, a maioria agricultoras, que representam mais da quarta parte da população mundial” (SENRA; LEÓN, 2009, p. 21), embora, paradoxalmente, “as mulheres, em nível mundial, somente dispõe de 1% da posse de terras”.
Para as pesquisas da Via Campesina, as mulheres camponesas e agricultoras são as produtoras dos principais cultivos básicos em todo o mundo como arroz, trigo e milho, que proporcionam até 90% dos alimentos que consome a população empobrecida das zonas rurais. No sudeste da Ásia, as mulheres representam até 90% da mão de obra necessária ao cultivo de arroz.
Na África subsaariana, as mulheres produzem até 80% dos alimentos básicos para o consumo familiar e venda, cultivando até 120 espécies vegetais diferentes nos espaços livres junto aos cultivos comerciais dos homens. As mulheres realizam de 25% a 45% dos trabalhos agrícolas na Colômbia e Peru.
Em algumas regiões andinas, as mulheres estabelecem e mantêm os bancos de sementes do qual depende a produção de alimentos. As mulheres constituem 53% da população trabalhadora agrícola no Egito (SENRA; LEÓN, 2009, p.22). Ainda que, a maioria das mulheres esteja produzindo alimentação em diversos lugares do planeta, não são as agricultoras que estão conduzindo processos de tomada de decisões sobre o que, ou como produzir.
As pesquisas conduzidas pela Via Campesina revelam que a agricultura no mundo inteiro, tecida pelas mãos das mulheres, tem acontecido no sentido de promover fundamentalmente o combate à fome, principalmente nas áreas rurais. São as mulheres que coordenam a produção dos quintais, composto pelos alimentos que garantem o sustento imediato da família, seja pela horta e pelas frutas, pelos grãos ou pela criação de animais.
As tarefas que proporcionam bem-estar ao núcleo familiar como os cuidados com os idosos, as atenções especiais às crianças, a organização do espaço da família, não são contabilizados para as mulheres. Conforme PAULILO (2013, p. 295) a compatibilização entre os bens e serviços que passam pelo mercado e os que não passam “requer a descoberta de uma medida comum de padronização, que é dificultado por problemas como a definição do que é trabalho, a medição do tempo de trabalho e a atribuição de valor aos distintos tipos de trabalho”.
É importante saber que nem sempre o mundo foi assim organizado, da forma que é hoje. No caminho contrário ao pensamento hegemônico, estas lutas de homens e mulheres vêm questionando e organizando variadas formas de contribuir para a desnaturalização das desigualdades que as ideologias dominantes nos apresentam como verdades históricas, e que é necessário refletir (FABRI, 2011, p. 173).
Por patriarcalismo, na analogia que o próprio nome sugere, compreendemos o conjunto das relações que estão estruturas sob a responsabilidade do pai ou homem adulto, é anterior a consolidação do sistema capitalista, e possui em torno de seis mil anos na história da humanidade.
Desde seus primórdios, a família se constituiu como elemento essencial das forças produtivas, mulher e filhos são subordinados ao pai enquanto proprietário. Segundo FARIAS (2013, p. 396) nesse sistema “há ações biunívocas, da mesma forma em que há o poder e a dominação de homens alicerçados no controle sobre as mulheres, há outro poder, que se gesta mediante as formas de resistência dessas mulheres”.
O modelo patriarcal que se impõe sobre a estrutura organizacional de toda a sociedade leva-nos a “naturalizar” as relações sociais de modo desigual entre homens e mulheres, também explícito nas relações do mundo do trabalho.
Existem muitos desafios, como caracterizar o que é trabalho e medir o tempo de trabalho e mensurar os demais tempos que se gasta com educação e lazer e o valor que se atribui a cada tipo de atividade, e quais os critérios que são utilizados para imprimir um valor a cada função (PAULILO, 2013).
As mulheres camponesas e agricultoras, tem realizado desempenho fundamental na prática da agroecologia. O modo de agricultura praticado em torno do sustento da unidade familiar, geralmente tem sido realizado em sistema de integração entre pomar, horta, jardim, bosques, o que potencializa o sistema agroecológico.
Além disso, a integração do conjunto que abrange saúde, alimentação, garantia da vida, fortalecem os procedimentos da agroecologia. As mulheres, embora geralmente trabalhem muito, tem seu trabalho invisibilizado pelo modo de como é organizado o mundo do trabalho no campo.
Lutar para dar visibilidade ao trabalho das mulheres camponesas e tentar mensurar seu potencial ainda é desafiador. Os desafios são muitos, contudo as práticas agroecológicas gestadas em grupos, em unidades familiares, em associações, grupos de indígenas, quilombolas, camponeses, de mulheres e de jovens dão mostras que podem reagir adequadamente a estes paradoxos.
Mas o certo é que as mulheres são detentoras de uma profunda e histórica relação com a mãe natureza e exercem a funcionalidade de deterem e transmitirem todo conhecimento que fundamenta e sustenta a tecnologia agroecológica, tão representativa para os anseios de todas as populações que almejam que um outro mundo em equilíbrio e harmonia ambiental seja possível.
Referências:
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CARRASCO, Cristina. In: A produção do viver. NOBRE, Miriam; FARIAS, Nalu (org.). Sempre Viva Organização Feminista (SOF). São Paulo: 2003.
D´ATRI, Andrea. Feminismo e marxismo: 40 anos de controvérsias. Revista Lutas Sociais, São Paulo, n. 27, p. 142-156, 2011.
FABBRI, Luciano. Um olhar feminista sobre os sujeitos da transformação social em Nuestra América. Revista Lutas Sociais, São Paulo, n. 27, p. 172-185, 2011.
FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam. Gênero e Desigualdade. São Paulo: SOF, 1997.
FARIAS, Marisa de Fátima Lomba de. Mulheres no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). In: TEDESCHI, Losandro Antonio (org). Leituras de gênero e interculturalidade. Dourados: Editora UFGD, 2013.
MAFORT, Kelli Cristine De Oliveira. A hegemonia do agronegócio e o sentido da Reforma Agrária para as mulheres da Via Campesina. 2013. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais. Universidade Estadual de São Paulo, Araraquara, 2013.
MEDEIROS, Leonilde Servolo. Reforma Agrária no Brasil – história e atualidade da luta pela terra. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
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COTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil de análise. Revista Educação e Realidade. Jul./dez. 1995: p. 71-79.
PAULILO, Maria Ignez S. FAO, Fome e Mulheres Rurais. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 56, n. 2, 2013, p. 285-310.
VIA CAMPESINA, Declaración sobre la Soberanía Alimentaria de los Pueblos, 2009. Disponível em: http://www.viacampesina.org. Acesso: jun. 2013.
VIEIRA, Flávia Braga. Articulações Internacionais “desde abaixo” em tempos de globalização. In: GONH, Maria da Glória; BRINGEL, Breno (orgs.). Movimentos Sociais na era global. Petrópolis, Vozes, 2012.
SILVA, Sandra Procópio da e MATOS, Jatene da Costa As Mulheres Camponesas e a Produção Invisível da Agroecologia. Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 – Vol 9, No. 4, Nov 2014
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
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in EcoDebate, 30/12/2015
"Mulheres e agroecologia, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, 30/12/2015,http://www.ecodebate.com.br/2015/12/30/mulheres-e-agroecologia-artigo-de-roberto-naime/.
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